Resumo: O artigo aborda os impactos da corrupção sobre os direitos humanos. Será analisada a dificuldade de se encontrar um conceito único para esta que é um fenômeno social que se desdobra desde que o ser humano se organizou social e politicamente. Fundamental o seu reconhecimento como um aspecto que atinge negativamente os direitos humanos, não atendendo às necessidades dos mais pobres, maculando os valores democráticos. Daí a necessidade de um combate mediante instrumentos jurídicos nacionais e internacionais, proporcionando o real e legítimo bem-estar à humanidade, em consonância aos ideais democráticos. Questionar-se-á, a legitimidade de governos que se contrapõem a tais valores e no mesmo diapasão apontar-se-á a responsabilidade das grandes corporações nesse contexto, enquanto lancem mão de seu poderio econômico, estabelecendo mecanismos que também maculem os valores da sociedade organizada.

antonio ernani 63Abstract: The article addresses the impacts of corruption on human rights. It will be analyzed the difficulty of finding a unique concept for this which is a social phenomenon that unfolds since the human being organized socially and politically. Fundamental is its recognition as an aspect that adversely affects human rights, failing to meet the needs of the poorest, tarnishing democratic values. Hence the need for a fight through national and international legal instruments, providing real and legitimate well-being to humanity, in line with democratic ideals. It will be questioned, the legitimacy of governments that oppose such values and, in the same time, frame will be the responsibility of the big corporations in that context, as long as they use their economic power, establishing mechanisms that also impute the values of society organized.

1 Introdução; 2 Conceito de Corrupção; 3 Abordagem dos Tratados e Leis Internacionais para o Combate à Corrupção; 4 Causas da Corrupção e sua Agressão aos Direitos Humanos; 5 Um Estado Desonesto e um Poder Político Capturado pelo Poder Invisível; 6 A crise e o risco da democracia diante dos populismos de esquerda e de direita; 7 Considerações Finais 

  • Introdução

Ao refletir como a corrupção atinge frontalmente aos direitos humanos, em especial quando por meio de uma governança corporativa, seja em uma aliança espúria com empresários ou mesmo inter pares, mormente porquanto vise a obtenção de vantagens pessoais em face de interesses privados, é lamentável perceber que ainda apenas uma parte de seus feitos seja trazida à lume, em especial no que concerne ao seu alcance pela fundamental aplicação da pena e, sobretudo, pela necessária restituição dos valores desviados aos cofres públicos.

Neste momento em que, guiado pelo Direito, teço estas linhas para analisar tais comportamentos, também sou movido pelo clamor de justiça que suplica, protesta e reclama de minha parte um posicionamento, haja vista dia após dia testemunhar o desregramento moral no que concerne ao ignóbil gerenciamento do erário em detrimento de sua função específica, sobretudo em terras brasilis, traduzindo o desprezo que se nutre pelas leis, pelos princípios que norteiam a correta aplicação dos recursos financeiros públicos, sobretudo às esteios luminares da democracia.

Não à toa, chega-me ao pensamento as preciosas lições do Padre António Vieira por ocasião do Sermão do Bom Ladrão, pelas quais me permito lançar mão para ilustrar o jaez de tamanha indignidade face à alteração dos rumos por quem ocupe o ofício público, desvirtuando sua função original, maculando valores sempiternos.

A corrupção, como fenômeno social que é, atravessou os milênios solidificando a obtenção ilícita de benefícios a partir dos recursos públicos, em prejuízo ao suprimento das necessidades do povo. Os corruptos, sempre os teremos entre nós, agindo às ocultas, mediante a aplicação de subterfúgios, ávidos que são pelo aumento do patrimônio próprio em detrimento dos cidadãos; estes, sim, que deveriam se locupletar com os benefícios resultantes de investimentos nas áreas da educação, da saúde e da segurança.

