Fonte: CORREIO BRASILIENSE
Crédito: Caio Gomez
Tive o privilégio de conviver com o professor Miguel Reale desde a década de 1970, ele, como presidente do Conselho de Administração das empresas que compunham o Grupo Industrial Moinho Santista (hoje Bunge Brasil) e também presidente da Fundação Moinho Santista, eu, como Diretor e Conselheiro das empresas e Conselheiro da Fundação. Aprendi a admirar o jurista, o filósofo, o professor, o político, o poeta, o escritor, o “paterfamiliae” e o administrador.
O professor Reale nos dava lições preciosas ensinando-nos que a riqueza não está na quantidade de bens, mas no menor número de necessidades. Incentivava sempre o exercício da cidadania dizendo que na natureza quando um ciclo fechado de dar e receber se desequilibra, logo vem a morte e a destruição, e assim acontece também na sociedade.
Ensinávamo-nos que os verdadeiros líderes são aqueles que resumem o sentimento geral da comunidade: que simbolizam, legitimam e fortalecem o comportamento de acordo com esse sentimento; que permitem que os valores conscientes compartilhados pela comunidade surjam, cresçam e sejam transmitidos de geração em geração; que permitem que aconteça o que está querendo acontecer. Inobstante enfatizava, sempre, que o mundo das palavras e das ideias sempre foi infinitamente mais intrigante do que a mecânica dos negócios.
Nas nove décadas de sua profícua existência o professor Miguel Reale destacou-se como administrador e gestor criativo, competente e enérgico. Em meados da década de 1970 nascia a Governança Corporativa como um sistema de gestão que compartilha o processo de avaliação empresarial e a decisão e que o professor adotou na presidência da Fundação Moinho Santista e no Grupo Industrial que presidia .
Em 1943, por meio de alteração legislativa, fez com que a Universidade de São Paulo ganhasse uma autonomia que não tinha. Até então o reitor era vinculado ao Secretário de Educação do Estado. Com a alteração, a USP foi transformada numa autarquia diretamente ligada ao governador. Passou a gozar de autonomia.
Na Reitoria da Universidade de São Paulo revelou seus dotes de administrador. Ao assumi-la, em 1949, instalou os primeiros institutos oficiais de ensino superior no interior do Estado, a começar pela Faculdade de medicina de Ribeirão Preto. Implantou o curso noturno e a igualdade de vencimentos dos professores. Partindo do princípio de que, no Brasil, a universidade não pode se limitar a dar aulas e realizar conferências e cursos, passou a promover serviços externos, de natureza cultural.Na segunda gestão à frente da Universidade de São Paulo (1969-1973) introduziu a Reforma Universitária e definitiva organização dos campi da Capital e mais cinco do interior. A antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi desmembrada.
O administrador austero, aberto ao diálogo e firme nas decisões conquistou a simpatia, o respeito e a confiança de seus pares e alunos. Na Fundação Moinho Santista, o professor Miguel Reale presidiu seu Conselho Administrativo. Além de aperfeiçoar o Estatuto da entidade, modernizou o Regulamento do Prêmio, que tem por objetivo incentivar o desenvolvimento das Ciências, Letras e Artes, a ponto de receber elogios da Unesco e da Fundação Nobel.
Como curador dos Prêmios, testemunho a permanente cobrança de seu presidente para o cumprimento dos programas, metas e principalmente orçamento, definidos no Planejamento Estratégico. Por tudo que foi exposto, nada mais precisa a citação “personalidade plural” criada pelo Prof. Tércio Sampaio Junior para apresentar Miguel Reale na cerimônia em que lhe foi outorgado o título de Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E a expressão do professor Celso Lafer proferida na abertura do seminário: “O professor Miguel Reale nunca foi um homem de uma nota só”.