(Correio Braziliense)

O Instituto Roberto Simonsen (IRS), braço cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), coordena os trabalhos dos Conselhos Superiores Temáticos da entidade. Na reunião do Conselho Superior de Orientação Política e Social realizada em 19 de agosto de 1991 para análise da conjuntura política do País, o saudoso Professor Miguel Reale teve a oportunidade de manifestar-se sobre o risco que havia em considerar-se vigente a Lei Federal 1.079, de 1950, por considerá-la incompatível com o novo texto constitucional (Constituição Federal de 1988).

Pareceu ao mestre que a Constituição de 1988 veio disciplinar o impeachment do presidente da República segundo um sistema que em parte nos faz retornar à Constituição de 1891, mas com mais clara determinação das atribuições, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, cabendo à Câmara editar um Juízo Político quanto à admissibilidade da acusação apresentada, tendo o Senado Federal competência exclusiva para o processo e julgamento do acusado. Reale assinalou, reforçando tal afirmativa, que somente depois da instauração do processo pelo Senado que o presidente da República é suspenso de suas funções por 180 dias, “enquanto que no sistema anterior, esse afastamento dava-se como consequência imediata da decisão da Câmara”.

Daí, o professor Miguel Reale considerava incompatível a chamada lei do impeachment com a Constituição de 1988, entendendo que cumpria à Câmara dos Deputados suprir a lacuna legal de conformidade com os princípios da Constituição de 1988, os quais, a seu ver, “importam no abandono do duplo judicium previsto na Constituição de 1946 e mantido pela de 1969, com dois processos sucessivos, um na Câmara dos Deputados, para considerar “admissível a acusação”, e outro no Senado, para seu julgamento final.

Com toda razão, o Conselho Político, acolheu o entendimento sustentado por Reale, defendendo o disposto na atual Constituição que estabelece a unidade do processo e julgamento pelo Senado, sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, como decorrência do prévio pronunciamento da Câmara dos Deputados sobre a admissibilidade da denuncia após a sua devida instrução.

Na comentada reunião do Conselho Político do IRS, o professor Reale afirmou esperar que a Câmara dos Deputados, em obediência à Constituição de 1988, não mais intimasse o Presidente da República para oferecer sua defesa e produzir provas, como previsto na Lei 1.079, apegada ao modelo processual comum, “inaplicável ao caso”, mas se limitasse a dar-lhe conhecimento da denúncia, para oferecimento de explicações. Caso contrário, alertava Reale, “além de haver inútil duplicidade de fase probatória, haveria o risco de ser erguida a incompetência da Câmara para instaurar o processo, decretando-se sua nulidade ab initio” (De olhos no Brasil e no Mundo – p.164).

Reale lembrava que o processo de impeachment do presidente Collor obedeceu à tramitação por ele sugerida e não à sustentada pelos demais juristas.

Outro ponto que merece ser destacado é o princípio estabelecido no artigo 52, parágrafo único da Constituição de 1988:

“Compete privativamente ao Senado Federal: Parágrafo único - Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da fração pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

A decisão do Senado Federal, na sessão de 31 de agosto último, ofendeu a Constituição da República Federativa do Brasil, que é a Lei Suprema não cabendo contra os seus dispositivos qualquer outra interpretação. O Senado, por 64 votos acolheu a denuncia por crime de responsabilidade e decretou a perda do cargo da presidente da República, mas deixou de cumprir o dispositivo do artigo 52, parágrafo único, deixando de inabilitá-la por oito anos, para o exercício de função pública.