Discurso de Posse
Elival da Silva Ramos
Elogio a Edgard Magalhães Noronha, Patrono da Cadeira de nº 36, da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ, e ao antecessor na Cadeira, Dalmo de Abreu Dallari, proferido pelo Acadêmico Elival da Silva Ramos, em 1º de dezembro de 2015.
Excelentíssimo Presidente Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico Ruy Martins Altenfelder Silva,
Excelentíssimo Chanceler da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico Ives Gandra da Silva Martins,
Caríssimos Confrades e Confreiras,
Meus queridos amigos e familiares,
Senhoras e Senhores:
Exige a liturgia acadêmica que o mais novo ocupante da Cadeira, faça o elogio do Patrono e, eventualmente, de seu antecessor ou antecessores na titularidade desta.
Não o farei de modo a exaurir as ricas biografias e as notáveis contribuições de Edgard Magalhães Noronha, Patrono da Cadeira 36, e de Dalmo de Abreu Dallari, meu antecessor, às letras jurídicas. Mas, não poderia deixar de lhes prestar uma homenagem minimamente condizente com a magnitude dos respectivos legados à Ciência do Direito.
Magalhães Noronha foi um exímio operador do direito, jurista e professor. Enquanto profissional do direito, teve destacada presença no Ministério Público Estadual, tendo sido Procurador de Justiça do Estado de São Paulo por muitos anos, até a sua aposentadoria. Na campo do magistério, foi Professor de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e nas Faculdades Metropolitanas Unidas aqui na Capital. Além disso, lecionou em Faculdades de Direito de Sorocaba e São Bernardo do Campo.
Notabilizou-se, contudo, como autor de obras clássicas de nosso Direito Penal, merecendo especial menção as obras didáticas Curso de Direito Processual Penal e Direito Penal, esta última em quatro volumes. Em meu curso de graduação, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, nos anos de 1973 a 1977, fui aluno de Paulo José da Costa, recentemente falecido e a quem também presto homenagem. O mestre penalista indicava, como material didático obrigatório, os quatro volumes da obra Direito Penal há pouco referida. A leitura desse clássico de nossas letras penais gerou em meu espírito de iniciante nos estudos jurídicos uma profunda admiração pelo autor, embora não tenha tido a ventura de conhecê-lo, ele que veio a falecer aos 74 anos de idade, no ano de 1982. Marcou o meu espírito a clareza e a objetividade na exposição da matéria, sempre ilustrada com exemplos que, por certo, Magalhães Noronha, colecionou de sua experiência no Parquet paulista.
Escreveu, ainda, ao menos outros cinco livros de grande repercussão, versando sobre Direito Penal. O reconhecimento do elevado valor de sua contribuição bibliográfica lhe rendeu os prêmios “Alcântara Machado” e “Costa e Silva”, de Direito Penal. Porém, ouso afirmar que sobreleva a essas outorgas formais o reconhecimento da comunidade jurídica em relação ao valor de sua majestosa obra, sendo seus Cursos de Direito Penal e de Processo Penal indicados durante décadas como leitura obrigatória aos estudantes de Direito de todo o País.
Na Cadeira de n. 36 desse augusto Sodalício, que ora passo a ocupar, fui antecedido por Dalmo de Abreu Dallari cuja importância para a Ciência do Direito e, sobretudo, para a Teoria Geral do Estado dispensa delongadas considerações, pois se trata de algo notório.
Dalmo Dallari foi e é advogado, jurista e professor de Direito. Nasceu em Serra Negra, São Paulo, em 31 de dezembro de 1931, contando hoje, portanto, com bem vividos 84 anos de idade.
Graduou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1957, tendo passado a integrar o seu quadro docente já em 1963. O seu nome veio a se associar de forma indelével à Faculdade do Largo de São Francisco, na qual veio a se tornar Professor Titular de Teoria Geral do Estado em 1974. Formou inúmeras gerações de bacharéis em Direito, recebendo merecidas homenagens de seus alunos, quer pelo didatismo e entusiasmo de suas aulas, quer pela participação ativa na luta pela redemocratização do País.
No ano de 1973, em que iniciei o Curso de Direito nas Arcadas, fui aluno de Dalmo Dallari na disciplina Teoria Geral do Estado, que integrava, como integra até hoje, a grade curricular do primeiro ano. Na época, a disciplina Direito Constitucional era antecedida em um ano pela de TGE, pois aquela era ministrada apenas no segundo ano do curso. Desse modo, o interesse pelo Direito Público, que viria a me acompanhar por toda a vida profissional e acadêmica, foi despertado pelas memoráveis aulas do Professor Dalmo. Nelas aprendi o que era o Estado, quais as suas dimensões pessoais e territoriais, examinando a sua estrutura, funções e objetivos. Recebi o embasamento teórico necessário para não associar a instituição Estado a algo negativo ou opressor; ao contrário, embora assuma caráter meramente instrumental no tocante ao Ser Humano, a cuja plena realização há de sempre servir, o ente estatal afigura-se como algo imprescindível desde o advento da Modernidade. É nele que a convivência democrática há de florescer, viabilizando o governo do povo, para o povo e pelo povo, de que falava o Presidente Abraham Lincoln, em seu antológico discurso de Gettysburg. Compreendi, outrossim, que o Governo é uma instituição interna ao Estado, manifestando-lhe a vontade por meio de representantes periodicamente eleitos pelos cidadãos. Logo, não pode haver contradição entre Governo e Estado, ao menos em um Estado democrático, o que não significa que as pessoas físicas dos governantes não possam, por vezes, se afastar do interesse público a que deveriam prestar vassalagem, merendo as reprimendas da opinião pública e dos mecanismos de controle jurídico.
