andre luiz costa 26sRecente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre manifestações políticas em espaços públicos (universidades) aprofundou a discussão sobre o sentido e os limites da liberdade de expressão em nosso sistema constitucional. Na decisão, o STF utilizou-se do argumento de que, no espaço universitário, devem prevalecer a liberdade de expressão e a autonomia universitária sobre o dever de igualdade política de candidatos no período eleitoral. A Suprema Corte conferiu à liberdade de expressão o sentido de plena autonomia - talvez, impactado pela suposta autonomia administrativa reconhecida constitucionalmente às universidades.

Mas os conceitos de liberdade e de autonomia são distintos. Autonomia é o poder que uma pessoa ou órgão tem para agir como bem quiser, livre de quaisquer restrições ou ameaças impostas por terceiros ou por uma comunidade política. Liberdade é o poder de atuação conferido a uma pessoa para que possa agir segundo sua vontade e determinação, desde que respeitados os limites impostos pelas normas legais - as quais visam resguardar o exercício da liberdade aos demais agentes em uma dada sociedade. Liberdade não é autonomia total, mas uma autonomia substancial. Logo, o exercício de qualquer liberdade será sempre mais restrito que a amplitude da autonomia humana em um Estado de Direito.

Indivíduos e agentes públicos não possuem autonomia em um Estado de Direito porque suas ações são restringidas pela força da lei, a qual restringe a autonomia de um para possibilitar o exercício da liberdade pelos demais e possibilita com que todos possam se desenvolver e exprimir sua personalidade da forma mais completa possível.

O conceito constitucional de liberdade é ligado aos direitos de defesa perante Estado demais membros da sociedade porque ao indivíduo livre é garantido o direito de se defender de possíveis abusos cometidos por outros indivíduos ou pelo próprio Estado (seja por seus agentes, políticas, polícias ou por suas decisões).

A liberdade é, assim, um dos mais importantes esteios constitucionais de qualquer Estado democrático porque não há democracia sem liberdade e não há liberdade sem liberdade de expressão.

A liberdade de expressão deve proteger e possibilitar com que minorias e maiorias tenham igualdade de oportunidade para influenciar os demais membros da sociedade por seus discursos. Para tanto requer neutralidade do conteúdo e proteção ao discurso ofensivo. Em outra perspectiva, deve possibilitar a proteção dos ouvintes em face da força ilegítima de determinados grupos sociais. Prevalecendo sempre a perspectiva igualitária da liberdade de expressão.

Tais perspectivas justificam que: determinados conteúdos não estejam protegidos pela liberdade de expressão como liberdade porque afrontam o interesse público ou direitos de terceiros, que ninguém seja obrigado a financiar um discurso contrário aos seus interesses e que não prevaleça a liberdade de expressão quando não há liberdade do ouvinte em não participar de um discurso ofensivo à sua consciência. Nesse sentido, a liberdade de expressão deve proibir com que atos discriminatórios, ofensivos ou violentos sejam realizados porque o valor da liberdade de expressão depende de uma cultura de respeito mútuo e de ponderações sobre a própria igualdade.

Como a liberdade de expressão permite o acesso à informação e ao conhecimento de visões distintas, o seu exercício igualitário deve possibilitar com que o ouvinte determine se quer ou não participar do discurso do outro porque se não houver o mínimo de autonomia por parte do ouvinte em decidir se quer ou não participar desse não haverá liberdade de expressão, mas somente uma autonomia de expressão de quem quer emitir seus pontos de vistas àqueles ao invés de uma verdadeira liberdade de expressão para ambos.

Logo, se a audiência for cativa - como em escolas - não é tolerável que se confira autonomia de expressão ao invés de se proteger a liberdade de expressão dos ouvintes em não participar de qualquer discurso de ódio, de doutrinação ou de apologia político-partidária porque a liberdade de expressão inclui tanto a liberdade de expressar um ponto de vista a outros como a de receber ou não quaisquer desses.

Dessa forma, para a preservação de nosso Estado de Direito, anseio que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento de ações relacionadas à liberdade de expressão (como nas ações sobre o "Escola sem partido"), reconheça a liberdade de expressão como valor e garantia fundamental e que confirme a possibilidade de que os ouvintes têm o direito de não querer participar de qualquer discurso de ódio, de doutrinação ou de apologia político-partidária.

André L. Costa-Corrêa é jurista, professor de direito constitucional e pesquisador no Centro Didático Euroamericano sulle Politiche Constituzionali (Itália).