Fonte: Estadão - Espaço Aberto - 29/9/23
Premiar a ciência dá visibilidade a trabalhos que impactam diretamente nossa vida
Para que serve uma premiação científica? Há várias maneiras de responder a essa pergunta. Todo prêmio é, em primeiro lugar, um reconhecimento do trabalho realizado por um pesquisador, uma equipe ou instituição. Seu valor é imaterial. Premiar, nesse sentido, é prestigiar quem contribuiu de maneira significativa para o avanço de determinado campo do conhecimento.
Essas honrarias costumam vir acompanhadas de alguma quantia em dinheiro. Logo, prêmios também ajudam a financiar a pesquisa científica e a dar incentivos concretos, materiais, para que os pesquisadores continuem seu trabalho, sobretudo num país como o Brasil, que remunera muito mal seus cientistas.
Mas acreditamos que a função mais importante de um prêmio é a de destacar certas temáticas ou áreas do conhecimento. Um prêmio é um farol, que aponta direções nas quais a curiosidade humana deve continuar avançando, e também um holofote, capaz de jogar luz sobre assuntos até então pouco conhecidos do público geral.
O Prêmio Nobel, o mais prestigioso do mundo, é o que melhor ilustra esse fenômeno. Quando a academia sueca anuncia os vencedores do Nobel de Física ou Química, telejornais do mundo inteiro dedicam preciosos minutos a temas herméticos como entrelaçamento quântico ou química bio-ortogonal. De que outra maneira isso ganharia espaço no horário nobre?
Portanto, um prêmio, na medida em que chama a atenção da sociedade para esta ou aquela temática, é uma forma de valorizar e divulgar a própria ciência. É com base nisso que afirmamos que o Brasil precisa como nunca premiar o trabalho de seus cientistas.
A pesquisa brasileira está em estado de atenção. Segundo relatório da Agência Bori, entre 2021 e 2022 a quantidade de publicações científicas nacionais caiu 7,4%. É a maior queda entre todos os mais de 50 países analisados, com exceção da Ucrânia, que está em guerra. É, também, a primeira vez que a produção científica brasileira cai desde 1996, quando começou a série história.
Esse dado certamente tem relação com o fato de que o financiamento à pesquisa vem caindo vertiginosamente. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) aponta que, em uma década, a Capes e o CNPq, os dois principais órgãos de financiamento de pesquisas no País, perderam 50% de sua verba. Entre 2014 e 2021, o orçamento dessas instituições passou de R$ 8,3 bilhões para R$ 2,7 bilhões, em valores corrigidos pela inflação.
Isso faz com que a ciência brasileira perca relevância no cenário mundial – e tradicionalmente estamos entre os 15 países que mais produzem conhecimento – e acentua o fenômeno da “fuga de cérebros”, isto é, da emigração de pesquisadores altamente qualificados para países que lhes oferecem melhores condições de trabalho.
A reversão deste quadro passa necessariamente pela retomada do investimento público em ciência. A história brasileira prova que esse movimento gera bons resultados. Não há exemplo melhor que o da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, que neste ano completou meio século. A Embrapa foi fundamental para desenvolver a moderna agricultura brasileira, contribuindo de forma decisiva, inclusive, para viabilizar a lavoura de soja, por exemplo.
Sua história confirma que o gasto com ciência é, na verdade, investimento. No caso da Embrapa, calcula-se que cada real investido na empresa em 2022 gerou um retorno de R$ 34,70 para a sociedade brasileira.
A solução para a crise da ciência passa também pelo setor privado, que pode (e deve) firmar parcerias com universidades e laboratórios, atuar na extensão universitária e ajudar no financiamento de projetos de pesquisa.
Mas não se pode subestimar a importância de dar visibilidade à produção científica. Voltamos, portanto, ao papel das premiações. Quando o Prêmio Fundação Bunge foi criado, há quase 70 anos, nos moldes do Prêmio Nobel – isto é, uma premiação da academia para a academia, uma forma de reconhecimento do pesquisador entre seus pares –, queríamos sobretudo divulgar e valorizar o conhecimento científico pioneiro.
A produção acadêmica tem impacto direto sobre nossa vida, e o que não faltam são pesquisas debruçadas sobre os grandes desafios do nosso tempo, do aquecimento global à desigualdade social, da produtividade agrícola ao desenho de políticas públicas mais inclusivas. Mas esse conhecimento acaba por vezes confinado aos muros da universidade. Daí a importância de ações que tragam esses saberes preciosos para a luz da opinião pública.
Premiar o cientista brasileiro é contribuir para que a sociedade conheça – e reconheça – a importância crucial do seu trabalho.
Ruy Altenfelder é Advogado, Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Cláudia Buzzette Calais é Diretora executiva da Fundação Bungue