Francisco Pedro Jucá.Livre Docente, USP. Pós Doutoramento em Direito Público, Universidade de Salamanca. Pós Doutoramento em Direito Social, Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Doutorado em Francisco Pedro Juca 2 f4004 Direito do Estado, USP. Doutorado em Direito das Relações Sociais, PUC/SP. Professor Titular da Faculdade Autonoma de Direito de São Paulo – FADISP. Professor Orientador no Doutorado dupla titulação Universidade de Salamanca. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Financeiro – SBDF. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira n.7, Membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas, Cadeira n. 13. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário – IBEDAFT e integrante do Conselho Consultivo. Academia Paulista de Magistrados.

Sumário: I – Introdução. II – Separação de Poderes e Funções. III – Parlamento e Poder Legislativo. IV – Direito Parlamentar – Perfil. V - Conclusão.

Resumo: A existência de um Direito Parlamentar voltado ao estudo do Poder Legislativo, sua conformação, posição constitucional, funções, atribuições e papel constitucional, contribui para o estudo da Teoria Jurídica de Governo, por possibilitar o exame metódico e sistemático do Poder Legislativo, compreendendo sua natureza, função e papel, que ganham especial relevo na atualidade, servindo de base e ponto de partida para eventuais proposições de aperfeiçoamento institucional e consolidação do Estado de Direito Democrático.

     Abstract: The existence of a Parliamentary Law focused on the study of the Legislative Power, its conformation, constitutional position, functions, attributions and constitutional role, contributes to the study of the Legal Theory of Government, by enabling the methodical and systematic examination of the Legislative Power, comprising its nature, function and role, which gain special importance today, serving as a basis and starting point for any proposals for institutional improvement and consolidation of the Democratic Rule of Law

I – Introdução

     A proposta deste breve estudo é examinar, em explorações preliminares, o Direito Parlamentar, disciplina estudada no âmbito do Direito Constitucional na França e Espanha. A inserção sistêmica que se vislumbra é como parte integrante do Direito Constitucional, no âmbito do que se pode considerar como Teoria Jurídica de Governo, no campo mais específico e determinado relativo ao Parlamento.

     O escorço proposto se volta a instigar a natureza jurídica do Parlamento, seu papel no concerto da organização estrutural do Estado de Direito, as funções que lhe são atribuídas, tanto no campo da representação política, quanto no campo da produção do ordenamento jurídico, bem assim, como a sua função de controle político do Poder Executivo.

     Com efeito, a formulação tradicional da tríplice “separação” de poderes, fundada a partir do desenho proposto por Montesquieu no Espírito das Leis, mesmo consideradas as linhas seminais de Hobbes e Locke, apresenta sinais de exaustão, o que significa considerar, até certo ponto, uma superação de modelo, donde resulta a necessidade de um “redesenho”, sobretudo funcional, vez que o papel que se lhe atribui ganha maior complexidade e, mais do que isso, um quadro mais amplo de demandas e expectativas novas.

     Naquilo que se considera como sendo Teoria Jurídica de Governo temos que sendo o Estado estrutura única, mesmo que estruturalmente apresente desdobramentos de composição (algo variada), e sendo a soberania elemento único e uno, o Governo, que em nome da sociedade exerce o poder soberano que lhe é delegado, nas formulas constitucionais estabelecidas igualmente é um fenômeno único.

     Daí entender-se que Governo como instituição alcança e abrange a toda a estrutura existente e operante no exercício do conjunto de atividades governativas: de direção e condução política e de gestão e ações norteadas pelo interesse público, há de ser considerada como e enquanto unidade, mesmo consideradas as variações organizativas que apresente na sua formulação. Daí se reconhece que a função governativa engloba e integra as tradicionalmente denominadas três funções estatais básicas: Dirigir/Administrar; Legislar e fiscalizar politicamente e Efetivar a concreção a ordem jurídica estabelecida.

     De certa forma, leva-se em consideração a proposição de Loeweinstein, no Poder Político e Processo Governamental, que relê a tripartição tradicional, reconhecendo ao Poder Legislativo o poder de decisão política e de controle governamental, o que se pode justificar pela atribuição de representação das sociedade que lhe pertence.

     Nesta formulação que se afigura como mais próxima ao nosso tempo que se insiste, ser marcado pela complexidade, temos que surge mais nítida a necessidade de uma reflexão e elaboração jurídica acerca do Parlamento (Poder Legislativo), muito especialmente nos sistemas presidencialistas, como é o caso do Brasil.

     É ponto importante a considerar as relações e o processo pelas quais estas relações se desenvolvem, entre os chamados poderes do Estado, especialmente considerando a disposição constitucional da independência e harmonia entre eles, merecendo a atenção a compreensão o mais nítida possível dos limites que os separam e distinguem, de sorte a que se tenha, sempre, a estabilidade necessária ao equilíbrio, que a seu turno é indispensável a manutenção do Estado de Direito, postulado fundamental da organização política contemporânea.

II - Separação de Poderes e Funções

     Como há pouco se fez referência, não há exatamente separação de poderes, mas, repartição de funções, competências, atividades e atribuições, e com a finalidade de dividindo o exercício do poder soberano (evitando a concentração) estabelecer a manter mecanismos e instrumentos de contenção e controle, de uns pelos outros, subjacendo que o funcionamento adequado vai decorrer exatamente do equilíbrio entre eles.

