O título do artigo é identificado com gostosa crítica de Lima Barreto, mulato, pobre e de enorme talento com o qual combateu oligarquias, racismo e desigualdade social. Imaginou um país – Bruzundanga, em que prevalecia a corrupção, os desmandos, o ufanismo barato e a picaretagem.
Evidente que se cuidava de uma paródia sobre o Brasil. O texto é de 1917, mas parece ter sido escrito hoje. O grande escritor conhecia como poucos a alma brasileira. O exercício de cargos públicos com interesses meramente financeiros. Aproveitar-se do erário. Das vantagens que as funções oferecem. O desinteresse pela pobreza.
Um deputado que entendia de finanças públicas foi encarregado de aumentar as receitas públicas. Fácil: elevar a tributação de determinados produtos necessários à população, elevar alíquotas, mas, vejam que brilhante, isentar o champagne.
A crítica que lhe foi feita da tribuna foi contundente: “Vossa excelência quer matar de fome o povo da Bruzundanga, gritou um deputado. A resposta veio rápida: “mesmo que viessem a morrer muitos, seria até um benefício”, responde. “É que o preço da oferta é regulado pela procura e, desde que a procura diminua com a morte de muitos, o preço dos gêneros baixará fatalmente”.
A tributação sobre tecidos daria um ar elegante a todos e a elevação do custo das passagens faria diminuir passeios, bailes e festas, obstando encontros de namoradas, procura de casas suspeitas, o que faria diminuir adultérios e seduções.
Em suma, a cada questão sensata sobrevinha uma resposta absurda, mas enaltecedora do plano de elevação tributária.
Mato e sufoco o povo, mas mantenho as aparências para os estrangeiros; liquido empresas estatais, mas equilibro o orçamento público; endivido o país, mas mantenho políticas aniquiladoras do orçamento.
O caricato da história dá bem ideia de como funcionam as coisas, não apenas em Bruzundanga, mas também no Brasil. Mudam os nomes, mas o comportamento e as condutas políticas são as mesmas.
Tanto aqui, como na longínqua terra dos bruzundangas, os privilégios existem, as prerrogativas funcionais também, as fortunas feitas à custa da espoliação particular ou pública ocorrem, os fraudadores do erário pululam. São desmandos que todos sabem, de jornalistas a curiosos. A República está farta em seus ubres produtivos e todos neles mamam.
O povo assiste a tudo inconformado, mas, por vezes, recebe benesses e esmolas feitas também com os cofres públicos. Acalmam-se, sentem-se “amparados” pelos poderes públicos, por deputados, senadores, prefeitos e governadores. Vereadores, então, nem pensar. Todos acorrem à população com gestos de socorro e de solicitude. Nada resolvem. Mas, iludem-no com boa dose de promessas, acenos, carinhos...
Pobre povo. O “doutor” é chave para todas as portas. O discurso é ilusório. As campanhas eleitores são altamente corrompidas. O sistema político-partidário não é mudado, porque não convém a lideranças sindicais e religiosas. É a mamata que não pode terminar.
Os desvios do erário são permanentes, diários e a ninguém se presta contas. Por outra, presta-se, mas ninguém de fato controla. Fantasias, carimbos (lembram-se deles?), pompas de posse, discursos intermináveis e, de vez em quando, alguma pequena realização para dizer que o governo existe.
Não estou falando de Bruzundangas.