(O Estado de S.Paulo)

Nos tempos atuais, a definição jurídica de família passou a ser deturpada por ideias e proposições que, perigosamente, vêm sendo cultivadas por seus defensores, em projetos de lei e por alguns tabeliães de notas. Há tentativas de implantação da poligamia em nosso país. Com essa finalidade, são utilizadas expressões enganosas, que seduzem e ofuscam a razão, como uniões poliafetivas ou simultâneas, que suavizam o seu verdadeiro conteúdo, o objetivo de transformar relações ilícitas em entidades familiares.

Essas ideias e proposições têm em vista atribuir direitos de família e sucessórios à relação formada entre três ou mais pessoas, de maneira consentida, propondo-se que a união estável possa ser constituída em trios, quartetos, quintetos... o inferno é o limite! Escrituras públicas de uniões poliafetivas foram lavradas em tabelionatos em São Paulo e no Rio de Janeiro, envolvendo, em duas delas, um homem e duas mulheres, em que o primeiro tem a chefia; e, em outra, três mulheres. Observe-se que esse tipo de relação não é costumeiro no nosso país, sendo desprezível o número de trisais brasileiros.

Essas ideias e proposições também querem oferecer direitos de família à poligamia não consentida, chamada de união simultânea ou paralela, o que obviamente é mancebia. Assim, pretendem dar aos amantes, ou seja, àqueles que são cúmplices de adultério, os mesmos direitos das pessoas casadas, como a assistência material. Pelo fim da relação de concubinato, a amante teria direito de receber pensão alimentícia e também à indenização por danos morais e materiais.

Tudo ao arrepio da Constituição Federal, que ampliou o conceito de família para abarcar aquela formada pela união estável, mas sempre sob o primado da monogamia, ou seja, do respeito ao casal. Além dessas entidades familiares, a única outra espécie de família cabível pela Constituição Federal é a de um dos genitores e sua prole.

Note-se que é totalmente descabido, além de desrespeitoso, equiparar as relações de poligamia às uniões homoafetivas. Afirmar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu direitos de família e sucessórios às uniões entre pessoas do mesmo sexo, fundamenta que qualquer tipo de relação possa ser tida como família é uma falácia. As uniões homoafetivas, assim como as heteroafetivas, são norteadas pela monogamia para formarem uma entidade familiar.

Bem por isso, a Corregedoria Nacional de Justiça, liminarmente, recomendou a todos os Tabelionatos de Notas do Brasil que não lavrem esse tipo de escritura enquanto se aguarda decisão sobre o pedido de providências feito pela ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões) de vedação dessas lavraturas.

Ainda sobre a poligamia, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.369/2015, de autoria do Dep. Orlando Silva (PC do B-SP) e de relatoria do Dep. Jean Wyllys (PSOL-RJ), intitulado “Estatuto das Famílias do Século XXI”, em que se propõe que a relação poligâmica seja havida como entidade familiar. Além do Projeto de Lei do Senado 470/2013, chamado “Estatuto das Famílias”, de autoria da Senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e de relatoria do Senador João Capiberibe (PSB-AP), contém proposições de atribuir à relação concorrente com o casamento e com a união estável, ou seja, à mancebia e, portanto, à poligamia não consentida, direitos típicos de uma entidade familiar.

Para explicar essas supostas formas de poliamor, é dito que o afeto tudo justifica numa entidade familiar, partindo-se de premissas individualistas com a finalidade de transformar esse sentimento em princípio jurídico básico. Mas o afeto está sendo usado naquelas ideias e propostas como um véu para encobrir o oportunismo sexual e financeiro desses tipos de relação no Brasil.

Importa mencionar que a poligamia é adotada em poucas regiões, ou seja, na África, embora não ocorra na totalidade deste continente, na menor parte da Ásia e em poucas ilhas da Oceania. Em grande parte destas regiões, em que estes costumes poligâmicos são utilizados há muitos anos, são apresentados os piores Índices de Desenvolvimento Humano.

Conforme competentes estudos estatísticos, a poligamia, na maior parte dos países em que é adotada, produz, entre outros efeitos, desigualdade entre homens e mulheres; maior competição sexual dos homens por mulheres, inclusive para a perpetuação da espécie na geração de filhos, o que gera mais conflitos; menos mulheres disponíveis, de modo que há mais homens solteiros, que estão mais sujeitos à prática de crimes, o que aumenta a taxa de criminalidade; maiores abusos pessoais e conflitos domésticos e pior investimento nos filhos. Estes fatores causam pior produtividade econômica. Note-se que a relação entre as esposas não é harmoniosa e nada indica que o acesso da mulher aos meios de produção diminua os conflitos.

Na maior parte dos países ocidentais, e também em grande parte do oriente, vigora a monogamia, ou seja, o casamento e a união estável somente existem entre duas pessoas. Estudos comprovam que a monogamia produz redução da desigualdade entre homens e mulheres; redução da taxa de criminalidade, incluindo estupro, assassinatos, roubos e fraudes, assim como diminuição de abusos pessoais, redução do tráfico sexual, redução da violência doméstica; aumento do investimento nas crianças e da produtividade econômica ao transferir os esforços masculinos da busca por esposas para os investimentos nos filhos; redução dos conflitos domésticos; menores taxas de negligência com os filhos, de abusos, de mortes acidentais e de homicídios; melhores investimentos paternos e menor fertilidade que favorecem a maior qualidade da prole. Estes fatores favorecem o crescimento econômico.

Em suma, a conclusão é de que as sociedades monogâmicas são mais aptas a gerar melhor organização social e melhores benefícios econômicos, o que seria suficiente para barrar aqueles ideias de implementação da poligamia em nosso país. E, acima disso, essas ideias e propostas são inconstitucionais, contrariam os costumes brasileiros e os anseios da nossa sociedade, devendo ser vedadas as lavraturas de escrituras de relações poligâmicas, assim como o Congresso Nacional deveria rejeitar os projetos de lei.