     A propósito, Manoel Gonçalves Ferreira Filho1 associando que a separação de poderes tem como pressupostos as três funções básicas e fundamentais dos Estado, com o estabelecimento de distinção entre as funções legislativa, administrativa e jurisdicional, observa que:

     Essa classificação que é devida a Montesquieu encontra, porém, antecedentes na obra de Aristóteles e de Locke. Primeiro, na Política, reparte as funções do Estado em deliberante (consistente na tomada de decisões fundamentais), executiva (consistente na aplicação pelos magistrados dessas decisões) e judiciária (consistente em fazer justiça), sem cuidar de sua separação, sem sugerir, ainda que de longe, a cada uma delas a órgão independente e especializado.

     Esta formulação algo esquemática, a nosso ver estrutural, percebe o fenômeno e propõe como solução uma estrutura – isto é, a percepção é estática, porquanto desconsidera, pelo menos não explicita, a dimensão processual ou dinâmica, é tímida ao enfrentar o funcionamento, a inserção da estrutura proposta na realidade concreta, sujeita às vicissitudes da vida real, - a condição humana - , sempre contingente.

     Com razão André Ramos Tavares2 comenta à respeito do tema da teoria da separação de poderes:

     A evolução que sofreu a teoria separatista de Locke e Montesquieu quanto a atual realidade, longe de propugnar o seu fim, na verdade, aponta para um dos grandes problemas constitucionais do presente, que é a denominada “hipertrofia das funções do Estado”, como denominam o fenômeno Zgabriel Almond e J. Coleman, ou “multifuncionalidade do Estado contemporâneo”, nas palavras que Cristina Queiroz. Isso exige uma “(re)ordenação e (re)distribuição das funções estatais.

     Temos, na abordagem que se pretende, dar início à compreensão deste quadro que já antes chamamos de complexo, exatamente diante da multifuncionalidade do Estado contemporâneo.

     Com efeito, o Estado de hoje apresenta mudanças substanciais em relação à concepção do passado, até mesmo recente. O volume e a variedade de demandas que a sociedade apresenta e pretende ser atendida, em variados graus de variadas formar pelo Estado, impõe a que este tenha suas dimensões alteradas, os desdobramentos organizacionais e operacionais cada vez mais alargados, e, considere-se, com um custo cada vez mais elevado, chegando ao ponto, em novo ver, de sugerir renegociação do pacto social e político de forma a conseguir algum equilíbrio razoável entre estas multifárias demandas e a real capacidade da sociedade de sustentar e dar suporte à estrutura estatal para que vá ao encontro delas. A propósito, vale assinalar que são cada vez mais frequentes os sentimentos de frustração e de perda de confiabilidade da sociedade, seja no Estado, seja nos que o operam que são os governantes, e, isso tem suas raízes mais profundas no crescente desequilíbrio entre as antes mencionadas demandas e a capacidade real de atende-las razoavelmente.

     Se é fato que as estruturas de modelo atual dão mostras de exaustão, o é também que, mais do que a crítica acerba de pouca racionalidade, o fundamental é caminhar mais além, significando buscar exatamente a reformulação, como percebido por André Ramos Tavares, antes citado.

     Temos pois que, o exame do Parlamento como instituição de Estado, sua estrutura, funcionamento, e, sobretudo o redesenho do papel que a ele toca, há de merecer atenção especial e metodologia adequada, que entendemos estar do desenvolvimento do Direito Parlamentar.

     Tal precisa ser feito no contexto das formulações existentes de repartição de funções ou “separação de poderes” tal como as temos, porém, com uma nova leitura. É daí que chama a atenção a formulação de Loeweinstein, a respeito da qual o pluricitado André Ramos Tavares3:

     Salienta-se, assim, a superação da doutrina da separação dos poderes como teoria das funções estatais. Contudo Loeweinstein propugna por uma nova divisão tripartita: “la decisión política conformadora o fundamental (policy determination); la ejecución de la decisión (policy execution) y el control político (policy control)

     Examinando o mesmo autor, Manoel Gonçalves Ferreira Filho4 pontua:

   Inspirado nessa observação e noutras concordantes, Loeweinstein (Political power and governamental process, p. 42 e seg.) sugere uma nova tripartição das funções do Estado, que apellidade “policy determination”, “policy execution” e “policy control”. As duas primeira, coincidem, grosso modo, com as funções governamental e administrativa referidas por Burdeau. A originalidade está em identificar a existência dessa função de controle, em que acertadamente vê o ponto crucial do regime constitucional. Na realidade, esse controle é indispensável para a manutenção da democracia e para a salvaguarda da própria liberdade individual. De fato, não só deve ser fiscalizadas a adequação das opções governamentais às opções populares, ou ao bem comum, controle político, para o qual está particularmente indicado o Parlamento, como também a aplicação dessas decisões aos casos particulares – controle formal, para o qual é naturalmente o Judiciário.

