Fonte: Jornal Correio Braziliense - 18/12/19 - Caderno Opinião - pag. 11
Os vergonhosos casos de corrupção ocorridos nos cinco séculos de história e os graves problemas éticos que pipocam no dia a dia demonstram que, apesar dos esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania, o Brasil — e também dezenas de outros países, em toda a escala de desenvolvimento — ainda se enquadra na fala de Bertholt Brecht “infeliz do país que precisa de heróis”.
Medida da importância da ética: a alta comissária da ONU para os direitos humanos divulgou que os fluxos financeiros ilícitos, oriundos do desvio de dinheiro por atos de corrupção, atingiu a cifra de US$ 8,44 bilhões entre 2000 e 2009. Pensando melhor, talvez as nações não necessitem exatamente de heróis. Afinal, ser ético, correto e honesto é um mínimo que um cidadão (na acepção plena da palavra) deveria oferecer à sociedade em que vive, seja ele político ou não,
A ausência de ética, com todas as consequências, é ainda mais danosa, quando a vítima é um país em desenvolvimento, como o Brasil, onde há tanto a fazer. Ou alguém duvida, por exemplo, de que todo dinheiro drenado pela corrupção, se bem investido, teria possibilitado um avanço maior e mais rápido rumo a um país mais moderno, menos desigual e mais bem equipado para assegurar a sustentabilidade de seu desenvolvimento?
Quando, nos poderes constituídos e no tecido social, há a prevalência de interesses pessoais, corporativos ou de grupos sobre as demandas mais legítimas da sociedade, macula-se a democracia, aprofundam-se as desigualdades e dissemina-se a descrença na justiça e nas instituições. Nos regimes de democracia plena, quando recebe o poder pela força do voto, o cidadão eleito deve exercê-lo, pautando-se por inabalável consciência ética.
E fundamental resistir às tentações inerentes ao poder, repudiar, denunciar e punir os corruptos e corruptores para evitar a repetição de vícios milenares. Essa é a parte dos políticos em cargos representativos. Já a tarefa de cada um dos cidadãos eleitores seria recorrer à consciência cívica para depurar, pelo exercício do voto, o universo dos cargos eletivos.
Esse é o cenário ideal da cidadania, não o retrato da realidade neste início do século 21.
Entretanto, há sinais animadores no horizonte que, se vierem constituir saudável tendência, poderão resultar no saneamento da cena política e das suas interfaces com poderosos segmentos da sociedade. Diante das primeiras denúncias do escândalo que viria a ser conhecido como mensalão, poucos brasileiros duvidavam de que o caso terminaria em impunidade como tantos outros.
Monteiro Lobato dizia que “tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos”, E todos que sonharam com um Brasil mais ético começam - e esperemos que essa visão não seja distorcida pelo excesso de otimismo — a vislumbrar ações que podem conduzir a história a novo patamar. Há a Lei da Ficha Limpa, que teve como motor a manifestação de milhões de brasileiros contra a corrupção e a impunidade. É a semente da esperança do surgimento de nova geração de candidatos que coloquem o bem comum como o grande objetivo da atuação política, invertendo a prevalência do interesse pessoal e da conquista do poder a qualquer preço.
Daí a importância de vincular os ensinamentos teóricos aos exemplos de posturas éticas. Da Inglaterra, vem um alento: 79% das escolas e 59% dos ex-alunos ligados à associação de MBAs de Londres e das escolas de administração de Durham afirmam que os programas de MBA deveriam focar as responsabilidades das empresas para com a comunidade, clientes, empregados e a sociedade em geral, em vez de encorajar o executivo a valorizar apenas as obrigações com os acionistas.
Na China, os jovens também estão mais interessados em responsabilidade social e sustentabilidade. Conselhos profissionais de Medicina (CRM), Engenharia (Crea) e Advogados (OAB) debatem questões éticas e se preocupam com a reformulação de códigos de conduta. No ambiente corporativo, cresce o número de organizações de todos os portes que editam códigos de ética, buscando orientar as posturas e práticas dos funcionários e fornecedores de acordo com novos valores.
São exemplos como esses que fundamentam a crença de que a ética, pelo menos no Brasil, está deixando de ser capítulo árido do curso de filosofia para permear toda a grade curricular das universidades. Até porque, em última instância, elas são centros de geração de conhecimentos e pensamentos capazes de forjar mudanças na sociedade. Já manifestei a esperança de que os movimentos pela ética consigam mandar para a lata do lixo, onde espero que permaneçam, conceitos e práticas que contribuem para manchar a imagem do Brasil no mundo, para enfraquecer valores da cidadania e deformar novas gerações ao retirar-lhes a perspectiva de paz, justiça e igualdade social. Viva a Ética!
*Ruy Altenfelder: Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)