Acabo de finalizar a leitura da obra “Contra O Sistema Da Corrupção”, do ex-Juiz Federal e ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Fernando Moro (Rio de Janeiro, Primeira Pessoa, 2021). Em parte biográfico, porém com uma grande ênfase para a atividade profissional do autor, “Contra O Sistema Da Corrupção” é um livro que deveria ser lido por todos os brasileiros, uma vez que todos nós somos vítimas da corrupção endêmica que assola estes tristes trópicos há muitas décadas...

acacio vaz de lima filho 60Sergio Moro não é um notável estilista. Sabe disto e limita-se a relatar os fatos contidos no livro com clareza, concisão e simplicidade. E há um dado fundamental para uma obra que, como a que ele escreveu, é um livro de combate: Todas as assertivas do autor são embasadas em provas, cristalinas e irretorquíveis. E por falar daquilo de que tem provas, o ex-Ministro da Justiça revela uma imperturbável serenidade em todo o seu relato.

A Operação Lava Jato, nascida em 2014, foi a maior investigação contra a corrupção já realizada em terras brasileiras. E o livro de Sergio Moro revela, com minúcias, como o sistema da corrupção funciona, com a transparente revelação do que houve nos bastidores da investigação. Embora seja um homem discreto, o autor graças ao seu protagonismo na famosa operação, ganhou um renome nacional e, até, internacional.

Magistrado que estava a fazer uma brilhante carreira, Sergio Moro aceitou o convite de Jair Bolsonaro para integrar o governo federal. E escreve a respeito, de maneira singela: “Sem maiores mistérios, vi o convite para integrar o governo federal como uma oportunidade de evitar retrocessos no combate à corrupção e até mesmo avançar com essa agenda no Poder Executivo. Acreditava que, como ministro em Brasília, poderia fazer mais do que fizera em Curitiba como juiz.” (p. 125).

Confessa o autor que, ao assumir o cargo de Ministro da Justiça, estava focado em três itens prioritários: consolidar os avanços anticorrupção, intensificar o combate ao crime organizado e reduzir a criminalidade violenta. E Moro acreditava no cumprimento dessa agenda, pois que o Presidente Bolsonaro, ao convidá-lo para integrar o governo, lhe garantira “carta branca” para organizar a sua equipe no Ministério da Justiça, e para atuar segundo o seu próprio critério.

Muito cedo o novel Ministro da Justiça se convenceu de que a luta contra a corrupção, trombeteada aos quatro cantos pelo candidato Jair Bolsonaro, não havia passado de retórica de campanha eleitoral, sem qualquer correspondência com os atos do Presidente da República... este interferia indevidamente nas nomeações para os cargos diretivos da Polícia Federal. Não satisfeito com isto, retirou o “Conselho de Controle de Atividades Financeiras”, o “Coaf” do Ministério da Justiça. Como é óbvio, isto correspondeu, na prática, a debilitar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, e o próprio Ministro Sergio Moro, no combate à corrupção.

Ao perceber que a sua permanência como Ministro era incompatível com os brios de um homem de bem, e que se guia por princípios éticos, o autor de “Contra O Sistema Da Corrupção” saiu do governo, e passou a atuar na iniciativa privada. Como ele próprio confessa, aceitou ser Ministro em nome dos seus princípios, e deixou de ser Ministro, para não se afastar de tais princípios. Assim atuam os homens probos, aqueles que, no dizer de Plinio Salgado, entre um lugar no governo e um lugar na História, preferem este último...

A Lava Jato serviu para o Brasil despertar de uma letargia de décadas, relativamente à corrupção e ao combate a ela. Só que nos falta admitir uma verdade básica: A de que a corrupção entre nós não é um problema conjuntural, mas sim estrutural... enquanto o Brasil abraçar um modelo político divorciado das suas tradições históricas, e enquanto o país utilizar um tipo de representação política falseada, não haverá meios de combater com eficácia os males da corrupção. E, como é evidente, todo o nosso sistema recursal, que premia os delinquentes ricos, tem que ser revisto.

Sergio Moro lutou, e aparentemente perdeu. Se pode ser acusado de alguma coisa, que seja acusado de boa-fé, pois os homens dignos julgam os outros pelos seus padrões. Ele é um homem honesto, o “vir probus” do Direito Romano. Seja como for, a semente foi lançada. E ficou demonstrado que é possível punir corruptos, ainda que poderosos e encastelados em altos postos...

 

*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da Cadeira nº 60 – Patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva