Fonte: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (26/09/18)
É do conhecimento de todos que com o casamento há a possibilidade de adoção do sobrenome do marido pela mulher. Essa opção também é dada ao homem, que pode adotar o nome da família da esposa. Assim estabelece a legislação brasileira, que se aplica em igualdade aos dois (Código Civil, art. 1.565, § 1º). Mas ainda é muito maior a quantidade de mulheres que adotam o sobrenome marital do que os raros casos de maridos que querem o sobrenome de suas esposas.
E quando o casamento termina, pode o cônjuge manter o nome de casado?
A resposta é, em regra geral, sim (Código Civil brasileiro, art. 1.571, § 2º). Tem o cônjuge a opção pela conservação do nome de casado ou pelo retorno ao nome de solteiro. Afinal o nome é direito da personalidade e, como tal, preza-se por sua inviolabilidade.
Não se pode esquecer, no entanto, que esse direito de usar o sobrenome do outro pode vir a ser perdido quando há descumprimento de dever conjugal (Código Civil, art. 1.578).
Importante sublinhar que aquele que pratica infidelidade, ou violência física ou moral contra o outro cônjuge, ou o desrespeita de qualquer outra forma, descumpre os deveres conjugais. Estes atos geram também outras consequências punitivas, além da já citada perda do direito de utilização do sobrenome conjugal, como a perda do direito à pensão alimentícia (Código Civil, art. 1.704) e a condenação no pagamento de uma indenização para a reparação dos danos morais e materiais causados ao cônjuge lesado (Código Civil, art. 186).
Examinei com mais detalhes no Curso de Direito Civil – Direito de Família (43ª ed., 2016, Editora Saraiva, p. 374 e seguintes) as sanções fundamentadas no grave descumprimento dos deveres conjugais, esclarecendo que não se trata de condicionar a dissolução conjugal à existência de culpa, mas sim de possibilitar a cumulação no pedido de divórcio do pedido de aplicação de sanção pelo descumprimento de dever do casamento, por ser um ato ilícito, o qual gera consequências punitivas a quem não cumpriu os deveres aos quais se obrigou quando casou.
Para que ocorra a perda do direito de usar o sobrenome marital é necessário que seja feito pedido judicial expresso nesse sentido pelo consorte que não aceita a continuidade do uso de seu sobrenome pelo outro cônjuge, porque o traiu, ou o agrediu fisicamente, ou ofendeu sua honra com palavrões, entre outros atos de descumprimento dos deveres oriundos do casamento (Código Civil, art. 1578).
Além disso, resguarda-se a possibilidade de conservação do sobrenome conjugal, ainda que tenha havido descumprimento de dever conjugal, nos casos em que a alteração do sobrenome possa acarretar evidente prejuízo para a identificação, manifesta distinção entre o nome de família e os dos filhos havidos da união dissolvida ou outro dano grave reconhecido em decisão judicial, como analisei no Código Civil Comentado. (Saraiva, 2016, 10.ed., p. 1607).
Ressalvados os casos de descumprimento grave de dever conjugal, em outras hipóteses sempre há a possibilidade de conservação, inclusive em caso de revelia, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em REsp 1.732.807-RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, em julgamento proferido em 14/08/2018.
No caso julgado pelo STJ, o marido ajuizou a ação de divórcio em que foi pedido que a esposa fosse obrigada a excluir o seu sobrenome, adquirido com o casamento. Ela, no entanto, não contestou o pedido, ocorrendo o que se chama de revelia. O principal efeito da revelia é a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, no caso, o marido (Código de Processo Civil, art. 344).
A decisão daquela Corte Superior foi enfática no sentido de que o direito ao nome é direito indisponível, motivo pelo qual não se pode interpretar a falta de contestação como concordância tácita em relação à modificação de um sobrenome.
Tudo isso demonstra que o sobrenome é um direito muito importante, que somente pode ser perdido se houver descumprimento de dever do casamento por quem adotou o sobrenome do outro cônjuge e desde que não haja prejuízo à sua identificação após o divórcio.
Mas, ao mesmo tempo, demonstra-se, também assim, que, se houver infidelidade ou outra violação a dever do casamento, a vítima dessa violação pode exigir a retirada pelo infiel ou agressor de seu sobrenome, afinal, essa é uma justa causa para que quem foi traído ou agredido não queira que seu nome familiar continue a ser usado pelo outro cônjuge.
*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada