Com problemas no país e gigantesca desigualdade, Câmara aprova discriminação contra políticos

Não existe novidade no fato que mulheres, no Brasil, e no mundo em geral, são discriminadas. Recebem, pelo mesmo trabalho realizado por homens, durante o mesmo período de tempo, 25, 30 ou até 35% a menos em termos de remuneração. No âmbito político, as mulheres não usufruem de espaços de poder equivalentes aos dos homens, apesar de terem conquistado o direito ao voto há mais de 91 anos. Algumas construções vêm sendo edificadas neste plano, via ações afirmativas, garantidas constitucionalmente, cuja lógica éRoberto Livianu assegurar espaços de poder para elas.

Os negros, escravizados até 1888, ainda são discriminados à luz do dia, sendo abordados pela polícia pelo simples fato de serem negros. São espancados, ofendidos, massacrados, mortos, sofrendo toda espécie de injustiça, cujo símbolo superlativo foi o apartheid na África do Sul, enfrentado por Mandela e outros líderes tenazes.

Eis que, em pleno 2023, com metade da população desprovida de acesso a saneamento básico, com gigantesca desigualdade social, com 33 milhões padecendo com a fome, sendo estes apenas alguns dos exemplos dos inúmeros problemas sociais, brota na Câmara dos Deputados um projeto, aprovado na calada da noite, novamente no modo "de boiada" ? urgência de votação, sem amadurecimento de debate, sem possibilidade de resistência por parte da sociedade civil, pega de surpresa. Com grave violação democrática.

Trata-se da mais nova versão da lei da mordaça, visando blindar os frágeis parlamentares, vítimas do sistema opressor que os ofenderia injustamente, que os humilharia, que os exporia, que os desrespeitaria, negando acesso injustamente a crédito no sistema financeiro. O projeto é de autoria da Deputada Federal Daniela Cunha, filha de Eduardo Cunha, que presidiu a Câmara dos Deputados e foi condenado e foi preso por diversos crimes.

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Discriminação se origina do latim discriminatio, que equivale a separação (em latim separatio) ou distinção (em latim distinctio), por sua vez o verbo discriminar é observado no latim discriminare, marcando desde a desconstrução os fortes componentes dis- e crimin- associado a crime, fazendo referência a qualquer ação em que há separação de alguns elementos em relação a outros. No entanto, com o passar do tempo, um novo significado passou a ser incorporado: a exclusão de uma pessoa ou coletivo por razões religiosas, sociais, étnicas ou econômicas.

A verdade nua e crua é que há mais de vinte anos tenta-se aprovar, com diversas tonalidades, projetos de Lei que propiciem impedir-se o exercício do legítimo controle social em relação à atuação dos detentores do poder. Desta feita, a iniciativa foi etiquetada como crimes de discriminação contra políticos. A estratégia foi a inclusão de outras pessoas politicamente expostas como vítimas para viabilizar a aprovação.

Pretende-se simplesmente calar a sociedade e se usa a ameaça de prisão por crime decorrente de suposta discriminação. Interessante observar que iniciativas que são apoiadas amplamente pela sociedade, como a prisão após condenação em segunda instância, fim do foro privilegiado ou mesmo as candidaturas independentes não saem da estaca zero. Estão condenadas a viver deitadas eternamente em berço esplêndido: a gaveta da Presidência da Câmara, enquanto proposições para blindar parlamentares como esta, voam.

Já se quis impor a escolha do Corregedor Nacional do Ministério Público pelo Congresso, cogitou-se autorizar a interferência do CNMP em investigações de Promotorias e Procuradorias (PEC da Vingança) e até subjugar o Supremo Tribunal Federal à Câmara em decisões não unânimes do STF. Agora, usa-se o poder de legislar para construir auto-blindagem, visando supostamente evitar discriminação aos políticos.
A PEC 9/23 tramita no Senado e pretende anistiar os partidos políticos, tornando letra morta as regras garantidoras de espaços de poder construídos por lei para equalizar o jogo político minimamente em prol de mulheres e negros. Tem poderio de amplificar brutalmente a discriminação contra mulheres e negros, já que descontrói regras antidiscriminação.

Quero crer que esta nova preocupação política decorrente da aprovação do PL 2720/23 ? lei da mordaça Dani Cunha, lutar contra a discriminação, não pode ser e não seja seletiva. Assim sendo, por decorrência lógica, os parlamentares que apoiaram a proposição, devem, por coerência, alinhar-se de imediato, ao repúdio público à PEC 9/23, que igualmente discrimina - mulheres e negros. É questão de coerência mínima - elementar, política, democrática e republicana.