kiyoshi harada 20Não se sabe por que razão, mas a mídia parece ter uma vocação irresistível de confundir a natureza das coisas. Critica-se com veemência o fato de os Deputados retornarem a seus respectivos Estados às quintas-feiras para voltarem ao Congresso Nacional às segundas-feiras. Profissionais da imprensa interpretam isso como se fossem “férias” prolongadas do final de semana, contribuindo para semear na mente do povo uma noção equivocada que concorre para afetar a imagem do Parlamento Nacional. Como não haverá sessão na semana do feriado do dia 15 de novembro as críticas se intensificaram questionando a “emenda” do feriado, tudo fazendo crer que os Deputados são poucos afeitos ao trabalho se comparados com os demais servidores do Estado. É preciso colocar os pingos nos devidos lugares.

Em primeiro lugar, os Deputados são membros de Poder. Em segundo lugar, eles precisam lutar pela manutenção de seus mandatos de quatro em quatro anos. Para isso, precisam estar em contacto com a sua base eleitoral até mesmo para colher as informações necessárias e analisar a vontade média de seu eleitorado com vistas à formulação de projetos legislativos, e também, para discussão, seguida de aprovação ou de rejeição de projetos originários do Executivo. Se o Deputado ficar encerrado em uma torre de marfim em Brasília não conseguirá cumprir a sua missão primordial que é a de legislar. E mais, ele precisa de visibilidade. Daí a importância de sua aparição pública em eventos dos mais variados organizados pelas associações de classe, clubes esportivos, sociedades amigos de bairros, ONGs etc.

Os Deputados trabalham em diferentes locais, mas o tempo todo e de forma ininterrupta. Nunca consegui encontrar parlamentares, amigos meus, tirando uma soneca no final de semana. Todos os sábados e domingos eles estão cumprindo uma agenda social intensa, desde manhã bem cedo até à noite. As exceções que existem em qualquer profissão não podem resultar em condenação do Parlamento Nacional enquanto instituição pública. O exercício do mandato parlamentar implica necessidade de residir fora de seu domicílio, ou seja, na Capital Federal. Daí a legitimidade do auxílio-moradia e auxílio-transporte.

O estranho é que membros de outro Poder, que ocupam cargos vitalícios, investidos por nomeação de uma só pessoa e que não têm por missão ouvir os reclamos do povo, tenham acesso fácil à mídia e gozem dos mesmos benefícios financeiros próprios de Deputados.

É preciso distinguir a natureza e peculiaridade de cada profissão para restabelecer o princípio da igualdade que consiste em tratar igualmente os que estão em uma mesma situação, e tratar desigualmente os que estão em situações diferentes.

Se o governo vai mal, se o Congresso Nacional não mais expressa a vontade popular tudo isso não é culpa exclusiva de seus membros. A Assembleia Nacional Constituinte que aprovou a Constituição de 1988 conferiu ao povo a faculdade de definir, no plebiscito previsto para o dia 7-9-1993 (art. 2º do ADCT), “a forma (República ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deverá vigorar no País”. O plebiscito foi antecipado para o dia 2-4-1993 e o povo decidiu pela manutenção da forma republicana e do sistema presidencialista de governo, resultando naquilo que o saudoso e grande pensador político denominava de um sistema promiscuista, isto é, tem um pouco de parlamentarismo e um pouco de presidencialismo, rompendo a originalidade dos dois sistemas diferentes que vigoram no resto do mundo.

Dentro dessa situação jurídica anômala, o princípio da separação e harmoniza dos Poderes, que continua sendo inscrito na Constituição, fica bem distante da realidade. O Presidente da República fica a mercê de 28 partidos políticos no Poder, alguns deles “nanicos”, fazendo com que um Deputado se torne líder de si próprio. O governo não consegue levar adiante as reformas necessárias para o desenvolvimento sócio-econômico do País, sem as barganhas políticas que implicam criação e distribuição de cargos ou remanejamento de cargos, periodicamente, resultando em um Estado paquidérmico que não mais cabe dentro do PIB.

Cabe à sociedade, à cidadania resolver esse impasse político-institucional que estamos vivenciando já que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (parágrafo único do art. 1º da CF).

Por fim, nada mais perigoso para a sociedade do que um Poder Legislativo enfraquecido, sem o exercício pleno das prerrogativas constitucionais de seus membros, desde a diplomação e investidura nos cargos correspondentes.

 

Kiyoshi Harada é Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas, da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Academia Paulista de Direito.