     Tem-se como relevante destacar os dois autores brasileiros que examinam este aspecto, exatamente, para destacar a conclusão oferecida por Ferreira Filho5 quando diz:

     Essa nova tripartição das funções abre, talvez, caminho para uma revisão da organização política ocidental, tarefa ingente e urgente. Todavia, do ponto de vista científico, deve-se reconhecer que a função de controle, na medida que é a verificação da concordância de um ato com outro superior, tem natureza administrativa (de acordo com a terminologia de Burdeau)

     No quadro de separação de poderes/funções do Estado, fundando a construção na formulação de Loeweinstein6, de Estado Constitucional:

     O Estado Constitucional se baseia no princípio da distribuição do poder. A distribuição do poder existe quando vários e independentes detentores de poder e órgãos estais participam na formação da vontade do Estado. As funções que lhes são atribuídas estão submetidas a um controle respectivo através de outros detentores de poder, conforme distribuído, o exercício do poder político está necessariamente controlado. É uma verdade de Pero Gulllo que onde duas cabeças têm que tomar uma decisão, um só não pode prevalecer com sua opinião.

     A questão central, portanto, está na distribuição de poder, na forma do processo decisório, e, naturalmente, na possibilidade real e efetiva controle, tanto da higidez do processo, quanto, sobretudo, do acompanhamento da conformação e adequação da execução em relação às decisões tomadas.

     Ora, para os fins deste estudo meramente exploratório, teremos duas referências: a formulação das decisões e o controle de adequação, mais ou menos como identificou Ferreira Filho antes citado.

III – Parlamento – Poder Legislativo

     Não é excesso abrir o tópico com algumas linhas sobre o que são as funções do Estado e o que delas se espera, sobretudo como se compreendeu e se vem compreendendo hoje. Tais funções têm como pressuposto a busca pelos fins do Estado, tem, portanto, matiz teleológico, acentuando por isto mesmo um traço fundamental de instrumentalidade, porquanto o Estado, e se o compreende hoje assim, é o instrumento privilegiado através do qual a sociedade reúne recursos e esforços para alcançar os seus objetivos, atribuindo a alguns de seus integrantes que escolhe, a função de operar o sistema e, valendo-se do aparato e dos recursos, praticar os atos e atividades voltado ao escopo estatal. Temos, assim, que a função essencial do Estado é atuar no sentido da busca desses objetivos. A propósito, Georg Jellinek7, um dentre os primeiros que voltaram o olhar além das estruturas, para as funções estatais, a nosso ver completando a visão mais adequada, porque a estrutura sem função ou não existe oi é inútil, pontua à respeito:

     As funções materiais do Estado nascem da relação entre suas atividades e seus fins. Por causa dos fins jurídicos o Estado tem que dirigir a sua atividade para a imposição e proteção do Direito, atividade distinta das demais que se propõem a afirmação do seu poder e da cultura. O estudo da natureza destas atividades exige o conhecimento das possíveis formas em que estas atividades se podem manifestar.” E mais adiante, dilucida: “As funções materiais estão, pois, distribuídas entre distintos órgãos relativamente independentes uns dos outros, e o direcionamento de grande parte das questões e problemas que cabem a um destes órgãos detentores da competência (jurídica) de trata-lo, de sorte que todos os órgãos convirjam a uma ponte de partida e um ponto de união (harmonia), daí porque resta claro que a separação, distinção e independência não são nem podem ser absolutas.

     A observação de Jellinek, construída nos fins do sec. 19, início do sec. 20, deita olhos sobre as funções, isto é, a que se destina o Estado, a quem finalidades está vinculado. Noutras palavras, ele existe para as suas finalidades e objetivos, assim, sua estrutura organizacional, qualquer que seja, e os encarregados de operar esta estrutura exercendo as funções de governo, estão jungidos à busca de alcançar as finalidades e objetivos do Estado, que hoje pertencem ao campo do direito constitucional positivado, eis que constam expressamente dos textos constitucionais dos nossos dias. No caso brasileiro, nos artigos iniciais da Constituição, que também explicitam a que princípios a organização e o funcionamento do estado estão sujeitos.

     As considerações de Arthur Machado Paupério8 debuxando um conceito, ilustram bem o que se pretende demonstrar:

     Em síntese lapidar, definiu Groppali o Estado como “a pessoa jurídica soberana, constituída de um povo organizado sobre um território sob o comando de um poder supremo, para fins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social.” Para Laski, o Estado é uma corporação de serviço público. Para Maritain, finalmente, não é mais do que “um organismo especial, dotado de faculdades supremas, como garantia da justiça e do direito”, exigidos pelo bem comum do corpo político, ao qual se subordina. Ou, como diz Villeneuve, é “a instituição temporal dotada de poder soberano, que assegura sob o ponto de vista político-jurídico, e conforme o bem público, a direção e a representação de uma comunidade humana suficientemente extensa e diferenciada.

     Mais adiante o autor citado, aponta como sendo governo: “Em última análise, o governo vem a ser o conjunto de pessoas que dirigem o Estado e que por isso mesmo se devem responsabilizar pela realização de seus fins.”9

     Esta vinculação com a finalidade em sentido amplo, da harmonia ao sistema, tornando possível o controle acerca da realização adequada das atividades.