A produção científica de Dalmo Dallari compreende cerca de duas dezenas de livros e artigos na área do Direito Público e da Teoria Geral do Estado, merecendo especial referência a monografia Elementos de Teoria Geral do Estado, com mais de 30 edições. Era esse o livro didático que permitia aos alunos do Largo de São Francisco aprofundarem-se nos temas tratados em sala de aula pelo Professor Dalmo. No prefácio à 20ª edição dos Elementos está revelado que o “livro foi escrito em 1971 para servir de texto didático de apoio às aulas, aos estudos e às pesquisas no âmbito da Teoria Geral do Estado e nas áreas afins”. E nesse intróito, prosseguiu o mestre: “Nesses anos todos, o mundo tem passado por profundas transformações, o papel do Estado foi e continua sendo questionado, alteraram-se com maior ou menos amplitude suas formas de organização e atuação. Mas permanece o reconhecimento da enorme influência do Estado na vida da humanidade e, cada vez mais, é objeto de preocupação a conciliação da eficiência do Estado com a preservação dos direitos fundamentais da pessoa humana. A busca de preservação da liberdade, que foi um dos fatores de criação do chamado Estado Moderno, sucessor do absolutismo, continua presente, agora com a consciência, resultante da experiência histórica, de que não basta a garantia formal da liberdade onde pessoas, grupos humanos, populações numerosas, sofrem profundas discriminações e não têm possibilidade de acesso aos benefícios proporcionados pelas criações da inteligência humana e pela dinâmica da vida social.”
Muitos outros escritos de grande relevância vieram a lume ao longo da longeva carreira de meu antecessor, dedicada à docência e à pesquisa, como, por exemplo, a obra O futuro do Estado, com a qual conquistou a cátedra nas Arcadas, e que compreende reflexões maduras sobre o porvir da Instituição a qual tanto se devotou.
O coroamento da frutífera passagem de Dalmo Dallari pela Universidade de São Paulo veio com a outorga a ele feita pela Congregação da Faculdade de Direito do título de Professor Emérito.
É indescritível, pois, a honra que sinto em ocupar, nesse colegiado do saber, a Cadeira que tem como patrono Magalhães Noronha e que vinha sendo ocupada até aqui por Dalmo Dallari.
Se tenho mérito suficiente para tanto, não me é dado avaliar. Ademais, trata-se de fato vencido, em face do sufrágio generoso dos Confrades e Confreiras.
O que posso dizer, singelamente, é que se pude escrever algo que justificasse a honraria não o fiz sozinho. Acompanharam-me as lições de vida de meu pai, já falecido, o Professor de Português, Filólogo e advogado Dorival Soares Ramos, e de minha mãe, aqui presente, a também Professora de Português Elza da Silva Ramos, cuja bondade infinita temperou-me o espírito na luta árdua pela Justiça; confortaram-me a amizade solidária de diversas pessoas que acompanham a essa solenidade, a quem agradeço com a especial menção de meu irmão Dorel, Professor da Escola Politécnica, e de minha cunhada Regina, Psicopedagoga com expressivos serviços prestados à educação infantil; mas, não teria o mesmo entusiasmo ao escrever e, por que não dizer, a mesma coragem em expor pontos de vista por vezes polêmicos se não fosse a relação de amor que vivo há mais de 35 anos com minha esposa Helenice Mercier, Bióloga e tanto quanto eu Professora Titular da Universidade de São Paulo na área de Botânica.
Posso dizer, com alguma certeza, que vivi, pois plantei mais de uma árvore (afinal, estou caso há décadas com uma Botânica), escrevi mais de um livro e tive, com Helenice, mais de um filho. As páginas que produzi, não tenho condições de bem aquilatar o valor, mas posso proclamar, alto e bom som, que o fiz pensando no futuro do Brasil, inspirado pela rica presença de meus filhos, Érico, Cássio e Raquel.
É chegado o momento de concluir e o faço agradecendo a todos a oportunidade de integrar a Academia Paulista de Letras Jurídicas, assumindo o compromisso solene de envidar o melhor dos meus esforços no sentido da realização de seus objetivos estatutários.
Muito obrigado!