Sequência de tragédias climáticas no país evidenciam a necessidade de se levar o tema a sério e discutir políticas públicas efetivas de prevenção, escreve Roberto Livianu.
Neymar e Luana Piovani engalfinharam-se nas redes sociais por causa da chamada PEC da privatização das praias. O boleiro anunciou parceria com uma construtora para um condomínio à beira-mar. Neymar chegou a afirmar que processará judicialmente Luana em virtude das afirmações feitas por ela. É possível até que este embate entre as duas figuras públicas contribua decisivamente para enterrar esta famigerada proposição, que tramitava nas sombras.
O Senado inicia a discussão da proposta, já aprovada na Câmara, que causa controvérsias. A proposição é considerada uma forma de privatizar praias, áreas atualmente pertencentes à União.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, de forma apropriada, já anuncia que haverá discussões em audiências públicas e o tema não será votado de afogadilho, uma vez que o acesso às praias está em jogo, por mais que alguns políticos afirmem que não se trata de iniciativa voltada à privatização das praias. Se elas se tornarem inacessíveis o resultado será, na prática, o mesmo.
Hoje, os chamados terrenos de marinha compreendem a faixa litorânea entre a linha imaginária da média das marés de 1831 e 33 metros para o interior do continente, as quais pertencem à União e deveriam ser cuidadas pela SPU (Secretaria do Patrimônio da União).
Na prática, infelizmente, muitos particulares e empresários hoteleiros impunemente e de forma irregular se apoderam de porções dessas áreas, exigindo das pessoas um pagamento para que ali permaneçam, o que é ilegal, havendo inércia da SPU.
Especialistas do PainelMar, plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, dizem não ver sentido em se vender lotes que podem “deixar de existir no futuro” pelo aumento do nível do mar. Dados da USP mostram que a elevação é de cerca de 4 milímetros por ano.
Além disso, proteger mangues e restingas ajuda a enfrentar mudanças climáticas, pois essas áreas agem como barreira natural, suavizando dramas como o dos gaúchos. Se essas áreas absorvedoras de carbono forem vendidas, a tendência é a degradação ambiental, que poderá fragilizar ainda mais comunidades tradicionais dependentes do ecossistema marinho para sobreviver –populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e indígenas.
Estudo do Ministério do Meio Ambiente, de 2018 mostra “avançado processo erosivo em 40% da costa brasileira”. De acordo com o PainelMar, a erosão aumentará, causando “estreitamento da costa […] até o colapso do turismo com a supressão das praias”.
O Ministério dos Povos Indígenas diz que “a gestão tradicional promovida pelas comunidades indígenas, embasada em conhecimento sócio-tecno-ecológico profundo, resulta em práticas de conservação sustentável que impedem a degradação ambiental, a extinção de espécies e contribuem com a desaceleração das mudanças climáticas”.
Especialistas identificam no projeto “grande lobby” do setor turístico de resorts, de vendedores de produtos de praia, em barracas e quiosques.
Em tempos do drama gaúcho, em que a falta de planejamento, prevenção e política climática evidenciam o descaso do Poder Público em relação ao meio ambiente, tais episódios ganham ainda mais relevância, especialmente se nos lembrarmos da histórica frase do ex-ministro Ricardo Salles, propondo o sucateamento das leis ambientais “de boiada” enquanto os brasileiros sofriam outro drama –da pandemia de covid-19.
Aliás, sobre o tema política pública na esfera climática, das 26 capitais dos Estados brasileiros, 15 delas não têm plano municipal de mudanças climáticas. O instrumento, voltado ao enfrentamento e prevenção de tragédias, é vital para evitarmos desastres maiores.
O dado consta de levantamento do IJSN (Instituto Jones dos Santos Neves), autarquia vinculada ao governo do Espírito Santo, com base nas informações disponíveis nos sites oficiais das prefeituras. Brasília também foi avaliada no estudo e tem plano disponível na internet.
As capitais dos Estados sem plano são: Porto Alegre (RS), Vitória (ES), Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Maceió (AL), Aracaju (SE), Natal (RN), São Luís (MA), Belém (PA), Manaus (AM), Macapá (AP), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Palmas (TO).
Nos municípios, a maioria das medidas concretas climáticas se concretizarão, com apoio estadual e federal e da sociedade civil para elaboração de estudos e ações preventivas. Os planos municipais de enfrentamento precisam abranger a mitigação e, principalmente, a adaptação, com a previsão de meios para implementar o que for planejado. As cidades têm de elaborar, também, os planos de contingência requeridos pela legislação de proteção e defesa civil, segundo especialistas.
A análise crítica do posicionamento dos gestores dos municípios e seus vereadores bem como a construção de políticas de gestão climática representam mais um importante indicador a ser observado com atenção pelos eleitores nas eleições que ocorrerão daqui a 4 meses. Que posicionamentos tiveram ao longo dos anos? Prestaram contas a esse respeito? Quais suas propostas concretas para o próximo mandato? Quais seus compromissos com a agenda climática e ambiental?
Depois das tragédias de Petrópolis, do litoral norte de São Paulo, o drama gaúcho precisa servir como divisor de águas na conscientização na temática ambiental e climática no Brasil. É essencial que se construam políticas públicas, sentando-se ao redor da mesma mesa, independentemente dos partidos, os municípios, os Estados e o governo federal, trabalhando juntos, pautando o meio ambiente e a crise climática, como prioridade máxima.