     O Poder Legislativo em nossa leitura tem essencial em sua natureza como papel fundamental a representação política formal da sociedade, considerada, sobretudo, a sua composição formada por representantes eleitos diretamente pela própria sociedade, daí que, as suas atribuição nascem exatamente desta representatividade. Assim como órgão por excelência de representação, a ele cabe primacialmente a produção das normas gerais e abstratas que organizam as estruturas, disciplinam com caráter de obrigatoriedade as relações e as condutas na sociedade, fundado em caldo de cultura, paradigmas e referências que estão presentes no sentimento e na percepção de mundo (cosmovisão) vigentes em determinada etapa (que lhe corresponde) do processo histórico-social da sociedade. É de se inferir que, mesmo com as imperfeições e insuficiências próprias da contingencialidade da condição humana, consegue em grau bem além do razoável exprimir e manifestar a vontade geral da sociedade, inclusive porque no processo decisório acontecem as contraposições e ajustamentos no entrechoque dos interesses e demandas naturais da composição social em suas diversas variações.

     Ora, ao exprimir a vontade geral, ganha a legitimidade necessária para estabelecer tais normas gerais, cuja produção formal precisa obedecer ao estabelecido no pacto fundamental contido na Constituição, exatamente porque estas normas vem a conter os padrões ético-comportamentais da sociedade mesmo.

     Com estes fundamentos ao Parlamento exerce parcela relevante do poder político, e como tal, temos a visão de que é parte importante do Governo da Sociedade Politicamente organizada, considerado que o Poder Soberano é uno e indivisível, e o que é repartido como técnica organizacional e de controle é o exercício de funções determinadas, como o são as três que se fez referência ao início.

     Interessante é a contribuição de Walber Moura Agra10, que busca estabelecer o que se pode considera como uma linha evolutiva da representação política, esclarecendo:

     Não se pode precisar com exatidão o surgimento da função de representação dos interesses da população. Há relatos da existência de assembleias na Índia, em que o povo nomeava o Conselho de Anciãos. Na Grécia, há farta comprovação da existência do Conselho dos Quinhentos, formados por representantes escolhidos pela população. Na Idade Média, havia cidadãos que representavam o povo nas corporações e nos estamentos. Entretanto, o conceito moderno de Deputado e Senador nasce com a Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra, e com a Revolução Francesa de 1789. Devido à influência do primeiro acontecimento histórico, o poder foi deslocado definitivamente da Coroa para o Parlamento, passando os deputados a encarnar as prerrogativas estatais. Enquanto que o segundo movimento social contribuiu para acabar com a representação corporativa, através dos Estado Gerais, delineando as estrutura do regime democrático que se aprimoram cada dia. Portanto, a ideia de representação política, sob diversos níveis de densidade, é um conceito que esteve presente em muitas sociedades ao longo do tempo; não obstante ser o conceito de deputado uma figura típica do mundo moderno, nascendo com a democracia representativa e evoluindo suas funções pari-passu com o desenvolvimento da organização política estabelecida.

     Nas palavras de Ferreira Filho11, que lhe reconhece exercício do poder financeiro e que consiste em fixar tributos e determinar gastos, também está o que o citado autor chama de Poder de Controle Político, sobre o qual explicita:

     Votando as leis e os tributos, os Parlamentos estavam numa posição favorável para pretender, e exercer, uma supervisão sobre todo o governo. Assim, desenvolveram uma atitude de controle em relação a todos os órgãos deste, que iria resultar no princípio da responsabilidade política. Esse controle político é talvez hoje a principal contribuição dos Parlamentos no processo político.

     No mesmo sentido é a observação de Celso Ribeiro Bastos12, que didaticamente esclarece:

     Ao Poder Legislativo é atribuída como função primordial, típica, a de legislar. É o poder encarregado da elaboração de normas genéricas e abstratas dotadas de força proeminente do ordenamento jurídico, que se denominam leis.” E, mais adiante, acresce: “O papel do legislativo não se resume à função de elaborar leis. Por tradição, compete a ele exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo, consoante o disposto no art.70 da Constituição Federal.”

     Temos assim possível identifica os traços daquilo que Loeweinstein antes citado chamou de Poder de Decidir, eis que a sociedade a través de representantes que ela mesmo escolhe, toma as decisões políticas relevantes, submetidas, apenas e obrigatoriamente à moldura estabelecida na Constituição, e remete ao Poder Executivo a atribuição de pô-las em prática e concretitude. E é exatamente como decorrência disto que também assume o papel de controlar a afinidade e fidelidade entre o estabelecido e o executado, a conformidade substancial, gerando, assim, a responsabilidade política das autoridades executivas quanto ao desempenho desta papel constitucionalmente atribuído.

