Tive a honra de ser colega, no corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do saudoso Professor Marcus Cláudio Acquaviva, um dos homens mais cultos que conheci em minha existência. E me lembro que de uma forma cientificamente correta e, ao mesmo tempo, didática, o Professor Acquaviva fazia uma clara distinção entre dois conceitos básicos da Ciência Política que, muitas vezes, são confundidos. Tais conceitos são os de “Político” e “Estadista.”
O “Político” --- dizia ele --- é o homem que vê à sua frente apenas a próxima eleição. E o “Estadista” é aquele homem que enxerga no mínimo cinquenta anos adiante do tempo em que vive, tendo como preocupação básica, não o próximo pleito eleitoral, mas o bem da sua Pátria e dos seus concidadãos... ora, os seres medíocres são muito mais numerosos do que os talentosos; assim, os “Políticos” aparecem na História com muito maior frequência do que os “Estadistas”... ao “Político” --- em especial onde existe a teratologia chamada “sufrágio universal e direto” --- é suficiente saber ganhar as boas graças do maior número possível de eleitores que puder cativar. O “Estadista” carece de uma impecável formação ética, de um entranhado patriotismo, e de uma sólida cultura, abrangente dos mais variados campos do saber, desde o da Sociologia até o da Estatística, passando pela Macro-Economia e pelas Relações Internacionais...
É muito comum que o “Político” se fantasie de “Estadista”, e os “meios de comunicação de massa” contribuem amiúde para que reles “Políticos” sejam considerados “Estadistas.” Como toda contrafação, a do “Político” arvorado em “Estadista” é em primeiro lugar grotesca, e em segundo lugar, altamente daninha para todos os que nele acreditam e o seguem...
Na recente História do Brasil, houve um exemplo muito nítido de um “Político” que foi --- indevidamente --- considerado um “Estadista.” Refiro-me a Juscelino Kubitschek de Oliveira, que alcançou a Presidência da República em 1955, nela permanecendo até 1960. Juscelino, em campanha, falava do seu plano de transferir a Capital do Brasil, do Rio de Janeiro para o Planalto Central, e tinha em mente fazer o país avançar “cinquenta anos em cinco.” Uma vez empossado, colocou mãos à obra...
A transferência da Capital Federal para o Planalto Central era um plano muito antigo, dos primórdios da República. E não há dúvida de que, à época em que foi concebido, retirar a Capital do Brasil do Rio de Janeiro era uma iniciativa que atendia, antes de mais nada, a um imperativo de segurança nacional: --- Em caso de guerra, muito mais difícil seria para o inimigo atingir uma cidade situada no centro do Brasil, do que uma cidade do litoral... sucede que, quando Juscelino fez a mudança, os mísseis de longo alcance já eram uma realidade na arte militar. Brasília foi inaugurada aos 21 de Abril de 1960. Ora, o primeiro míssil intercontinental, o R-7 soviético, existia desde 1957, e o míssil norte-americano Atlas surgira em 1959... assim, a construção de Brasília foi um empreendimento desnecessário, caro ao extremo, e gerador de uma incontrolável inflação!... houve um outro efeito péssimo para o Brasil, decorrente da construção da nova capital. Refiro-me ao monstruoso enriquecimento de empresários corruptos, muitos deles ainda hoje em plena atividade, e que --- lesando todo um povo --- faziam uso da conhecida esperteza barata de entregar um caminhão de tijolos e receber dez!... é possível afirmar que a construção de Brasília criou uma “cultura da corrupção” e do enriquecimento ilícito...
Não pararam aí as iniciativas do “Estadista” JK: --- Em um país de dimensões continentais como o Brasil, que à época era dependente, ainda, do petróleo estrangeiro, o “Presidente Bossa Nova” estimulou o transporte rodoviário, fechou ferrovias e nada fez pelas hidrovias... ou seja, fez tudo ao contrário do que dois grandes brasileiros que o precederam tinham realizado: --- Agenor Couto de Magalhães deixara pronto um plano (claro que “esquecido” depois...) de navegação dos rios brasileiros e Ireneu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, fora o pioneiro das ferrovias neste país... fiel à sua absurda fixação pelo módulo rodoviário de transporte, Juscelino facilitou a instalação de fábricas de automóveis no Brasil. Fabricar automóveis em um país que ainda importava muitos produtos industriais...que absurdo. E o Brasil passou a fabricar veículos caros, inacessíveis a boa parte da população.
Outra consequência funesta do governo JK foi o fato de a cidade do Rio de Janeiro ser vitimada por um vácuo de poder político, ficando em um inevitável abandono, depois da saída da capital federal. A “Cidade Maravilhosa”, encanto de brasileiros e estrangeiros, privada da sua antiga dignidade, tornou-se o paraíso da impunidade, o feudo do narcotráfico. Tudo isto compõe o sinistro legado de Juscelino Kubitschek de Oliveira, indevidamente cultuado como “Estadista”, quando não passou de um “Político”, aliás, populista e demagógico.
*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo (Largo de São Francisco) e Acadêmico Perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, foi aluno de Geopolítica do General Carlos de Meira Mattos. Dedica este modesto artigo ao Jorge Henrique de Mello Barreto, seu colega no Curso de Cavalaria do CPOR de São Paulo, Turma de 1969