Fonte: Estadão - Entrevista de Levy Teles com Roberto Livianu - 16/05/2023
Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção afirma que o perdão autoconcedido pelas siglas para a isenção de multas ‘rasga a Constituição’
BRASÍLIA – Para Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), não faltam termos para definir a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia, que passará por votação de constitucionalidade na Câmara dos Deputados nesta terça-feira, 16. Segundo ele, o texto que perdoa multas e crimes eleitores de partidos políticos é como uma “virada de mesa” ou uma “autoproclamação da anarquia”.
Procurador de Justiça em SP, Livianu considera que o quarto perdão que o Congresso pretende passar em 30 anos “rasga a Constituição” por fazer com que partidos que não cumpriram leis anteriormente aprovadas possam simplesmente se dar o benefício da graça e continuarem o jogo como se nenhuma infração tivesse sido cometida.
A PEC que pretende fazer uma vasta anistia vai isentar partidos e políticos que cometeram crimes eleitorais de 2015 a 2022. Punições em decorrência de propaganda irregular ou abusiva em campanhas, conduta passível de multa, assim como o descumprimento da cota de gênero e raça nos pleitos serão anulados caso o texto seja incorporado à Constituição.
Um dos trechos ainda permite que partidos possam receber doações de pessoas jurídicas para pagar dívidas contraídas até agosto de 2015. O financiamento empresarial foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado naquele mesmo ano.
A anistia ao descumprimento da cota feminina e de raça é uma repetição de outra lei aprovada pelo Congresso em 2021, que adiava o vigor da legislação de 2020 para 2022. A justificativa é de que as legendas não tiveram tempo para se adequar.
O Inac, de Livianu, é uma das organizações que, ao lado de movimentos da sociedade civil, enviaram carta aberta à Câmara em que pediram a retirada de tramitação da proposta. “A PEC estabelece a maior anistia da história aos partidos”, diz o texto. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. analisa a aprovação sucessiva de anistias a partidos?
Isso é extremamente danoso, especialmente o caráter naturalizado dessas anistias. Ou seja, não estamos falando de um acontecimento episódico isolado, isso vem acontecendo ao longo do tempo. Vemos os partidos praticando essas atitudes repetidamente. Temos uma liturgia democrática. Mas os partidos querem ser tratados como seres intocáveis, eles não se submetem ao jogo democrático. Quando os interesses deles se apresentam como interesses maiores a essa situação, eles articulam a virada de mesa, e essa sequência democrática é simplesmente desrespeitada, esmagada, aniquilada. E isso aniquila o estado democrático do direito porque a igualdade de todos perante à lei é destroçada. Se todos são iguais perante à lei, como se pode solapar esse sistema em prol de uma verdadeira aberração. É absolutamente inaceitável.
Tanto o líder do governo como da oposição assinaram o requerimento da PEC. O que isso significa?
Quando se vê petistas e bolsonaristas dando as mãos para a PEC da Anistia ou para derrubar a lei de improbidade de administrativa, citando Hamlet, há algo de podre no reino da Dinamarca. Há algo de muito podre em curso, quando se constrói a aprovação de uma PEC dessa natureza. Não é normal ver antípodas políticas se unindo em prol disso.
Qual a mensagem à sociedade que essa anistia traz?
A anistia é uma vergonha absolutamente inaceitável. Por que todos temos que cumprir a lei? No final do mês vamos todos apresentar a declaração de imposto de renda. Por que os partidos podem se autoproclamar que não irão cumprir leis eleitorais. Agora vamos nos autoanistiar. Tudo o que foi feito de errado, não vamos cumprir a lei? O que é isso? É a autoproclamação da anarquia, queremos rasgar a Constituição? São intocáveis. É uma aberração. A anistia é uma aberração. Isso não é republicano, não é democrático.
Por que é uma aberração?
Devemos exterminar a possibilidade dessas anistias. A possibilidade de anistia deveria ser erradicada do nosso sistema como uma teratologia jurídica porque é a negação do sistema, da Constituição, da nossa democracia e do nosso estado democrático de direito. Mas as decisões políticas acabam indo na direção de representarem decisões na direção de acomodação de interesses.
Qual o caminho para erradicar esses perdões?
Se todos nós gritarmos ao mesmo tempo: “isso é uma aberração”. O caminho é o constrangimento geral da República. Se berrarmos para (o presidente da Câmara Arthur) Lira, para o Congresso, que não somos otários, não somos palhaços, pode ser o único caminho. Nosso único caminho é o constrangimento. O silêncio dos bons, como dizia Martin Luther King, não é possível aqui. É uma patifaria. Temos que gritar na cara deles: “Patifes! Não aceitamos isso!” É a chance que temos que isso não se construa, que não se concretize. Mesmo assim não temos certeza que vamos conseguir.
Na visão do sr. há uma acomodação por parte da sociedade?
Tenho a sensação de que a sociedade vive uma progressiva letargia nisso. Ela deveria estar alarmada, deveria estar chocada, mas não está. São poucos setores que mostram indignação diante dessa atrocidade. Existe uma letargia inaceitável diante dessa situação. O grito dos maus é previsível, imaginável, mas este silêncio dos bons é algo aterrador. Por que que a sociedade não se indigna diante disso? Por que não vemos um movimento consistente de reação diante dessa hipótese?