Fonte: Jornal SP Norte – 04/03/2025
As medidas tomadas, com relação aos movimentos populares, deixam dúvidas a serem esclarecidas. Até que ponto uma sociedade insatisfeita com os poderes pode manifestar-se contra, com os desejos de mudança, ainda que eleitos legalmente, ou com dúvidas sobre o processo eletivo. Até quando os poderes poderão ocultar informação para os devidos esclarecimentos quanto ao pleito? Quais e como são estabelecidos os limites para o povo no exercício de suas liberdades constitucionais, ou seja, em qual momento poderão os agentes públicos agirem contra os desejos populares e até qual momento o povo estará exercendo seus direitos sem que haja a acusação de golpe e esteja pressionado pelo medo.
O inciso XVI, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, portanto, cláusula pétrea, conforme artigo 60, §4º, inciso IV, que não permite sua abolição, sequer por Emendas à Lei Maior, expressa: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”
Pelo que foi divulgado, por todos os meios, sem ser seletivo, as manifestações iniciaram e permaneceram pacificamente, sem armas, até surgirem os destruidores. Embora deixando várias dúvidas, quanto aos infiltrados e muitos pedidos para não destruírem, estes devem responder pelas destruições, mas não aqueles “armados” de batom, Bíblia ou sem qualquer instrumento que possibilitasse estragos. Muito menos golpe que exige apoio e forças militares ou um ditador para a derrubada de um governo legal e legítimo, questões que devem ser discutidas, democraticamente.
A sociedade tem o direito de ser informada, contestar, colher provas e os agentes públicos têm o dever de informar, sob pena de responsabilidade, conforme manda o inciso XXXIII, do artigo 5º, da Norma Suprema: “todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informação de seu interesse particular, ou de interesse coletivo, ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Os acontecimentos, são fatos, de interesse particular e coletivo, e a informação é mais imprescindível para a segurança da sociedade e do Estado, do que o sigilo. Bastaria dar as informações sobre os códigos, as dúvidas sobre as urnas, o impacto das restrições nas redes sociais, rádios, televisões, etc., para o povo avaliar moral e eticamente e permitir que o Supremo Tribunal Federal mantivesse ou retificasse suas decisões, pacificando a todos. Estaria dando a última palavra, obrigatoriamente aceita, cumprida, com o direito de não concordar.
Os agentes públicos devem saber que a insatisfação popular, a desobediência civil, o direito de resistência, o direito de revolução (de preferência jurídica para evitar a força), também são instrumentos da democracia, para evitar governos, medidas tirânicas, autoritárias, ditatoriais, ilegais ou por leis injustas, contra os direitos humanos. Os exemplos podem ser encontrados nas leis nazistas de Hitler, que mandava executar, sumariamente, soldados desertores e ainda em regimes políticos fascistas. Devido a esses acontecimentos, surgiram autores tratando da matéria.
Liberdade Civil
Rawls[1] (1971) define a desobediência civil como um ato público, não violento, consciencioso, político, contrário à lei, usualmente com o alvo de trazer mudança no direito ou nas políticas de governo. Adverte, ainda, que aqueles que utilizam a desobediência civil para protestar contra leis injustas não estão preparados para desistir em caso de os tribunais não concordarem com eles, entretanto devem se satisfazer com a decisão oposta.
A desobediência civil não se confunde com a ação militante. O militante é muito mais profundamente oposto à existência do sistema político. Sua ação não se prende aos limites de fidelidade ao direito, como a desobediência civil.
BOBBIO[2],No “El Tercero Ausente”, afirma que o poder que pretende ser legítimo estimula a obediência e desalenta a desobediência. Há uma forma especial de desobediência adotada para manifestar, publicamente, a injustiça da Lei, com a finalidade imediata de induzir o legislador a modificá-la ou trocá-la; são necessárias justificações, por quem a pratica, para considerá-la lícita, conveniente e seja tolerada pelas autoridades públicas. Ao contrário da desobediência comum, cumprida com o máximo segredo, esta é civil e deve receber o máximo de publicidade. As circunstâncias para a desobediência civil são: lei injusta, ilegítima (promulgada por quem não tem poder para tanto); não válida (inconstitucional). Citando Thoreau e referindo-se ao risco de prisão de quem pratica o justo;“sob um governo que encarcera injustamente, a quem interessa cárcere é o único lugar adequado para um homem justo”.
ANDRADE ESTEVES[3]. Lançou em Portugal o seu trabalho “A Constitucionalização do Direito de Resistência” e trata da matéria nas páginas 93 e seguintes.
AUER[4]afirma que questão polêmica é a de se interpretar o direito de resistência e a desobediência civil, como controle de constitucionalidade. Se podem ser utilizados como instrumentos contra atos estatais que violentam gravemente ou suprimem os direitos e as liberdades constitucionais, ou se devem ser exercidos apenas através dos mecanismos examinados previstos e nos seus limites.
LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA[5].
Em seu artigo 20, (1),(2),(3),(4) dispõe:
Artigo 20 (Princípios constitucionais -Direito de resistência)
- A República Federal da Alemanha é um Estado Federal democrático e social.
- Todo o poder estatal dimana do povo. É exercido pelo povo por meio de eleições e votações e através de órgãos especiais dos poderes legislativo, executivo e judiciário.
- O poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judiciário obedecem à lei e ao direito.
- Não havendo outra alternativa, todos os alemães têm o direito de resistir contra quem tentar subverter essa ordem.
O DIREITO DE REVOLUÇÃO ocorre quando uma Constituição perde a eficácia e cria as condições para o estabelecimento de uma nova. É um ato revolucionário, porque substitui a Lei Maior por meios que ela não prevê, chamado veículo do Poder Constituinte. Surge o direito de revolução a favor do povo, como “última ratio”, quando inexiste outra alternativa da mesma forma que o direito de resistência e a aplicação da Lei Fundamental da Alemanha, artigo 20.4 e do artigo 142 da CRFB.Trata-se de revolução jurídica, pacífica, para evitar o emprego da força bruta.
Portanto existem poderes estabelecidos e exercidos legal e legitimamente, outros ilegais adquirem a legitimidade, o consenso, através do tempo e ainda os ilegais e ilegítimos e os que perdem a legitimidade.
A Constituição Federal brasileira oferece o direito, as liberdades à sociedade para reivindicar mudanças, fazer justiça e para os agentes públicos exercerem os devidos controles, evita a violência, dentro dos limites estabelecidos, da opinião comum e da vontade popular.
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[1]RAWLS, John. A Theory of Justice. Massachusetts: Harvard University Press, 1971.
[2]BOBBIO, Norberto. El Tercero Ausente, pp 116 e ss.
[3]ANDRADE ESTEVES, Maria da Assunção.A constitucionalização do Direito de Resistência, pp. 93 e ss.
[4]AUER,Andreas. Les protections et les garantiesconstitutionnelles des droits et des libertés. Rapport General, DeuxièmeCongrèsmondial. Association Internationale de Droit Constitutionnel. Paris – Aix em Provence, 1987, p. 13.
[5]Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949, artigo 20; 1, 2, 3, 4.