(O Estado de S.Paulo)
Passada a emoção da morte do mais sanguinário ditador das Américas, que provocou as mais variadas manifestações de tristeza dos decadentes movimentos da esquerda mundial, mister se faz uma análise fria sobre os anos de chumbo em que vivia e vive o povo cubano, os quais se vêm prolongando desde fins da década de 1950, quando Fidel Castro assumiu o poder na infeliz ilha caribenha.
O primeiro ponto a destacar é a falta de respeito aos direitos humanos. Brutalmente, foram fuzilados, ao estilo da era do Terror da Revolução Francesa, sem julgamento nem direito de defesa, milhares de cubanos, nos famosos paredóns. De 1792 a 1794, quando Robespierre assumiu o controle do governo francês, dezenas de milhares de pessoas foram guilhotinadas, condenadas por tribunais populares. Fidel substituiu as guilhotinas pelos paredóns e fuzilamentos em massa.
Naquela época, nos meus primeiros anos de advocacia, em que era ainda popular tomar a bebida denominada Cuba Libre, era hábito pedir nos bares “Cuba sem Fidel”, pois a ditadura lá se instalou desde os primeiros momentos.
Igor Gielow, comparando diversos arquivos de várias instituições e adotando o considerado mais conservador, apresenta 7.326 mortos ou desaparecidos nas prisões cubanas (quase 6 mil fuzilados em paredóns), não se incluindo nesse número os afogados nas tentativas de fuga da ilha, ou seja, 65 mortos por grupos de 100 mil habitantes. Pelos mesmos critérios, o Chile assassinou, sob Pinochet, 23,2 para cada 100 mil habitantes; o Paraguai, sob Stroessner, 10,4; o Uruguai, 7,6; a Argentina, 30,9, no regime militar; a Bolívia, 6,2; e o Brasil, 0,3. É de lembrar que no período militar brasileiro foram mencionados pela Comissão da Verdade 434 mortos ou desaparecidos, negando-se aquela comissão a apurar as 129 mortes provocadas pelos guerrilheiros, algumas em atentados terroristas em logradouros públicos. Por isso foi alcunhada de “Comissão da Meia Verdade”. É certo que, sob o domínio de Raúl Castro, a letalidade do governo cubano caiu, havendo registro de 264 vítimas de 2006 para cá (Folha de S.Paulo, 1.º/12/216).
O segundo aspecto a ser estudado é o da liberdade. Em artigo que publiquei, O neoescravagismo cubano (Folha, 17/2/2014), observei que, após ler o contrato dos médicos cubanos com o governo brasileiro, nele encontrei cláusulas de proibição de receberem no Brasil qualquer visita, mesmo de parentes, sem que houvesse antes autorização de autoridades cubanas. Eles também ficavam com apenas um quarto do salário e transferiam para o governo fidelista três quartos. Mantinha a ditadura, por garantia, seus familiares em Cuba, como reféns, para que voltassem à ilha, eliminando assim o eventual desejo de pedirem asilo às autoridades brasileiras. Talvez nenhum símbolo seja tão atentatório à dignidade da pessoa humana como os termos desse contrato, aceito pelo governo da presidente Dilma Rousseff sem discussão. Não sem razão, o ex-presidente Lula disse ter perdido, com a morte de Fidel, “um irmão mais velho”; José Dirceu declarou, no passado, “ser mais cubano que brasileiro”; e Marco Aurélio Garcia chegou a afirmar que havia “mais democracia em Cuba que nos Estados Unidos”, num de seus costumeiros arroubos.
Quanto à economia, conseguiram os Castros levar sua população à miséria, com salários inferiores à Bolsa Família para a esmagadora maioria dela, independentemente da qualificação profissional. No momento em que ruiu o império soviético e a ilha deixou de ser mantida economicamente pela Rússia, assim como quando desmoronou a equivocada economia Venezuelana, com a perda de apoio do regime chavista – talvez Hugo Chávez ainda estivesse vivo se tivesse ido se tratar em hospitais americanos, e não cubanos –, a economia do país, sem tecnologia, indústria de ponta e investimentos de expressão, viu-se e vê-se sem horizontes, implorando aos americanos apoio para sobreviver, num mundo cada vez mais competitivo.
Politicamente, em lugar de adotarem o modelo chinês, de uma esquerda política e uma direita econômica, o que permitiu à China pular de uma economia com PIB inferior ao do Brasil no início dos anos 1990 para a segunda economia do mundo 20 e poucos anos depois, continuaram, num estilo menos estridente que o do tiranete Nicolás Maduro, a defender o fracasso comprovado, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, das teses marxistas, com o que o futuro da ilha está dependendo ou da abertura democrática ou do auxílio externo, pouco provável no mundo em que vivemos.
Fidel Castro instalou a mais longeva ditadura das Américas, só possível por ser pequena a população de seu país e rígido o controle das pessoas, sem liberdade para pensar algo diferente do que pensam as classes dominantes. E os saudosistas brasileiros de uma esquerda mergulhada no maior escândalo de corrupção da História do mundo lamentaram a perda do ditador, cujo irmão, no poder, vê seu mais forte aliado, o incompetente Maduro, verdadeiro exterminador do futuro imediato da Venezuela, mantendo-se à frente de seu governo graças às decisões de um Poder Judiciário escolhido por um Parlamento derrotado, às vésperas de ser substituído, e que se tornou capacho do Executivo.
Friamente examinando o período de domínio do tirano insular, há de se convir que sua figura, para os historiadores que virão, será a de líder cruel e sanguinário, cujo carisma oratório empolgou, todavia, toda uma geração de jovens, a qual acreditou que a melhor forma de combater as injustiças sociais não seria criar empregos e progresso, mas apropriar-se dos bens alheios, mesmo à custa da violência e da destruição dos valores democráticos. Felizmente, essa ilusão começa a ser desfeita, em todos os continentes, pois as ideologias, corruptelas das ideias, não produzem desenvolvimento, mas apenas decepção e sofrimento.