Fonte: Estadão – Blog do Fausto Macedo - 27/09/2023

A Suprema Corte Americana, no processo em que alterou sua jurisprudência sobre o aborto, que remanescia desde 1973 na questão Roe v. Wade, admitiu um grupo de 141 professores universitários de todos os continentes, como “amici curiae”. Eu estava entre eles

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Dos inúmeros argumentos que apresentamos, um foi de especial força a dar apoio ao Estado do Mississipi, qual seja: de que a matéria não era de nível constitucional e não deveria ser objeto de julgamento por aquele Tribunal, mas sim ser decidida pelos legisladores de cada Estado. Demostramos, por outro lado, que inúmeras Constituições do mundo consideravam que a vida começa na concepção, mas nenhuma garantia à mulher o direito de eliminar seu filho em seu ventre.

A própria Constituição brasileira garante a inviolabilidade do direito à vida (caput do artigo 5º) e o Código Civil prevê que todos os direitos do nascituro são garantidos desde a concepção (artigo 2º), sobre ter o Brasil aderido ao Pacto de São José, também denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garante o direito à vida do zigoto (artigo 4º). Estão os três dispositivos assim redigidos:

Art. 5º, CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte: (...)

Art. 2º, CC/2002. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Artigo 4, Pacto de São José da Costa Rica - Direito à Vida:

  1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. (Grifos meus)

É interessante lembrar que a Academia de Ciências do Vaticano, no início do século XXI, em conclave para discutir o direito à vida, declarou que começa com a primeira célula gerada entre o encontro do espermatozoide com o óvulo.

À época, a Academia de Ciências do Vaticano contava entre os seus 80 membros com 29 prêmios Nobel e um brasileiro (Clodowaldo Pavan).

Em outras palavras, defender o aborto com modificação do artigo 128 do Código Penal pela Suprema Corte Brasileira e não pelo Congresso Brasileiro, é legalizar por legislação ordinária escrita pelo STF, o homicídio uterino, pois o aborto é destruição da vida humana no ventre materno.

O mais curioso é que nunca foi considerada inconstitucional a Lei 9.605/1998, que criminalizou a destruição de embriões de tartaruga, vale dizer, se o aborto for decidido como legal no Brasil, não por força de um Congresso eleito por 125 milhões de brasileiros - foi o número dos que compareceram às urnas nas últimas eleições -, mas por um Tribunal eleito pela vontade exclusiva de um homem só, nós estaremos considerando uma tartaruga com maior dignidade e direito à vida que um ser humano, que poderá ser destruído sem punição no ventre materno, enquanto a destruição de um ovo de tartaruga poderá levar o cidadão ao cárcere.

Certa vez o professor Jérôme Lejeune, famoso geneticista francês com importante colaboração na determinação das causas da Síndrome de Down, estando na Inglaterra e dando entrevista para a BBC de Londres, foi interpelado pelo repórter com a afirmação de que até a 12ª semana de gravidez há um conjunto de células e não um ser humano, que apenas surge com o feto. O acadêmico francês respondeu de forma desconcertante para o repórter que: “se nas primeiras 12 semanas não é um ser humano, mas tem vida, só pode ser um animal. Que os ingleses entendam – a lei inglesa era neste sentido - que a Inglaterra tem uma rainha que foi um animal por 3 meses, mas depois tornou-se um ser humano é um problema dos ingleses. Eu sempre fui humano, desde a concepção”.

Neste breve artigo, gostaria de concluir com uma observação. Entendo que o Supremo Tribunal Federal não tem competência para legislar sobre a matéria. Está o artigo 49, inciso XI assim redigido: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”, proibindo que o Poder Judiciário invada a competência normativa do Congresso Nacional, que terá que zelar por sua competência legislativa editando, a meu ver, um decreto legislativo (artigo 59 inciso VI) contra a decisão.

Compreendo, pois, a reação de muitos deputados e senadores, que tem se manifestado contra esta invasão, pretendendo, se a Suprema Corte insistir em legislar sobre a matéria, tomar as medidas necessárias em defesa de seu direito constitucional de fazer as leis.

De resto, foi essa preliminar que levantei, como advogado da UJUCASP - União dos Juristas Católicos de São Paulo, em minha sustentação oral depositada no STF, quando a sessão ainda era virtual, na linha de outros amici curiae e da Advocacia Geral da União.

  • Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região; professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e Rio Grande do Sul, e catedrático da Universidade do Minho (Portugal); presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária - CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS e ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Instituto dos Advogados de São Paulo