(Folha de São Paulo)
Quando presidia a Comissão de Reforma Política da Seccional da OAB em São Paulo, tínhamos, nos três anos de seu funcionamento, sugerido algumas propostas para modificação do sistema eleitoral.
A mais ousada, que constou de livro que coordenei com 26 juristas, filósofos, cientistas políticos e sociólogos (“Parlamentarismo: utopia ou realidade”), objetivava ver encampado pelo Congresso que viesse a ser eleito, o referido sistema.
Admitindo um período de transição entre o presidencialismo e o parlamentarismo - adotado por 19 das 20 maiores democracias do mundo -, apresentamos alguns anteprojetos de lei, propondo a adoção de cláusula de barreira para redução do número de legendas –o Brasil não tem partidos políticos, mas meras legendas--, do voto distrital misto (distrital em 50%, 50% proporcional), fidelidade partidária, financiamento público e privado de campanha com rígido controle do financiamento particular. Opusemo-nos ao voto em lista para não eternizar, no Legislativo, caciques e donos de partidos sem densidade eleitoral, além da proibição às coligações partidárias. Apoiamos também o “recall” e, quanto à fidelidade partidária, não admitíamos que, no curso do mandato, o parlamentar eleito passasse para outro partido. Poderia deixar o seu, mas ficaria sem legenda, o que implicaria a inviabilidade de concorrer a mandato imediatamente posterior. É o que acontece em Portugal.
Pessoalmente, quando Temer sugeriu, como vice-presidente, no primeiro mandato de Dilma, o “distritão”, fui favorável a sua aprovação.
Se um país não tem partidos políticos, mas meras legendas que se multiplicam como cogumelos, nada mais natural que o mais votado seja o que melhor represente o eleitorado. No “distritão”, então proposto por Michel Temer, São Paulo, por exemplo, teria direito a 70 deputados, que seriam os mais votados pela população, isto é, aqueles considerados pela população como os que melhor poderiam representa-la. Seus suplentes não seriam os de sua legenda, e sim os também mais votados pelos eleitores, com o que a representação, no Congresso, na Casa do Povo, que é a Câmara dos Deputados, e nas Assembleias Legislativa e Câmaras Municipais, caberia àqueles que tivessem merecido dos eleitores suas indicações.
Donos de partidos sem densidade eleitoral, que buscam puxadores de votos para elegerem-se, perderiam espaço. Não haveria a injustiça de candidatos com expressiva votação serem preteridos por candidatos com votos inexpressivos, por força de popularidade de cidadãos convidados para este ou aquele conglomerado partidário.
Na minha avaliação, todavia, entendia que, para fortalecimento do partido com políticos autênticos e não com aliciados conquistadores de votos, a fidelidade partidária teria que ser efetiva, pois seria a única forma de fortalecer se, de um lado, os partidos, com pessoas que fariam a carreira dentro deles e, de outro lado, fortalecer-se-ia a vontade popular, que veria os mais votados tornarem-se seus representantes nas Casas Legislativas.
Embora sobre este ponto a Comissão não tivesse deliberado, havendo respeitáveis opiniões contrárias, como a de Nelson Jobim, decidimos, à época, que a matéria deveria ser mais debatida.
Agora, que o tema volta à discussão e já não mais presidindo aquela Comissão, mas apenas como um velho professor aposentado de direito constitucional, entendo que a solução seria a ideal para o país, pois prestigiar se-ia tanto a vontade popular, como o fortalecimento dos partidos, pela fidelidade partidária. Assim sendo, os dois desideratos seriam atingidos, além do que o “distritão” --termo que não me agrada— serviria para, naturalmente, criar uma cláusula de barreira, com a eliminação gradativa de “legendas comerciais” para concessão, mediante espúrios acordos, de benesses variadas.
Que a vontade popular seja respeitada, merecendo representa-la sempre o mais votado, seja nos cargos majoritários, seja nos proporcionais.