Fonte: Jornal Correio Braziliense - Caderno Opinião -pg.11 - 15.04.2020 

Transformações sociais, econômicas e demográficas determinaram significativas mudanças nos padrões de incidência de doenças e óbitos na sociedade em Ruy Altenfelder 6 20b50 24aa4todo o mundo. Em tal contexto, fatores como a ampliação da cobertura do saneamento e a introdução de novas tecnologias de saúde, especialmente com o desenvolvimento de vacinas e antibióticos, foram decisivos para o rápido declínio da ocorrência de doenças infecciosas. Como dizia o físico, teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, “o maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento”. Com o mundo em alerta em meio à pandemia do novo coronavírus, ignorar a gravidade da situação ou aumentar seu risco pode ser fatal. Há pelo menos um mês, países estão em isolamento, algumas fronteiras permanecem fechadas e a economia global segue fragilizada — e sem previsão de estabilidade.

Embora a conjuntura pareça pouco otimista, é importante elucidar que, assim como esta, epidemias retornam para nos lembrar da nossa vulnerabilidade frente a enfermidades e a qualquer tipo de poder.
Olhando para trás, as grandes epidemias enfrentadas e superadas globalmente transformaram as sociedades humanas. A exemplo da gripe espanhola, que, anos após o seu surto que vitimou até o então presidente do Brasil, Rodrigues Alves, em 1919, surgiu a penicilina — uma revolução na maneira de tratar doenças. A peste negra, que vitimou 50 milhões de pessoas na Europa e na Ásia no século 14, foi sendo combatida à medida que se melhorou a higiene e o saneamento das cidades, diminuindo a população de ratos urbanos.

Logo após o acontecimento, a busca por uma sociedade distinta da que tinha sido a medieval, com novos valores, deu início ao Renascimento: nova era cultural, política e econômica. Historicamente, todas essas doenças de grande alcance, sem dúvida, marcaram nosso sistema de saúde, nos deixando na iminência de maior conscientização global de risco de infecção. Em tempos epidemiológicos, são as desigualdades sociais as primeiras a serem explicitadas em âmbito global. No Brasil, especialmente, país de alto grau de desigualdade, existe o risco de maior convulsão social. É preciso valorizar o trabalho da saúde pública, das pesquisas, dos cientistas e dos historiadores da saúde.
Embora o Brasil esteja entre as maiores taxas de desigualdades do mundo, não podemos negar o fato de que o país coleciona vitórias: da erradicação da varíola, em 1973, e da poliomielite, em 1989; a criação de um dos programas de vacinação mais bem-su-cedidos do mundo, o Programa Nacional de Imunizações, entre outros. Estamos entre os 15 maiores produtores de ciência do mundo e, nas áreas relacionadas às doenças infecciosas, somos um dos primeiros.

O mineiro Vital Brazil, que fundou o aclamado Instituto Butantan, em São Paulo, liderou o combate a diversas doenças, como febre amarela, cólera, varíola e peste bubônica. Foi pioneiro nas pesquisas e na produção de soros específicos contra veneno de animais peçonhentos. Seu método de neutralização do veneno é, até hoje, o mais eficaz e usado em todo o mundo. Hoje, na luta contra o tempo para cessar a Covid-19 no mundo, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) se reuniu e, em menos de 48 horas após o primeiro caso da doença confirmada no país, decifrou o código genético do novo vírus.

Recentemente, em tempo considerado recorde pela indústria de Minas Gerais, entraram em teste os respiradores mecânicos com tecnologia mineira para o combate nos CTIs ao novo coronavírus. O desenvolvimento é simultâneo e envolve várias empresas brasileiras: o Centro de Inovação e Tecnologia (CTT) Senai/Fiemg, laboratórios privados e institutos de universidades.

E é nesse contexto, em um ano em que o mundo enfrenta uma das maiores ameaças à saúde pública da história moderna, que a Fundação Bunge homenageará profissionais da área das ciências biológicas, ecológicas e da saúde, especificamente os dedicados à prevenção de doenças infecciosas, um dos temas contemplados pela 65º edição do Prêmio Fundação Bunge. A luta é uma só em todos os lados do mundo. É preciso combater os focos da ignorância e dar voz à saúde e à ciência. Afinal, a doença não tem partido, fronteira ou religião.

Ruy Altenfelder é Presidente do Conselho Superior de Estudos Avançados (Corisea- Fiesp) e curador dos Prêmios Fundação Bunge