A classe empresarial valeu-se de préstimos de renomados tributaristas pátrios para defender a “tese do século” envolvendo nada menos que R$258,3 bilhões. Refiro-me à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, sob a singular argumentação de que o ICMS não é mercadoria passível de faturamento que é o fato gerador das contribuições sociais referidas. Dentro dessa linha de raciocínio a CSLL, que não é uma receita, deveria ser excluída da base de cálculo do imposto de renda. Mas, nesse caso, o STF disse não. Da mesma forma disse não em relação da exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB que tem o mesmo fato regador do PIS/COFINS. Difícil de entender esses tratamentos díspares. No mínimo, revela falta de critério jurídico nessas fantásticas decisões, comprometendo o princípio maior da segurança jurídica.
Pois bem, em maio de 2021, o STF julgou o embargos declaratórios nos autos do RE nº 574.706 para assentar a tese de que o valor do ICMS a ser deduzido da base de cálculo das contribuições sociais é aquele destacado em cada nota fiscal e que a restituição do indébito far-se-ia a partir de 15-3-2017, data de julgamento do aludido Recurso Extraordinário, ressalvadas as hipóteses de ações judiciais intentadas até a data do citado julgamento.
Ora, o valor do ICMS a ser excluído só poderia ser aquele embutido no preço da mercadoria, vale dizer, na base de cálculo do PIS/COFINS que representa um valor de R$14,75 para cada mercadoria no valor de R$100,00, e não R$18,00 que representa a aplicação da alíquota de 18% sobre o preço que já contém o valor do ICMS embutido. Aliás, a própria tese defendida pelos empresários diz respeito exatamente à “exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS-COFINS”, e não à “exclusão do ICMS destacado” que nada tem a ver com o ICMS embutido na base de cálculo.
E mais, essa decisão de ordenar a restituição do indébito tributário a empresários padece dos vícios da contradição.
No Brasil todo tributo indireto (PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS) tem o seu respectivo valor embutido no preço pago pelo consumidor final. Daí a regra do art. 166 do CTN que condiciona a restituição de tributo indireto à prova de que o contribuinte suportou o ônus do encargo tributário ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. Essa regra moralizadora foi simplesmente ignorada pela Corte Suprema que ordenou a restituição aos empresários como se estes tivessem arcado com o ônus do encargo tributário. Os empresários recebem de volta aquilo que eles não pagaram. Fantástico! São R$258,3 bilhões que saem dos cofres da União que deverão ser repostos por consumidores finais, de uma forma ou outra, pois, o governo não tem máquina de produzir riquezas, mas, apenas a de promover despesas.
Outra gritante contradição resulta da comparação com o acórdão proferido em sede de Habeas Corpus, quando se decidiu pela criminalização da conduta do devedor contumaz do ICMS, equiparando essa conduta àquela descrita no art. 2º, incido II da Lei nº 8.137/1990 (deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos).
Ora, essa construção pretoriana, que procedeu a uma equiparação atípica, parte do pressuposto de que o consumidor final pagou o valor do imposto embutido no preço e que o comerciante deixou de repassar ao Tesouro dele se apropriando. Da mesma forma, é o consumidor final quem paga o PIS/COFINS embutido no preço. O devedor contumaz do PIS/COFINS, igualmente, deveria ser punido criminalmente. Lembro-me, ainda, que durante o regime militar o governo criminalizou a conduta do devedor contumaz do IPI, por meio de um Decreto-lei. Todavia, o Supremo Tribunal Federal invalidou o referido diploma legal desqualificando a conduta criminalizada.
A final, quem é o legítimo destinatário da restituição de tributo indireto? Se entender que é o comerciante significa que o valor do tributo embutido no preço lhe pertence e, portanto, incogitável a figura de apropriação indébita a que alude o inciso II, do art. 2º da Lei nº 8.137/1990. Ninguém se apropria de algo que lhe pertence!
Na verdade, a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS importa em alterar o regime tributário vigente, de tributação por dentro para tributação por fora, que vigora nos Estados Unidos, Japão e outros países adiantados, onde se separa o preço pertencente ao comerciante do imposto destacado pertencente ao fisco. Nesse regime tudo é transparente, possibilitando a responsabilização tributária e penal imediata do comerciante que deixar de recolher no prazo legal o imposto destacado na nota fiscal. Não é o que acontece no Brasil, em que o valor destacado é meramente para efeitos contábeis-fiscais de crédito/débito, sendo que o valor do imposto está incluído no preço das mercadorias e dos serviços, para que o consumidor não possa saber o valor do tributo que está pagando em cada aquisição de mercadorias, ou contratação de serviços na contramão do princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.
Tentando remediar o maltrato ao princípio da transparência tributária sancionou-se a Lei que obriga os contribuintes a destacar na nota fiscal o valor provável de cada tributo em espécie. É mais uma burocracia inútil para tornar mais complexo o cumprimento das obrigações acessórias, pois, esses valores são necessariamente aleatórios! Como calcular, por exemplo, o valor do imposto de renda devido em cada operação de venda? Por que não se adota o regime de tributação por fora? Por que é muito simples? Por que é muito transparente? Por que torna fácil a condenação criminal?
Como me disse um Deputado na Comissão do Pacto Federativo onde estive participando de uma audiência pública: “a sua proposta é muito simples; é muito lógica; não vai passar”.
SP, 3-1-2022.