Luiz Cesar Barreto Rodrigues, bisneto do médico e pensador positivista Luiz Pereira Barreto, foi um dos homens de inteligência mais brilhante e de mais vasta cultura da sua geração acadêmica do Largo de São Francisco. Tive o privilégio de conhecê-lo bem e com ele conviver, porquanto não só éramos amigos, como também dividimos um apartamento na Avenida Liberdade.
Numa noite do ano de 1974 fomos fazer uma visita ao Professor Rogério Lauria Tucci, e a caminho conversávamos sobre Política, Sociologia e outros assuntos abrangentes. Foi então que Cesar me fez uma previsão que o tempo está se encarregando de confirmar. A sociedade contemporânea --- dizia ele --- tendia a se dividir e a se subdividir em inúmeros guetos herméticos, estanques, sem comunicação uns com os outros, cada qual com a sua linguagem própria e os seus valores, e pronto a hostilizar todos os demais.
Tratou-se de uma profecia sinistra. E, lamentavelmente, insisto, era ela correta. Acrescento que os “guetos” antecipados por Luiz César são maniqueístas e donos da verdade; “verdade” que querem impor --- à força, se necessário --- a toda a sociedade... assim não existe apenas, no mundo contemporâneo, o fundamentalismo islâmico da “Jihad”, a “Guerra Santa.” Existem muitos outros fundamentalismos: o do ambientalismo apocalíptico, o da “ideologia de gênero”, o do racismo, o do “politicamente correto” e assim por diante.
Da existência dos “guetos do César” é possível tirar uma ilação, e ela é macabra: --- A Humanidade está perdendo a noção de conjunto das coisas, e este é o primeiro passo para tornar impossível o entendimento entre os seres humanos. Está criada uma barreira, intelectual, cultural e sobretudo emocional, para a saudável convivência dos homens: Os “guetos” repelem o pluralismo, e estimulam a intolerância...
Como cada “gueto” é dono da “sua verdade”, e como, graças ao maniqueísmo imperante, o que for contrário a essa verdade é o “mal”, urge impor tal verdade no presente, e restaurá-la no passado. E aí começa o processo --- hoje bem adiantado --- de reescrever a História.
O processo de reescrever a História consubstancia um gravíssimo crime de lesa-cultura, que desemboca na perda da identidade dos povos, das civilizações, das famílias e dos indivíduos. Cícero ensinava que a História é a mestra da vida. Sem conhecer o passado, o homem não consegue se situar com segurança no presente, uma vez que, sem o conhecimento dos fatos passados, o ser humano fica privado de referenciais --- éticos, estéticos, e assim por diante.
Os exemplos do que afirmei são inúmeros. Assim, com base no “racismo” dos confederados na Guerra de Secessão norte-americana (1861-1865), fanáticos ignorantes estão a impor a destruição das estátuas dos heróis do Sul, e a exigir que os nomes de oficiais da Confederação sejam retirados das bases militares de que são patronos. A falta de visão de conjunto é aqui patente: A Guerra de Secessão não foi travada em função dos escravos negros, Lincoln só libertou os escravos em 1863, e... o General Robert Edward Lee, comandante supremo das tropas do Sul, era um abolicionista!... por derradeiro, o vezo de olhar para o passado com a ótica do presente conduz a erros de julgamento histórico, estimuladores do ódio. A Sociedade tem que reagir a esta tirania de minorias raivosas, enquanto é tempo!...
*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, é autor dos livros “O Poder Na Antiguidade”, “As Constituições Imperiais Como Fonte Do Direito Romano” e “A Censura: Magistratura Moral Da República Romana”