     Vê-se já aí que aspecto relevante para a compreensão do problema está na relação necessária, permanente e operacional entre os Poderes Legislativo e Executivo. Naturalmente sempre subjaz um certo traço de tensão. Claro, o exercício das atribuições de cada qual implica, em essencial, no exercício de poder e, este exercício, notadamente nas dias dimensões referidas: estabelecimento e controle, geram pontos de atrito, materializado em diversidade de interpretação de fatos, circunstâncias e objetivos mediatos e imediatos. Todavia, o processo político-constitucional contém os instrumentos necessários a fazer fluir as coisas, ajustando os desencontros, entrando, aí, a arbitragem constitucional indispensável exercida pelo terceiro poder, o Judiciário, porquanto este processo ao qual nos referidos está regrado constitucionalmente de maneira explícita ou implícita. Temos que ter claro que, eventuais choques mais ou menos fortes são decorrência natural das coisas em si mesmo, podendo ser considerados como normais.

     Paulo Gustavo Gonet Branco13 observa com propriedade que: “É típico do regime republicano que o povo, titular da soberania, busque saber como os seus mandatários gerem a riqueza do País. Essa fiscalização se faz também pelos seus representantes eleitos, integrantes do palamento.” E observa mais adiante:

     No desempenho de sua função fiscalizadora, o Congresso Nacional pode desejar acompanhar de perto o que acontece no governo do País. Para isso, a Câmara dos Deputados o Senado ou qualquer das Comissões dessas Casas estão aptos a convocar Ministros de Estado ou titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente estabelecido, podendo, se o Legislativo o preferir, deles requerer informações escritas. Configura crime de responsabilidade o desatendimento a esses chamados. O parlamento, além disso, deve conhecer a realidade do País, a que lhe cabe conferir conformação jurídica. O Congresso Nacional, por isso, também investiga fatos, perscuta como as leis que edita estão sendo aplicadas e busca assenhorear-se do que acontece na sua área de competência. Faz tudo isso com vistas a desempenhar, com maior precisão, as suas funções deliberativas. As Comissões Parlamentares de Inquérito são concebidas para viabilizar o inquérito necessário ao exercício do poder de fiscalizar e de decidir, entregue ao Legislativo.

     Na mesma linha, Alexandre de Moraes14 observa que:

     O exercício da função típica do Poder Legislativo consistente no controle parlamentar, por meio da fiscalização, pode ser classificado em político-administrativo e financeiro-orçamentário. Pelo primeiro controle, o Legislativo poderá questionar os atos do Poder Executivo, tendo acesso ao funcionamento de sua máquina burocrática, a fim de analisar a gestão da coisa pública e, consequentemente, tomar as medidas que entenda necessárias. Inclusive, a Constituição Federal autoriza a criação de comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas, e serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e pro prazo certo.

     Buscamos, na medida do que comporta este estudo exploratório sobre o Direito Parlamentar, demonstrar a compreensão adotada por expressivos doutrinadores brasileiros do que pode ser considerado como conteúdo das categorias de representação política, poder decisório e de fiscalização e controle, e, a legitimação política pela investidura de livre escolha dos membros pela sociedade.

     Optou-se por não fazer remissão ao direito positivo porque, nesta incursão se busca lanças as linhas iniciais de uma construção teórica geral à respeito do tema, o que significa dizer que se está à procura das bases e fundamentos conceituais que sustentes e sirvam de referência ao tema.

     Outra dimensão que se deve abordar diz respeito ao perfil de poder de decisão sob o aspecto mais operacional e objetivo. Com efeito, se vem buscando demonstrar que o Parlamento tem poder decisório relevantíssimo, cabendo a ele as grandes decisões, quais sejam aquelas que estabeleçam as linhas gerais para a consecução dos objetivos e finalidades estatais, sempre em conformidade constitucional, tanto na forma quanto no conteúdo.

     Com o objetivo de tornar mais clara a visão que se vai formando, debuxemos o que se pode considerar como um processo governativo, identificando nele a posição e a função do poder parlamentar.

     O Poder Executivo, em quaisquer modelos governativos que se considere, a saber os mais presentes na experiência histórica dos nossos dias: Parlamentarismo, Presidencialismo ou Semi-Presidencialismo, tem a atribuição constitucional de impulsionar o processo, de ter a iniciativa de propor. Se pode entender isto como, a partir da interpretação dos objetivos e finalidades estatais estabelecidas na Constituição, o Poder Executivo propõe a execução de atos, providências, ações e políticas para buscar a esses objetivos, considerando os dados das circunstâncias, da conjuntura e das condições existentes e postas na realidade. Estas proposições, de quaisquer naturezas que sejam, são apresentadas ao Parlamento que as examina, o fazendo através dos instrumentos e recursos constitucionais e técnicos disponíveis, e oferece a sua contribuição, sendo nesta ocasião balanceado o conjuntos dos interesses e demandas em disputa, e é estabelecida a pactuação político-jurídica para a execução das propostas, feitas e executadas pelo Executivo e apoiadas e controladas pelo Parlamento.

     Neste processo o Parlamento não é mero expectador, nem chancelador dos atos do Executivo, vez que para que o processo tenha o seu curso, todas estas ações têm o seu apoio expresso ou tácito, e ficam sujeitos à sua fiscalização e controle, tanto a político-administrativa, quanto financeiro, conforme antes se fez referência.

     De certa forma aí é possível vislumbrar a função do Parlamento no conteúdo amplo do conceito de atividade governativa, exatamente quando este, indo além de expressar a vontade geral através da produção normativa, também a manifesta na dimensão das escolhas políticas, apontando objetivos e caminhos a seguir, encomendando ao Executivo a concretização.

