Acacio Vaz de Lima Filho*

Em suas aulas nos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de São Paulo, Miguel Reale enfatizava que o pensamento do século XIX havia sido reducionista, o que desembocou no surgimento de doutrinas também reducionistas. Razão assistia ao jusfilósofo patrício: Marx reduziu a problemática humana ao fator econômico, Spencer a reduziu à evolução, Gobineau e Chamberlain ao fator racial, e assim por diante.

Várias de tais doutrinas do século XIX, senão todas, eram materialistas e deterministas, negando destarte aos homens o livre-arbítrio. Materialistas e deterministas eram o Marxismo, o Positivismo de Comte e o Evolucionismo de Spencer...

Parece-me óbvio que a apontada postura mental iria se refletir no modo pelo qual certos autores do século XIX encararam o Direito: De acordo com Augusto Comte, ele não passava de um capitulo da Sociologia. E para Marx, era o Direito uma superestrutura ideológica utilizada pelas classes dominantes para explorar o proletariado... escrevendo no século XX, mas inspirado pela mundividência da centúria anterior, Hans Kelsen limitou o Direito à sua dimensão normativa, olvidando ser ele indissociável da Moral, consoante o “Honeste Vivere” dos jurisconsultos romanos do Período Clássico...

Tratava-se --- e trata-se --- de uma visão extremamente limitada do fenômeno “Jus”, e mais do que isto, de uma visão incompatível com mais de dois mil anos de evolução da Cultura Ocidental e Cristã, esta --- ainda segundo Miguel Reale --- uma síntese do “Logos” da Filosofia Grega, da “Voluntas” Ordenadora do Direito Romano, e da “Caritas” do Cristianismo.

O Direito é por excelência o território da autonomia da vontade humana. Concebê-lo como algo desvinculado da “voluntas”, do livre-arbítrio dos homens, equivale a mutilá-lo imperdoavelmente... ademais disto, ele tende à apreensão do universal. Destarte, as doutrinas que, como o Marxismo e o Positivismo Comteano, padecem do que chamo “Nanismo Epistemológico”, jamais chegarão a apreender, em sua inteireza, a sua majestade intrínseca.

Em todos os meus escritos tenho sustentado que a causa principal da robustez do Direito Romano, foi a sua aderência à realidade, foi a sua impressionante sintonia com a concreção da existência. Não estou sozinho nesta postura. Com efeito, Pietro De Francisci, em síntese feliz, chamou os jurisconsultos romanos de “empíricos geniais.” E Oliver Wendell Holmes, tendo diante dele, inclusive, a Jurisprudência do Povo do Lacio, afirmou que “a vida do Direito não foi a Lógica; foi a experiência.” Ora, o Direito Romano jamais foi axiologicamente neutro...

O quadro, intrinsecamente perigoso, que existe em nossa época, é o da exacerbação do aspecto normativo do Direito, com o corolário de se cogitar exclusivamente, na formação dele, das estruturas de Poder que estão no “substractum” do seu surgimento. O risco é enorme: Desaparecida a “proportio ad alterum” ou “alteridade” que o Estagirita via no Direito, ele se tornará um simples --- e cego --- instrumento de dominação, nas mãos dos detentores do Poder!...

*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, detentor da cadeira de nº 60 – Patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva