(Correio Braziliense)
O Brasil perdeu, em 13 de maio, um homem de bem. Educador competente, cidadão exemplar, o professor William Saad Hossne morreu aos 89 anos de idade. Foi um ardoroso defensor do comportamento ético em todos os segmentos comunitários. O ano de 2014 foi emblemático para os brasileiros; o término da Ação Penal 470 (mais conhecida como mensalão) no Supremo Tribunal Federal fez com que todo o Brasil se interessasse pela faxina do Estado. A última campanha eleitoral para a Presidência da República foi a mais agressiva e desprovida de ética, que se tem conhecimento.
O professor William Saad Hossne, introdutor da bioética, lutou para que a moralidade e o comportamento ético imperassem em nosso país. Invasões de centros de pesquisas por ativistas, reacenderam o debate sobre a utilização de animais em experimentos voltados à área da saúde. A questão é controvertida. Disseminação de informações corretas pelos pesquisadores permitirão correta avaliação e estabelecimento de limites civilizados entre os adeptos das duas correntes de opinião. A ciência deve muito ao professor William Saad Hossne, que balizou a atuação de órgãos e conselhos de fiscalização.
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e de Botucatu (UNESP), do CIEE/Estadão (2013) e da Universidade São Camilo, ele se destacou pela militância bem-sucedida nessa área polêmica, embora estratégica para a própria evolução das condições de vida da sociedade. Mestre em bioética, mergulhou num campo transdisciplinar que envolve a biologia, as ciências da saúde, a filosofia e o direito. Com essa sólida base, a bioética estuda a dimensão ética dos modos de tratar a vida humana e animal, em pesquisas científicas e suas aplicações. Em outras palavras, busca aliar uma perspectiva humanista aos avanços tecnológicos na área da saúde, entre os quais despontam temas delicados – e ainda não consensuais –, como clonagem, fertilização in vitro, transgênicos, pesquisas com células-tronco, uso de animais em pesquisas e outros.
Ciclicamente, essa questão volta ao debate, pois, como ensina Saad, cada salto da ciência cria problemas éticos, que não podem ser resolvidos apenas por cientistas de uma área. Ele alerta: é necessário chamar outras disciplinas para criar um balizamento ético, pois, sem esse cuidado, a sociedade pode se autodestruir. Recorrendo à generosa partilha de ideias, que o professor Saad promoveu ao longo dos seus bem vividos 89 anos, o século 20 foi palco de cinco revoluções: a atômica, a molecular, a das comunicações, a do espaço sideral e a da nanotecnologia. Agora, já estão aí, no dia a dia, os sinais de um novo salto, resultante da integração dos cinco anteriores no que se pode chamar de tecnociência. A ética da sexta revolução herdará algumas características da bioética, cuja prática implica a livre escolha de valores. Ou seja, coação, coerção, sedução, exploração, manipulação ou qualquer mecanismo de inibição a essa liberdade são fraudes incompatíveis com o exercício ético.
O exercício da bioética, como ainda ensina o mestre, permite a resolução de conflitos que acompanham os avanços da ciência, com o respeito a valores que sempre pautaram as grandes conquistas da humanidade: humildade, grandeza, prudência e solidariedade. “Como referencial, a solidariedade se articula com os demais referenciais da bioética: autonomia, justiça, equidade, vulnerabilidade, não maleficência, beneficência, prudência (phronesis e sophrosyne), alteridade, responsabilidade, altruísmo”, diz Saad Hossne.
Seus escritos mostram que ele também gosta de filosofar. Assim, pergunta: o que faremos com tanto poder, concedido pela ciência? A resposta ele encontrou no livro Tempos interessantes, no qual o historiador inglês Eric Hobsbawn lembra que o mundo não vai melhorar sozinho. Mas certamente melhorará – e muito – se contar com posturas solidárias, humanistas e inteligentes, como as adotadas por William Saad Hossne ao longo de sua trajetória, na qual buscou conciliar.