     Nesta concepção tem-se que a atividade governativa na sua globalidade significa a atuação cooperativa (ainda que independente e harmônica) das duas estruturas de exercício de poder, na qual um apoia e complementa o outro, por exemplo do que se propõe, o Legislativo faz leis, mas, há competência regulamentar destas mesmas leis, pelo Executivo. O Executivo em algumas hipóteses tem a competência constitucional de propor Leis, e, mesmo, em casos bem determinados, produzir leis que chamamos ad referedum do Legislativo, no caso brasileiro, das Medidas Provisórias.

     Temos que um não antagoniza nem exclui o outro, ao contrário, atuam, nos limites e perfis de suas atribuições constitucionais, em cooperação.

     É claro que este perfil não exclui a possibilidade dos atritos entre ambos, o que como já antes mencionamos é natural, a questão está em que existem instrumentos jurídicos-políticos estabelecidos para superação destes atritos eventuais, geralmente com o arbitramento do garantidor final da ordem jurídica, que é o Poder Judiciário, que pela sua natureza e finalidade não legisla nem governa, não administra senão a si mesmo, nos emolduramentos da própria ordem jurídica. Exatamente esta característica é que lhe dá a isenção e a independência necessárias para arbitrar, sempre na forma e em conformidade com a ordem jurídica.

     A esta altura se pode constatar que o estudo do que podemos chamar de teoria jurídica de governo, contém necessariamente, o estudo e uma teoria jurídica (subsistêmica) de cada um dos poderes e funções do Estado, não sendo exagero entender que este capítulo do Direito Constitucional comporta metodologicamente, a subdivisão que ora se propõe, ainda que, restritamente enfocando apenas uma parte, qual seja a concernente ao que chamamos de Direito Parlamentar.

IV – Direito Parlamentar – Perfil

     Neste tópico se vai propor um perfil do Direito Parlamentar, seu conteúdo, objeto e inserção sistêmica, não sendo excesso repetir ad nauseam que é uma formulação pouco mais que embrionário, apenas exploratória, que mais visa atrair a atenção e estimular o debate, do que oferecer um quadro pronto.

     Pode ser oferecido como um perfil do Direito Parlamentar o conjunto de normas especialmente constitucionais, mas também infraconstitucionais, inclusive aquelas de autorregularão e auto organização produzidas interna corporis pelo próprio parlamento, que estabelecem a sua estrutura, organização interna, funcionamento e mecanismos para o exercício das competências constitucionais que lhe são atribuídas de legislar, controlar e fiscalizar as ações de governo, bem assim como o estatuto de seus integrantes, suas garantias, vedações e tutela.

     Auxilia estabelecer este perfil, a partir do conteúdo que se lhe atribui e seu objeto. É pertinente recorrer à formulação de Pierre Avril e Jean Giquel15 que dizem:

     Como o Direito Constitucional ou o direito administrativo, o direito parlamentar pode ser definido considerado o campo sobre que atua e a natureza de suas normas. No primeiro aspecto compreende o conjunte de regras aplicáveis às assembleias e a natureza destas(constitucionais, orgânicas, legislativas ou interiormente produzidas). Esta definição vem de Marcel Prelot no seu Curso de 1958: “É a parte do direito constitucional das regras pertinentes à organização, composição, poderes (competências) e funcionamento das assembleias políticas.” No segundo aspecto se o define como “direito especial das assembleias” chamado de legalidade particular que exprime suas tradicional autonomia do que resulta o seu poder de auto-organização. Tal legalidade se interpõe entre a “legalidade geral (notadamente constitucional) que naturalmente tem que respeitar e está submetido, e, das pessoas sobre as quais se aplica diretamente. Uma outra definição de Marcel Prelot, especificamente neste sentido: “O conjunto de regras escritas e costumeiras observadas pelo membros das assembleias políticas no seu comportamento individual ou coletivo.” O Direito Parlamentar compreende o regramento que é interior da assembleia (Esmain) e os poderes decisórios de seus órgãos. É um direito de aplicação no campo de cada assembleia.

     A inserção, portanto, do Poder Parlamentar no bloco de constitucionalidade do Estado de Direito, sua organização e funcionamento, seus procedimentos e práticas, bem com o regime jurídico de seus integrantes é o grande campo do Direito Parlamentar, tal como se o propõe.

     Com efeito, se está a cogitar de uma função essencial do Estado exercida do grau de autonomia constitucional alargada, dotada de competência de expressar a vontade geral resultante da representação que recebe e exerce, na forma de produção legislativa, e, também, na forma do exercício de controle político das ações de governo; dessarte, ganha o contorno de uma parte do direito constitucional que tem natureza peculiar, pelo menos parcialmente, porque voltada a um campo de exame bem determinado.

     Considerada a função política fundamental do Poder Parlamentar, notadamente na função controladora, `a respeito da qual Marcelo Caetano16 destaca:

     Importantíssima é a função fiscalizadora e promotora dos interesses públicos, exercida, mediante a crítica da orientação política e da ação administrativa do governo e dos serviços seus dependentes, a formulação de perguntas escritas ou orais aos Ministros sobre questões de interesse público, a sugestão de novos rumos o de novas providências e métodos a adotar e a realização de inquéritos aos serviços administrativos, mediante comissões parlamentares.

