Saudação aos ex-alunos

Nem todos têm a felicidade de poderem comemorar uma data de conquista profissional passados tantos anos. A primeira turma formada em Direito pela Universidade de Cuiabá - UNIC teve a ventura de evocar trinta anos de uma realização, para eles, importantíssima. Aconteceu no primeiro sábado, 8, deste novembro. Como ex-professor da turma, tive a honra de ser homenageado. Então, oportunizaram-me dirigi-lhes as palavras a seguir:

“Sempre que chegamos a alguma data de distante início, sobretudo aquelas mais gratificantes, a expressão que espontaneamente surge é “parece que foi ontem.” Sim, parece que foi ontem que vocês começaram o curso de Direito e são passadas três décadas que o concluíram. O que representam trinta anos? De vida, parece pouco, oxalá seja apenas um terço do que viveremos, mas de atividade profissional é toda uma existência. Uma existência da qual os altos e baixos, as conquistas e as derrotas, as experiencias doloridas com os erros cometidos e os ganhos de riqueza interior que com eles tivemos, um rico aprendizado, os sonhos e os desencantos, enfim um caminhar em busca constante do livro da sabedoria da existência, se tornaram parte desses anos.

A partida importa menos que a chegada. Vocês atingiram uma meta e agora, com júbilo, completam trinta anos de um objetivo alcançado. Quantos hoje podem fazê-lo? Quantos não desistiram no início? Quantos não se perderam nos ínvios caminhos da vida? Vocês se tornaram vitoriosos no desiderato a que se propuseram. Certamente sobre alguns pesou a mão fria do desanimo, do acabrunhamento, da vontade de retroceder e buscar outros caminhos, mas, para outros, e para vocês, às intempéries se contrapôs o coração ardente, movido pela esperança e pelo desígnio de não desistir nunca de sonhos outrora almejados. Só por isso já seria suficiente para consagrá-los como vitoriosos. Trinta anos é muito? Trinta anos é pouco? Só a sua alma pode responder. Pertence a um dos grandes da literatura brasileira a feliz definição do que é a vida: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Embora conhecida, não me furtei a citar Guimarães Rosa, genial criador de ‘Grade Sertão: Veredas”, para sublinhar que a vitória hoje comemorada é fruto da coragem.

Tive a ventura de partilhar com vocês uma parte desta jornada. Juntos aprendemos sobre uma das profissões mais difíceis, ásperas e árduas, que exige o estudo permanente e constante. Mas, juntos, igualmente tivemos a satisfação do conhecimento sobre uma milenar atividade, uma profissão fascinante. Uma profissão que coloca o princípio universal e imorredouro da defesa da Liberdade e da Justiça como elemento ético fundamental na construção de uma sociedade mais justa. Neste sentido, o solo onde cresce e expande a arvore frondosa do Direito deve ser aquele apontado há mais de dois mil e quinhentos anos. Aristóteles, no clássico ‘A Política” prenunciou que: “ninguém consideraria felizes aqueles que não possuíssem coragem, nem sabedoria, nem sentimento de Justiça”. E sentimento de Justiça, sabedoria e, sobretudo coragem, são virtudes capitais para o exercício mais completo da nobre profissão.

Juntos também conhecemos uma disciplina jurídica que, então, mal dava os primeiros passos, quando até mesmo nem se achava consolidada a sua derradeira conceituação. Vocês fizeram parte de uma das primeiras turmas que, em nosso no país, ainda na graduação, tiveram a introdução à novel disciplina de Direito Ambiental. Era, então, uma pequena e frágil planta, talvez tão somente uma semente, entre as demais disciplinas jurídicas, com séculos ou décadas de existência e robustez. Permitam-me que, aqui, abra um parêntese para uma citação que, de perto, me diz respeito. O professor e Doutor em Direito, Marcelo Abelha Rodrigues, em seu livro ‘Instituições de Direito Ambiental’ escreve que a impulsão e o desenvolvimento do conhecimento jurídico como ciência “tem recebido grata e inestimável ajuda pela doutrina jurídica pioneira e atual na disciplina ambiental, destacando-se nomes como Carlos Gomes de Carvalho”. A referência, feita às págs. 46, inclui perto de duas dezenas de outros nomes que então haviam contribuído para o jusambientalismo. Permitam-me, contudo, meus caros, sublinhar que esse livro é de 2002, quando já existiam muitas obras publicadas sobre o tema, enquanto ‘Introdução ao Direito Ambiental’, que foi adotado no Curso de Direito da UNIC, como em outros cursos no Brasil, é um livro publicado em 1989 e quando contribuições, em revistas jurídicas anteriores a essa data, já haviam sido feitas por este modesto professor. Assim, permitam-me, mais uma vez, dizer-lhes que fiz esta breve referência pessoal com justificado orgulho e, agora, quero deixar-lhes, para serem aqui sorteadas, duas de minhas publicações na área jusambiental: a última edição de ‘Introdução ao Direito Ambiental’ e ‘O meio ambiente nos Tribunais’.

Hoje, no entanto, como é de seus conhecimentos, o Direito Ambiental se tornou vigoroso, pelo menos teoricamente, é já não é mais tão somente uma matéria dos currículos das escolas de Direito, mas sim, uma fonte onde a sociedade democrática vem abeberar-se das melhores perspectivas para a defesa dos direitos das gerações presentes e vindouras.

Para aqueles que acreditam que só é possível a vida vivida com dignidade, se tivermos a nossa única e maior casa – o planeta Terra – com vida sustentável e protegida, na qual possa reinar o verdadeiro sentido da equidade social, enfim, àqueles que estão imbuídos de um alto senso de Justiça, sabem que o jusambientalismo militante é a fonte para um novo Humanismo. Esta é a verdade. É a minha verdade. Anseio que tenha tido a competência para, nos bancos escolares, ter inoculado em suas jovens consciências tal sentimento, tal Verdade. Calamandrei, no texto saboroso sobre como os advogados veem os juízes, escreveu que: “A luta entre os advogados e a verdade é tão antiga como a disputa entre o Diabo e a água benta.” Persistamos, pois, caros colegas, nessa luta sisífica pela Verdade.

E, já encerrando, permitam-me repetir-lhes uma vez mais, uma de minhas crenças: Creio que a vida deve ser uma busca constante pelo conhecimento, pela defesa intransigente do Direito, legitimamente gerado, da luta pela mais ampla Justiça, distribuída por igual a todos, enfim, que seja por um saber imantado pelo Humanismo. Um conhecimento que nos leve a alcançar a sabedoria. E, nesse diapasão meus caros, parece que estamos no bom caminho, se concordamos com Hannah Arendt. Para ela: “A sabedoria é uma virtude da velhice, e parece vir apenas para os que, quando jovens, não eram nem sábios nem prudentes.

Sigam em frente, o percurso é longo ainda.

Muito obrigado pela atenção.”

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Carlos Gomes de Carvalho é professor e advogado. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros [RJ], da Academia Mato-Grossense de Letras [da qual foi presidente em três mandatos], membro correspondente da Academia Paulista de Letras Jurídicas entre outras instituições. Tem publicado livros na área jurídica.