A Idade Média é um dos períodos da História mais injustiçados pela generalidade dos autores, sendo que Michelet a chamou de “a longa noite de dez séculos.” Os atuais estudos sobre este período revelam o contrário: A Idade Média foi marcada por uma extraordinária fermentação intelectual e cultural, em que se deu a convergência da tradição greco-latina, dos valores do Cristianismo e do contributo dos povos germânicos...
Muitas foram as criações da Idade Média, tendo um compreensível relevo entre elas a instituição universitária. Esta obra medieval importa sobremaneira neste momento histórico. E aqui lembro Guilherme Braga da Cruz, antigo catedrático de Direito Romano de Coimbra: --- Muito se tem falado sobre reformar a Universidade. Só que, antes de reformá-la, é mister salvá-la. E isto implica em conhecer intimamente a sua essência, e pois, em perquirir a sua gênese.
A Universidade surgiu em Bolonha, tratando-se de uma corporação de professores e de alunos que se reuniam para a busca do saber, sendo as preocupações profissionalizantes um corolário do saber adquirido. Convém recordar que a instituição universitária surgiu, desenvolveu-se e se espalhou por toda a Europa, sob a proteção dos romanos pontífices. E isto desmente qualquer pretenso “obscurantismo” da Igreja...
O “modelo bolonhês” se espalhou pela Europa, surgindo as universidades de Pavia, Paris, Oxford, Cambridge, Praga (a primeira de língua alemã), Heidelberg, Salamanca e Coimbra. Duas características básicas tinha a Universidade de então: A autonomia, com o consequente autogoverno, e o compromisso com o saber. O fato de ainda inexistirem os Estados Nacionais e de o Latim ser a língua veicular da Europa, facilitava o intercâmbio --- de professores e de alunos --- entre os diversos centros universitários. Assim, Tomás de Aquino, italiano, lecionou em Paris. E Antonio Garcia Y Garcia afirma que “a glória de Bolonha está ligada ao seu universalismo e à presença de estrangeiros no professorado e no alunado.” Ora, falar em Universidade, implica em falar de intercâmbio permanente, de pessoas e de ideias. Este intercâmbio existiu na Universidade Medieval.
Um outro aspecto da Universidade do Medievo que muito importa, é o fato de ela ter sido uma instituição que, regida pelos seus próprios Estatutos, era altamente democrática. Não é um exagero afirmar que era mais democrática do que a sua congênere atual: O fato de existirem as “Fraternidades Acadêmicas”, fazia com que surgissem vínculos fortes de solidariedade entre os estudantes. Desta maneira, os mais pobres eram auxiliados pelos de maior poder aquisitivo, logrando terminar os seus cursos. Os alunos que cursavam a instituição universitária, tendo passado pelo “Trivium” e pelo “Quadrivium”, possuíam os conhecimentos básicos que os habilitavam a seguir os diversos cursos. Neste aspecto, a Universidade Medieval estava em uma situação melhor do que a atual, ao menos no que se refere ao Brasil: Os alunos da Escola Média (e o Pisa o confirma) chegam aos bancos universitários sem condições mínimas para acompanhar o curso superior... o professor universitário hoje, no Brasil, se vê na triste condição de um operário qualificado, que ajuda a transformar analfabetos sem diploma em analfabetos com diploma. O fato seria cômico, se não fosse trágico.
Um dado resulta do que disse acima: Qualquer eventual reforma da Universidade no Brasil, tem que passar por uma completa revisão do ensino básico e do ensino médio: Quem se destina aos cursos superiores, tem que possuir senso ético, raciocínio abstrato, poder de concentração e poder de síntese. Assim, todas as disciplinas conducentes ao aperfeiçoamento do caráter e do intelecto têm que ser ministradas com seriedade, no ensino médio, a alunos previamente bem alfabetizados. É preciso resgatar, no ensino médio, o estudo da Ética, do Latim, do Grego, da Lógica, da Geometria e da Retórica.
O ensino superior no Brasil virou um negócio que movimenta muitos milhões de Reais. Os dirigentes da maioria das instituições universitárias particulares não são educadores, mas empresários interessados não em ensinar e formar pessoas, mas em auferir lucros cada vez maiores. Duas manifestações temos deste fenômeno: O “Currículo Mínimo” exigido pelo MEC para reconhecer as novéis universidades, e a divulgação cada vez mais intensa do “Ensino A Distância.” O “Currículo Mínimo” mutilou e mutila, no Brasil, os cursos ditos “superiores”: Na maioria das Faculdades de Direito, não mais é ensinado o Direito Romano. Isto equivale a não dar a cadeira de Anatomia no Curso de Medicina!... a Medicina Legal é outra cadeira afastada da grade dos cursos jurídicos. Quanto ao “Ensino A Distância”, em grande parte rejeitado pelos alunos, que preferem as aulas presenciais, não passa ele de um expediente utilizado pelos empresários do ensino, para baratear os custos do negócio.
Dois outros aspectos da Universidade Medieval devem ser aqui abordados, em conexão com a hodierna Universidade Brasileira. Refiro-me à Ética e ao pluralismo das ideias. As ideias opostas têm que conviver no espaço universitário. E isto implica em um combate sem tréguas às patrulhas ideológicas de qualquer natureza, venham da “esquerda”, da “direita” ou do “centro”, e no incremento da meritocracia.
Destina-se, a Universidade, à formação de elites pensantes que trarão um contributo insubstituível à Pátria e à Humanidade como um todo. E a palavra “elite” é aqui empregada no seu verdadeiro sentido: A “elite” é o que existe de melhor, em termos intelectuais e éticos. A genuína Universidade mira a excelência; o atendimento ao mercado será uma das consequências desta excelência.
*Acacio Vaz de Lima Filho é advogado e professor universitário, Livre-docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (U.S.P.), associado efetivo e ex-Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo, sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Acadêmico Perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, e Presidente Vitalício do “Grupo de Estudos de Direito Romano e de História do Direito Professor José Pedro Galvão de Sousa”