     Esta função fiscalizadora e controladora, inclusive com a possibilidade de reação jurídica efetiva, como a suspensão do efeito de atos do Executivo por Decreto Legislativo, a aplicação de sanções jurídico-políticas a altos dirigentes da administração, inclusive governantes, como é o caso de impedimento, com perda do cargo e direitos políticos, tem importância relevantíssima no processo de governo. Daí, sendo, na sua essência natureza exercício de poder, há de estar limitada e controlável, tal como deve ser no Estado de Direito, sob pena de converter-se em forma de arbítrio. Aí tem espaço do Direito Parlamentar com o conjunto de regras e princípios de variadas origens e natureza, a impor estes limites necessários, as formas de controle por outros Poderes Estatais.

     Afinal a função de controle é fundamental para o real e efetivo Estado de Direito Democrático, pois o Parlamento é o canal privilegiado de exercício da soberania popular na defesa e proteção de seus direitos e interesses, aliás, J.R. Montero Gibert e J. Garcia Morillo17 observam à respeito:

     Resulta em suma que a conexão entre a soberania popular e a condução política do Estado é articulada através dos representantes populares. É dizer que o Parlamento atua como nexo de mediação entre o titular da soberania e o grupo governante, e, o faz com a obrigação de garantir, política e constitucionalmente, a obediência do Governo à vontade popular. Enquanto técnica jurídico-constitucional, o controle parlamentar do governo vem a ser o único meio possível para que os cidadãos, titulares da soberania, controle continuamente aos seus governantes.

     Se infere daí que do Direito Parlamentar consiste em linhas gerais um estatuto jurídico relativo à organização e funcionamento, limitações e formas de exercício, garantias e limitação, envolvendo à instituição, seus integrantes, e, também, a relação deste com os demais poderes. Inclusive, cabendo a observação de Afonso Arinos18: “Não se cogita mais, agora, de resguarda o Legislativo contra as ameaças dos governos, mas de defender os interesses populares contra as omissões e erros dos representantes do povo.”

     Com efeito, mesmo sendo por excelência o órgão de representação política da sociedade, os seus integrantes, como todos, são humanos, com suas virtudes, defeitos e características, que são comuns a todos, não está infenso aos desvios e excessos, daí a necessidade de regramento de auto controle, através dos poderes censórios internos pelos órgãos parlamentares instituídos pela sua organização interna, inclusive com poderes disciplinares sancionatórios sobre seus integrantes.

     Um aspecto relevante para o perfil do Direito Parlamentar que se propõe é a disciplina de suas relações com os demais poderes do Estado, com balizas para os limites competenciais, sobretudo a preservação deles, a um só tempo servindo de proteção à independência do Poder e de seus integrantes, como também, protegendo os demais poderes e a cidadania, dos excessos deste mesmo poder.

     Afinal, é interessante a colocação de Fausto Cuocolo19 que chama a atenção para:

     (...) o caráter político da representação parlamentar indica com suficiente clareza o conteúdo da relação entre eleitor e eleito, que atenta e tem referência sobre as decisões parlamentares, que por serem políticas estão ligadas aos interesses gerais da comunidade, e, precisam estar em consonância e harmonia destes, com os interesses particulares.” E isto se aplica em toda a abrangência à atividade parlamentar, tal como antes mencionado. No campo dos debates parlamentares é que se formam os consensos políticos lastreadores das decisões, que exatamente por isto, ganham estabilidade e aceitação social que as legitimam. Por óbvio, tudo isto precisa estar regrado, e podemos dizer que o está, o que provoca e estimula o seu estudo sistemático e metódico, como objeto e perfil do Direito Parlamentar.

     Avril e Giquel20 antes citados observam que o Direito Parlamentar está nutrido por um conjunto de fontes normativas, tendo como ponto de partida as normas constitucionais, que consideramos as de fundamento e estruturação, que determinam as competências, poderes e atribuições no contexto da organização da repartição dos poderes estatais, mas, também, reconhecem aquelas fontes infraconstitucionais pertinentes, que podemos identifica precipuamente o Regimento Interno da Casa, que cuida pormenorizadamente da organização interna, da repartição interna de poderes e competência, de atribuições, organização de serviços de apoio e operacionalidade, gestão funcional e operacional, prevendo os Órgãos de Direção, sua composição e funcionamento, e também aqueles Órgãos que podemos chamar de órgãos de atuação parlamentar geral como as Comissões Permanentes, e de atuação especial como as Comissões Temporárias, Especiais e de Investigação, bem assim como suas competências e atribuições, disciplinando as relações internas. Neste campo também existem leis stricto senso, que tratam de matérias específicas, mais atinentes às relações com os outros poderes, e a disciplina dos efeitos dos atos parlamentares sobre outros poderes e agentes do Estado.

     A fonte constitucional é geralmente complementada pelo Regimento Interno da Casa, que podemos considerar como “lei fundamental”, que visam dar concretitude ao sistema normativo, trazendo-o para o campo do operacional.

