Estadão – Opinião – Espaço Aberto – 30/11/2024
As eleições municipais levaram milhões de brasileiros às urnas em outubro, mas muitos ainda enxergam o voto municipal como de status menor comparado à eleição para presidente, governador, senador e deputado. O prefeito, afinal, cuida apenas do seu quintal, com um escopo de ações que não repercutem tanto em escala nacional.
Trata-se de um enorme equívoco. Toda eleição tem importância equivalente; o que muda é o foco. Exatamente por isso, a escolha de prefeitos e vereadores deve ser encarada com atenção redobrada, uma vez que interfere diretamente no cotidiano do cidadão. Por esse prisma, aliás, não há eleição mais impactante do que a municipal.
Ainda assim, pode parecer que esse impacto tem a ver com as pautas “típicas” de prefeitos e vereadores, como saúde, educação, transporte e zeladoria, mas há um tema que, embora costume ser encarado só pela ótica nacional ou até global, precisa urgentemente entrar no radar de prioridades das administrações municipais: as mudanças climáticas.
Cidades estão especialmente vulneráveis aos efeitos de um clima extremado, como dolorosamente mostraram as enchentes no Sul do Brasil e, mais recentemente, em Valência, na Espanha, as queimadas que se alastraram por diversos pontos do País ou a recente tempestade que provocou mais um apagão em São Paulo e mergulhou bairros inteiros no caos.
No ano passado, de acordo com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, cerca de 14,5 milhões de brasileiros foram afetados por eventos climáticos extremos. Em razão deles, mais da metade dos municípios do País decretaram situação de emergência ou estado de calamidade. Dados preliminares de um estudo em andamento encomendado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que ouviu representantes de 3,6 mil cidades brasileiras, aponta que só 22% delas estão preparadas para enfrentar eventos provocados pelas mudanças climáticas. Ausência de capacitação técnica e de recursos são as causas principais da falta de preparo, aponta o levantamento.
Os números reforçam a necessidade de líderes municipais interessados em buscar soluções para a questão climática. A Terra se tornou um planeta urbano. Atualmente, 57% população global vive nas cidades. No Brasil, os dados do Censo de 2022 revelam que 61% da população está em áreas urbanas, o que representa 124,1 milhões de pessoas.
As mesmas cidades que, por sua densidade populacional, estão mais suscetíveis a catástrofes humanitárias ligadas ao clima, são também captadoras e aglutinadoras de investimentos, o que pode ajudar a viabilizar projetos inovadores, conectados, por exemplo, à economia de baixo carbono.
Esse, aliás, é um campo que merece especial atenção dos legisladores e do Executivo municipal, uma vez que os aglomerados urbanos, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), respondem por 70% das emissões de carbono.
Fica claro, portanto, que trazer a pauta ambiental para a arena municipal não implica só falar em prevenção de tragédias e mitigar riscos, mas também em criar soluções.
Prefeitos e vereadores podem, sim, estimular projetos relacionados à economia verde, planejar melhor a ocupação do solo, criar parcerias com instituições sociais ou com a iniciativa privada para empregar jovens prioritariamente em atividades de baixo impacto ambiental e, sobretudo nos municípios com atividades agropecuárias, criar legislação e incentivos que premiem os produtores rurais mais sustentáveis.
Cidades são únicas, sobretudo em um país de dimensões continentais como o Brasil. Uma cidade da Amazônia é diferente de outra do Planalto Central, que é diferente daquela do litoral baiano, que difere de uma metrópole como São Paulo. Cada qual tem as suas necessidades específicas, fortalezas e fraquezas. Justamente por isso, elas são arenas privilegiadas para o surgimento de políticas ambientais realmente inovadoras e eficazes.
Ações de combate às mudanças climáticas demandam articulação entre as esferas de poder (federal, estadual e municipal), bem como empresas, sociedade civil e terceiro setor. É um enorme desafio, mas é também uma oportunidade para que os novos prefeitos e vereadores mostrem que é possível garantir às cidades um futuro mais verde e mais seguro.
* Ruy Altenfelder, advogado, Presidente emérito da Academia Paulista e Letras Jurídicas. Cláudia B. Calais é Diretora Executiva da Fundação Bungue