Kiyoshi Harada 2 0e052Utilização de dois pesos e duas medida

Examinemos em poucas palavras duas Súmulas do STJ, a de nº 625 e a de nº 622, ambas editadas contra os contribuintes em geral, mediante uso de critério diferenciado no exame da relação jurídico-tributária entre fisco e contribuinte. Vejamos.

         A Súmula 625 prescreve:

“O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

Na verdade, nem era o caso de sumular dada a clareza lapidar do art. 168 do CTN que assim prescreve:

“O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.”

Como é sabido, a repetição pode ser pleiteada administrativa ou judicialmente dentro do prazo quinquenal.

A opção é do contribuinte. Qualquer que seja a via eleita o pedido há de ser formulado dentro do prazo de cinco anos. Não se trata de prazos sucessivos, pois, o art. 168 estabelece um único prazo para formular o pedido de restituição, qual seja, o de cinco anos. É o que se depreende do caput  do art. 168 do CTN redigido com solar clareza.

Portanto, se o contribuinte optar pelo pedido administrativo, em havendo demora do fisco em decidir, deverá o contribuinte ajuizar a ação judicial de repetição dentro do quinquídio legal, sob pena de extinção do direito à restituição. Nessa hipótese, reputa-se renunciada a via administrativa.

Claro como água; nenhuma dúvida pode pairar a respeito do art. 168 do CTN. Não era necessário editar a Súmula 625, salvo para acrescentar matéria estranha em sua parte final “nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública”. Trata-se de assunto que nada tem a ver com a interpretação do art. 168 do CTN que versa sobre o prazo prescricional do pedido de repetição de indébito, ao passo que, o prazo de propositura de ação contra a Fazenda Pública é regido pelo direito comum. E nem há no sistema jurídico brasileiro a execução por título judicial contra a Fazenda Pública devido a impenhorabilidade de bens públicos. A condenação judicial no pagamento de quantia certa resolve pelo sistema de precatório judicial, conforme prescreve o art. 100 da CF. Merece cancelamento essa parte final da Súmula que revela excesso de proteção da Fazenda, aliás, desnecessária e inócua.

       A Súmula nº 622, por sua vez, prescreve:

     “A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do       prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o       prazo prescricional para a cobrança judicial.”

 Ao contrário da Súmula nº 625, aqui o STJ separou o prazo de cobrança administrativa do prazo de cobrança judicial, para firmar a tese de que a prescrição só começa a fluir a partir do vencimento do prazo para pagamento constante da notificação da decisão administrativa irreformável.

Ora, a exemplo do art. 168,  o art. 174 fixa o prazo de cinco anos para a cobrança do crédito, in verbis

     “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva”.            

Não há a qualificação “cobrança judicial”, mas, simplesmente “cobrança do crédito tributário”. Como se sabe, a constituição definitiva do crédito tributário se dá com a notificação do lançamento ao sujeito passivo, quando, então, o crédito tributário só poderá ser alterado por impugnação do sujeito passivo, recurso de ofício, iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos do art. 149, conforme prescreve o art. 145 do CTN. E é óbvio que a decisão judicial, também, poderá alterar o crédito tributário definitivamente constituído pelo lançamento. Nada impede de o contribuinte abrir mão da impugnação administrativa, lançando mão, desde logo,  da ação judicial para a desconstituição do crédito tributário.

Ao teor do art. 174 do CTN o prazo prescricional de cinco anos abarca, tanto a cobrança administrativa, como a cobrança judicial em perfeita sintonia com o art. 168 do CTN que fixa o prazo fatal de cinco anos para requerer a restituição do indébito, por via administrativa ou por meio judicial. Observe-se a paridade de tratamento das partes dispensada pelo legislador.

O art. 174 não cuida de prazo sucessivo: cinco anos para cobrança administrativa que normalmente tem início com o auto de infração, e cinco anos para cobrança judicial caso fique frustrada a cobrança administrativa. Se o processo de cobrança administrativa não puder ser concluído no prazo de cinco anos a Fazenda deve lançar mão do protesto judicial para interromper a prescrição, nos precisos termos do inciso II, do parágrafo único, do art. 174 do CTN. Não se pode recorrer à via judicial, como no caso de restituição de indébito, porque com a impugnação ou recurso a exigibilidade do crédito tributário fica suspensa (art. 151, III do CTN). E não cabe execução sem título líquido, certo e exigível.

Como se verifica,  a Súmula nº 625 conta o prazo de cinco anos para o pedido de restituição administrativa e judicial de forma simultânea, o que está absolutamente de acordo com o caput do art. 168 do CTN. Contudo, a Súmula de nº 622 conta o prazo de prescrição da cobrança judicial após frustrada  a cobrança administrativa, quando, na realidade, o caput do art. 174 do CTN prescreve, com invulgar clareza, que o prazo de cobrança do crédito tributário é de cinco anos. Não se refere o citado texto à cobrança judicial. Abrange necessariamente as duas modalidades de cobrança: a administrativa que tem início com a lavratura do auto de infração, e a cobrança judicial que se faz por meio da execução fiscal.

Utilizou-se de dois pesos e duas medidas na edição dessas duas Súmulas. É patente a diferença de tratamento das partes da relação jurídico-tributária, sempre favorecendo o fisco que acaba sendo contemplado  com cinco anos  para praticar apenas dois atos: (a) inscrever o crédito tributário na dívida ativa; e (b) ajuizar eletronicamente a execução fiscal. Trata-se, sem dúvida de um exagero de prazo, pois, um particular praticaria esses dois atos em questão de horas! E mais, a Fazenda tem a faculdade de impedir unilateralmente a fluência do prazo prescricional por prazo indeterminado, a espera de uma oportunidade para deflagrar a contagem do prazo. Com efeito, bastará que o fisco não promova, ao final do processo administrativo tributário, a notificação do sujeito passivo para pagar. Sem a notificação não estará fluindo o prazo de pagamento, e sem o encerramento do prazo de pagamento a prescrição para a cobrança judicial do crédito tributário não terá início.

Revogou-se o art. 174 do CTN substituído que foi por criação pretoriana em que o próprio fundamento da prescrição, que repousa na necessidade de penalizar o credor relapso, para o fim de conferir estabilidade às relações jurídicas, foi invalidado. Trata-se, sem dúvida, de um convite ao ócio! Isso evidentemente não está no corpo do Código Tributário Nacional, cujo anteprojeto foi elaborado pelo saudoso jurista Rubens Gomes de Sousa que se esmerou na preservação da neutralidade da lei tributária.Com Súmula da espécie não de se estranhar que a dívida ativa acumulada supera mais da metade do PIB, um valor fantástico que serviria para implementar a contento as políticas públicas nas claudicantes  áreas da saúde e da educação.