     Na fonte constitucional, e pela própria natureza não podia ser diferente, estão as regras pertinentes as prerrogativas parlamentares, a normas de proteção e defesa dos parlamentares, bem como seus impedimentos, vedações de deveres fundamentais, cabe a observação à respeito, feita por André Ramos Tavares21: “A Constituição não previu apenas privilégios a serem exercidos pelos ocupantes do posto de parlamentar, Também contempla uma série de exigências que deve ser preenchidas devidamente pelos Senadores e Deputados.”

     O esboço do perfil que se sugere, também releva o conteúdo do Direito Parlamentar. Pelo critério que se adotou, é importante registrar que se excluiu aquilo que diz respeito à investidura dos membros do legislativa, e o que diz respeito ao sistema partidário.

     Foi escolha de método, porque se tem o entendimento de que o Processo Eleitoral, os critérios elegibilidade e inelegibilidade, critérios de votação, e mesmo o sistema relativo à organização e funcionamento das instituições partidárias, têm pertinência a um outro sub-ramos do Direito Constitucional, que também já vem merecendo importantes reflexões e estudos, que vem a ser o Direito Eleitoral e Partidário, claramente com campo de investigação, métodos, campo e objeto de estudo bem claramente definidos, com caracteres próprios.

     Naturalmente que o direito é um fenômeno único, e, que todas as suas “divisões” são apenas e tão somente metodológicas, tendo a finalidade de precisar melhor o campo e objeto de observação, bem assim, como as normas e os reflexos dos princípios que incidem e produzem efeitos neste campo de observação. A consequência é que a leitura sempre deve e precisa ser feita transversalmente, fixando a necessária atenção nas conexões e articulações entre estes diversos ramos, que atuam interativamente, completando e aperfeiçoando o sistema que compõe a ordem jurídica na sua integralidade, a qual haure a sua unidade, harmonia e coerência interna da Constituição, que é, como se a vê, base e fundamento de todo o sistema, mas, também, sua cúpula porque na manutenção desta harmonia baliza e orienta a hermenêutica de toda a ordem jurídica.

V - Conclusão

       A proposta mesmo deste breve estudo, de ser exploratório, não autoriza pela sua natureza, propriamente um a conclusão, mas é possível que se possa fixar alguns pontos que se apresentam relevantes, ficando a merecer discussão, reflexão e aprofundamento.

     Assim podemos, provisoriamente, identificar um sub-ramo da Teoria Jurídica de Governo, voltado especificamente para o Poder Legislativo, ocupando-se de seus natureza, função, papel político e jurídico, características, peculiaridades, elementos constitutivos, organização e funcionamento.

     Cabe a este sub-ramo a investigação do universos normativo que incide sobre este campo, aí incluídos os oriundos de todas as fontes, com sua hierarquia própria, de base constitucional sempre.

     Também pertine a este campo, o que podemos chamar de estatuto parlamentar, como sendo aquilo que diz respeito às prerrogativas, direitos, deveres, impedimentos e limitações pertencentes aos integrantes do Poder Legislativo.

     Finalmente é objeto deste sub-ramo o exame das relações entre o Poder Legislativo, a Instituição Parlamentar e os outros Poderes do Estado, bem como com os Órgãos de Estado, e mesmo as organizações da sociedade, considerado o seu papel fundamental de interlocutor porque representante. Com efeito, neste particular, o diálogo entre representantes e representados está a demandar atenção maior e substancial do Direito, para que este “ouvir” a sociedade não se limite a ouvir, mas, sobretudo, considerar o dever jurídico subjacente de levar em conta, somente isto dará substancialidade ao diálogo, avançando além do formal e aparente, como hoje se tem, ainda.

* A literatura em língua estrangeira que foi citada no texto, foi livremente traduzida pelo autor.

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, SP., 2013.

1 In Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, 2013, SP., pp. 161

2 In Curso de Direito Constitucional, ed. Saraiva, SP., 2013, p. 923

3 op.cit.p. 925

4 op.cit.p.164/165

5 op.ci.loc.cit.

6 In Karl Loeweinstein, Verfassungslehe, p. 51, ed. J.C.Mohr (Paul Sibeck), Tubingen, 1959

7 Teoria Geral do Estado, ed. BDF, Argentina, 2005, p.743

8 Anatomia do Estado, ed. Forense, 1992, p.10

9 op.cit.p.64

10 In Curso de Direito Constitucional, ed. Forense, RJ., 2007, pp. 355-351

11 op.cit.p.187

12 op. cit. p.568

13 Curso de Direito Constitucional, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, ed. Saraiva, SP, 2013, pp. 850-851

14 In Direito Constitucional, ed. Atlas, 2013, p. 434

15 Droit Parlamentaire, ed. Montchrestien, Paris, 1996, pp.2-3

16 in Direito Constitucional, vol.I, p.264, ed. Forense, RJ., 1977

17 El Control Parlamentario, ed. Tecnos, Madria, 1984, p. 21

18 Curso de Direito Constitucional Brasileiro, vol.I, p. 113, ed. Forense, RJ, 1968

19 Principi di Diritto Costituzionale, ed. Giuffrè Editore – Milano, 1999, p.495

20 op.cit.

21 op.cit.p.980