“O Estado de São Paulo”, edição de 3 de Fevereiro, publica matéria alusiva ao filme “Mães Paralelas”, de Pedro Almodóvar, exibido em Los Angeles em Novembro do ano passado, no Festival do Instituto de Cinema Americano. De acordo com o “Estadão”, trata-se do primeiro longa de Almodóvar a usar como pano de fundo “atrocidades vividas pela Espanha nos anos 1.930.”
De plano deve ser dito que toda guerra civil é cruel. Sucede que, entre todas as guerras civis, a espanhola foi particularmente renhida, violenta e cruel. Penso que muitos fatores étnicos e culturais contribuíram para que a Guerra Civil Espanhola tenha sido a mais terrível das lutas intestinas da História. Em primeiro lugar, ao longo dos séculos a Península Ibérica foi um ponto de passagem das invasões da Europa que demandavam a África, e das invasões da África que tinham por alvo a Europa. E isto dotou os povos peninsulares de uma certa propensão para a guerra e a violência. Algo de análogo pode ser observado relativamente a uma outra região de passagem, que são os Balcãs.
A Reconquista, desde Covadonga à rendição de Granada, marcou também indelevelmente a alma espanhola, tendo Faber assinalado que a Península Ibérica é uma região de eterna cruzada. E vários autores já apontaram certa tendência espanhola para o conflito. Miguel de Unamuno asseverou não saber se Cervantes teve existência real, mas que D. Quixote tivesse existido na Espanha, disto não podia haver nenhuma dúvida... e Hellmuth Günther Dahms, ao tratar da Guerra Civil, afirma com lastro em Wilhelm Lukas Kristi que as chaves para a compreensão da alma espanhola são o culto das touradas e o da Virgem Maria. Há no espanhol, pois, a mais elevada espiritualidade e a mais brutal sanguinolência. Razão assiste ao historiador tedesco, porquanto o componente do misticismo não pode ser isolado da violência hispânica. Diria que a força espiritual tonifica a muscular. E isto foi percebido por Cervantes no epitáfio de D. Quixote, escrito pelo Bacharel Sansão Carrasco.
Com todos esses condicionamentos seria de se esperar que a luta que se travou de 1936 a 1938, fosse violenta e cruel ao extremo. E aqui entra a motivação desses comentários. A violência e a crueldade não foram um apanágio só dos nacionalistas, ou só dos republicanos. Houve excessos de ambas as facções beligerantes, não sendo possível falar dos “bons” e dos “maus.”
Na matéria de “O Estado de São Paulo” ora comentada, há um artigo de Luiz Zanin Oricchio e um de Luiz Carlos Merten, ambos alusivos ao novo filme de Almodóvar. A tônica dos dois articulistas é a de que os nacionalistas foram uns monstros malvados, e os republicanos, as inocentes vítimas do Fascismo... ora, isto refoge à verdade histórica, e comprova o que venho repetindo, no sentido de que “a mentira é endêmica nas esquerdas.” Até mesmo Hugh Thomas, mais simpático aos republicanos do que aos nacionalistas, em seu livro sobre a Guerra Civil Espanhola mostra fotografias de igrejas de Madrid saqueadas pelos primeiros...
Luiz Zanin Oricchio, ao escrever sobre o governo de Franco, fala de “um regime assassino, carola e tacanho como foi o fascismo franquista.” Ora, é incorreto do ponto de vista da Ciência Política, falar de um “Fascismo Franquista.” Como ensina Francisco Pedro Jucá, tanto o Franquismo quanto o Salazarismo foram muito mais um “Nacional-Catolicismo” do que um “Fascismo.” Em segundo lugar, é preciso fazer justiça ao Generalíssimo Francisco Franco. Ao restaurar a monarquia, ele evitou a eclosão de uma nova guerra civil no país, unido sob a Casa de Borbón. Além do mais, o regime por ele instaurado possibilitou o surgimento de uma classe média até então inexistente na Espanha. Deve-se ainda a Franco a realização da mais perfeita e eficaz reforma agrária até hoje feita em todo o mundo, como o salienta Maria Cecília Ladeira, uma ilustre jus-agrarista brasileira. E, com tudo isto, foi Franco quem trouxe a Espanha para a modernidade, preparando-a para a integração à comunidade europeia. Em uma palavra, Francisco Franco foi um grande estadista.
O “leit-motiv” do filme de Almodóvar é a existência de sepulturas anônimas de combatentes republicanos, que teriam sido enterrados em valas comuns pelos nacionalistas. Sem dúvida isto ocorreu, como aconteceram sepultamentos de combatentes nacionalistas em valas comuns, depois de serem eles mortos pelos republicanos. Isto tudo era inevitável em um conflito das proporções da Guerra Civil Espanhola. E a propósito dos mortos na luta, houve uma atitude de Franco que denota largueza de visão e espírito conciliatório. Alguns nacionalistas mais extremados desejavam que no cemitério de “Vale dos Caídos” fossem sepultados somente os que haviam se oposto aos republicanos. Franco determinou que todos, misturados, fossem lá repousar, ao argumento de que todos eram espanhóis!...
Como me parece óbvio, na análise de um acontecimento histórico da magnitude da Guerra Civil Espanhola, é preciso que o estudioso esteja armado da honestidade intelectual que parece faltar aos senhores Almodóvar, Oricchio e Merten...