Do questionamento dos acordos de leniência ao que se passa no Congresso Nacional, algumas notas dessa melancólica sinfonia.

roberto livianu foto estadao

Os acordos de leniência firmados entre o Ministério Público Federal e as construtoras do chamado clube das empreiteiras, num importe de R$ 8,1 bilhões, referentes a casos gravíssimos de corrupção, dos quais apenas reduzida parcela de R$ 1 bilhão foi quitada, estão sendo ora questionados judicialmente. Três partidos políticos apoiadores do governo federal afirmam que a Operação Lava Jato teria “quebrado a economia do País”.

A postulação é totalmente descabida aos olhos da lei, assim como a ideia de se pretender que as empreiteiras paguem o que devem por meio de obras sem a realização de prévias licitações. Em primeiro lugar, vale lembrar que os acordos em questão foram todos devidamente submetidos e homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – última instância de nosso sistema judicial.

É uma daquelas situações que consideramos criadoras de lei entre as partes. Existe um elemento pactuado, consensual, por um lado. E, por outro, ao ser revestido pelo manto da homologação jurisdicional da Suprema Corte, deixa de ser passível de questionamento o acordo, adquirindo total validade e absoluta blindagem conferida pela segurança jurídica.

Em segundo lugar, as empresas estavam devidamente representadas pelas melhores bancas de advocacia do País, o que confere elevado e inquestionável grau de legitimidade aos acordos, firmados por quem de direito, devidamente orientados e assessorados, o que reafirma a validade de cada um dos acordos assinados.

Em terceiro, nos termos expressos do artigo 5 da convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil é signatário, crava-se de forma categórica e inequívoca a inadmissibilidade da não punição da corrupção sob a despicienda alegação de dano à cadeia econômica produtiva. Ou seja, o suposto prejuízo à economia não representa justificativa cabível para não punir o crime de corrupção.

O presidente da Câmara dos Deputados, por sua vez, demonstra empenho na disputa daquilo que parece um cabo de guerra contra o presidente do Senado no tema das composições das comissões mistas para tramitação parlamentar das medidas provisórias. Sua intenção demonstra ser a busca por mais poder, pretendendo romper o histórico equilíbrio numérico entre deputados federais e senadores, desprezando o fato de que a paridade constitucional e regimental sempre imperou, nos termos expressos do artigo 21 do Regimento Comum das Casas e por força da própria essência do bicameralismo parlamentar brasileiro.

Há não muito tempo, a Câmara pretendeu subjugar o STF nas hipóteses de decisões não unânimes da Corte, como se inexistisse o princípio secular da separação dos Poderes, pedra angular da nossa Constituição federal e até mesmo de nosso constitucionalismo. O então vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça chegou a pronunciar-se publicamente no sentido de considerar tal aberração ideia positiva.

A mesma Câmara também tentou impor a escolha do corregedor nacional do Ministério Público pelo Congresso, além de querer indicar a maior fatia dos nomes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em iniciativa que visava à intervenção política naquele organismo. Chegou-se a cogitar interferir em investigações de promotorias e procuradorias. Sem quórum, rejeitou-se a PEC da vingança.

Por mais que o presidente da Câmara agora vocifere em relação ao tema da paridade, pois sempre foram 12 deputados e 12 senadores, a representatividade política no Senado não guarda relação proporcional ao número populacional (como a da Câmara). Estão no Senado as 27 unidades federativas representadas, cada qual por três senadores.

É lamentável que não se enxergue viabilidade política para adotar medida que seria infinitamente mais efetiva, de reduzir pura e simplesmente, talvez em 30%, o número de deputados federais (hoje de 513), como fez a Itália, após referendo popular. Considerando a consequente diminuição de cargos de confiança, teríamos sensível minoração de gastos públicos, que traria positivo impacto orçamentário. Consulte-se o povo, para saber o que pensa a respeito.

Talvez, com número menor de deputados federais, fosse possível conseguir reconstruir a liturgia democrática esgarçada, enaltecendo qualidade em detrimento de quantidade. Instituindo a necessidade imprescindível de ouvir sempre com atenção a sociedade civil antes de decidir. Recuperando a maturação do debate e deixando de lado a prática canhestra do expediente hoje banalizado e vulgarizado da chamada “urgência de votação”, que alguns mencionam como aprovação “de boiada”.

Depois das nomeações sequenciais das mulheres de governadores para serem conselheiras de Tribunais de Contas no Piauí, em Alagoas e no Pará e fiscalizarem a administração estadual dos próprios maridos, o pretendido sucateamento da Lei das Estatais quer eliminar quarentenas – as vacinas republicanas.

O projeto que regula o lobby, por sua vez, teve aprovada na Câmara versão que permite convites a agentes públicos para participação legalizada em eventos nababescos, e isso convive com a manutenção da versão reciclada do orçamento secreto e com os diamantes secretos bilionários da Arábia Saudita.

São notas da melancólica sinfonia do desrespeito à prevalência do interesse público.

*PROCURADOR DE JUSTIÇA NO MPSP, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ESCRITOR, PROFESSOR, PALESTRANTE, É IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO ‘NÃO ACEITO CORRUPÇÃO’