(Jornal o Estado de São Paulo, – pág. A2)
Visto como mais um passo para o reequilíbrio das contas públicas, o recém-anunciado contingenciamento nos gastos federais atingiu fortemente o Ministério da Educação, dono do maior orçamento entre as 39 pastas que compõem a administração Dilma Rousseff. O MEC deverá amargar uma perda de R$ 587 milhões por mês em despesas de custeio, pelo menos até a aprovação da proposta do orçamento geral da União, que saiu do Palácio do Planalto somando R$ 2,86 trilhões (R$ 1,1 trilhão, excluídos os encargos da dívida pública) e está empacada no Congresso Nacional. Só após sua aprovação, prevista para o final de fevereiro, o governo federal definirá dos cortes que pretende fazer para atingir a meta de poupar R$ 66,3 bilhões a título de superávit primário.
Mesmo que o orçamento geral saia mais robusto do que se prevê, 2015 não se anuncia como um ano fácil, com bons ventos para inflar o desenvolvimento. Ao contrário, o futuro próximo está ensombrecido pelas perspectivas de aumento de tributos, queda na produção industrial, reajustes de tarifas públicas, fantasma da inflação, além da sensação de que a sucessão de escândalos de corrupção ainda está longe de chegar ao fim. Nesse cenário, vale relembrar alguns fatos e análises que pontuaram o noticiário do ano passado para deles extrair lições que possam atenuar o impacto negativo de tantos problemas. Um deles é a prioridade que deve ser dada à boa gestão dos recursos públicos para a consequente melhora dos serviços prestados aos cidadãos pagadores de impostos.
Um caso, pinçado na área da educação, vale como exemplo. A Controladoria Geral da União (CGU) debruçou-se sobre os demonstrativos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que despeja uma generosa chuva de recursos na rede pública de ensino, para cobrir despesas como transporte e merenda de alunos, compra de equipamentos e pagamento de professores. Duas conclusões causaram indignação. A primeira: em 73% dos 180 municípios investigados, ocorreram sérias irregularidades e há estados que sequer atingiram os patamares médios de qualidade, até com registro de retrocessos, caso do Pará e do Piauí. Os ralos sãos os mesmos velhos conhecidos dos brasileiros: fraudes nas licitações, desvios para financiamento de campanha, notas fiscais frias e outras maracutaias. A segunda conclusão: entre 2007 e 2013, o total dos repasses do Fundeb quase duplicou, saltando de R$ 67 bilhões para R$ 116 bilhões. Como o número de alunos não cresceu tanto e a qualidade do ensino sobe em marcha lentíssima, não é descabido supor que dinheiro não é o único – talvez nem o grande – problema da educação (e certamente nem de muitos outros campos), mas o nó está na falta de fiscalização eficaz, de gestão competente e de ética no trato da coisa pública.
Outra questão relevante veio de anos anteriores, permeou todo 2014 e ainda reverbera, gerando intranquilidade na rede de proteção às pessoas carentes mantida pelo terceiro setor. Trata-se das mudanças na política nacional de assistência social, que geraram um debate salutar sobre a ação do estado versus o papel da sociedade civil na realização de ações sociais. De um lado, está a visão monopolista, segundo a qual a assistência social seria um dever quase exclusivo do estado. De outro, estão os defensores da rede de entidade beneficentes, muitas das quais aperfeiçoaram a qualidade do atendimento, ao mesclar a atuação de equipes profissionalizadas e especializadas ao tradicional e generoso voluntariado, que sempre marcou a atuação das entidades filantrópicas.
Com forte vocação para parcerias, elas se alinham aos órgãos públicos, suplementam e, muitas vezes, até substituem, a ação do estado no resgate de pessoas em situação de vulnerabilidade e de risco. Para tanto, contam com recursos que são oriundos em conjunto por receitas próprias e pela
contrapartida de imunidades fiscais. Aliás, imunidades garantidas pela mesma Constituição de 1988 que, em seu artigo 204, determina que a esfera federal coordene e normatize os programas de assistência social e que a sua execução fique a cargo dos estados e municípios, bem com de entidades beneficentes e de assistência social.
Sem negar o valor de programas oficiais voltados às camadas mais pobres, como a bolsa-família e diversas outras, é preciso reconhecer que a tarefa de assegurar protagonismo e autonomia às pessoas carentes ou em situação de risco vai além da capacidade da administração pública, tal a enormidade da demanda e à amplitude e complexidade de um eficaz processo de inclusão social. É ponto pacífico que os direitos cidadãos básicos virão, entre outros fatores fundamentais, da conjugação educação e trabalho. As entidades filantrópicas, sérias e capacitadas, têm forte potencial para aliviar os cofres públicos dos custos de bons serviços prestados nas áreas da saúde, da educação, da qualificação profissional e de tantas outras marcadas por fortes carências. Com um detalhe importante: não encaram seu trabalho como sinônimo de caridade, por mais nobre que seja essa virtude. Pretendem, isso sim, propiciar o acesso aos direitos de cidadania aos milhões de pessoas que a elas recorrem, pois não encontram atendimento às suas necessidades nem no âmbito do poder público nem na esfera da iniciativa privada.
Por essas e outras razões não difíceis de reconhecer, uma visão moderna e nada paternalista indica que a assistência social não deve ser monopólio deste ou daquele setor, mas, sim, um dever de toda a sociedade. Até porque os resultados seriam mais rápidos e eficazes se as entidades filantrópicas pudessem atuar, com tranquilidade, numa rede de proteção assistencial, sob a coordenação e fiscalização do poder público, como estabelece a Constituição Federal. Essa, sim, seria uma boa notícia para este início de ano.