O Padre António Vieira exemplifica a impiedade de tal furto ao comparar os corsários do mar com os de terra. Dizia que aqueles, contingentes, deles se poderia defender-se, em especial por dependerem dos ventos. Aos da terra, assinalou Vieira, “sempre têm por si a monção”, salientando a constância do periódico vento de ciclo anual. Deles, não se pode defender. E concluí, “[...] o corsário do mar pode o que pode: os da terra podem o que querem, e por isso nenhuma presa lhes escapa”.

Em que pese esta realidade anunciada por Vieira, os instrumentos legais de combate à corrupção têm sido cada vez mais aprimorados, haja vista a grave lesão impressa diretamente sobre os direitos humanos, submetendo populações à fome, à privação de necessidades básicas, resultando em um modus vivendi cruel e desumano.

No entanto, pode-se dizer também que, mediante uma deturpação do poder político, os interesses de grupos se renova a cada dia, imprimindo a bandeira dos direitos humanos apenas aos seus internos, aos seus cidadãos.

O artigo ora em destaque, após a apresentação da difícil abordagem do conceito de corrupção, tomando por base a multidisciplinariedade que lhe recaem as diferentes visões do fenômeno, abordará algumas vertentes em busca da compreensão dos fatos pelos quais corrupção, Estado, democracia e Direitos Humanos se entrelaçam, proporcionando o desvirtuamento de seus conceitos primevos.          

Em primeiro turno, apresentados os conceitos de corrupção, sobretudo alguns instrumentos legais de combate entre as organizações internacionais, cumpre-nos recorrer à compreensão de por que a corrupção ocorra, suas consequências diretas e, sobretudo, como acaba por agredir os direitos humanos.

Em segundo turno, ainda buscar-se-á apontar as razões pelas quais existe a corrupção do Estado e no Estado, e nesse tom desvelar-se o jogo desonesto havido entre grupos e governabilidades ilegítimas, resultando em uma verdadeira tirania, haja vista a ilegitimidade decorrente da desonestidade de seus dirigentes perverta o real e único compromisso democrático para com a sociedade.

Ato contínuo o artigo trará a realidade do poder político que fora capturado pelo poder invisível, a saber, o poder que busca o retorno à administração patrimonialista, que visa permanecer pelo viés unilateral e autoritário, em especial ao se aliar a empresas que se apresentam como agentes corruptores, ora um, ora outro, fazendo com que a transparência seja, quando muito, apenas um discurso de campanha eleitoral ou missão empresarial, respectivamente. Serão, portanto, expostas as maneiras como as empresas ocupam um papel fundamental neste lamiré, contribuindo para imprimir a mutação do sistema.

Por fim, procurar-se-á demonstrar a crise e o risco da democracia contemporânea em face dos populismos de esquerda e de direita, estes que radicalizam mediante propostas que se dizem justificadas em face do mundo tal qual como se encontra. A democracia liberal ou populismo de direita, por seu viés, demonstra o poder se deslegitimar em face da captura por interesses de grupos. De outro lado, a versão progressista ou populismo de esquerda, a pregar uma democracia radical, ou agonista, na trilha dos filósofos da Escola de Frankfurt.

  • Conceito de Corrupção

Sendo um fenômeno social que se perpetuou no tempo, não há uma só civilização que tenha deixado de experimentar os dissabores de seus resultados – e aqui leia-se, sobretudo, aqueles a quem ela atinge em face da deturpação de suas funções e do desvio de recursos públicos, negando-lhes os benefícios delas decorrentes.

Filósofos na antiguidade já tratavam do tema, tendo em vista a sua existência desde que o ser humano se organizou social e politicamente. Platão afirmava que o Estado ideal seria aquele regido pela ética de seus governantes, contudo, ao se debruçar sobre a realidade, concluíra que a supremacia dos interesses privados em detrimento dos interesses públicos era o que fazia o Estado corrupto. Já naquela época, o abuso de autoridade, o depoimento falso e o peculato eram conhecidos atos de corrupção.

Aristóteles via a corrupção como a “mudança que vai de algo até o não ser desse algo; absoluta quando vai da substância ao não ser da substância, específica quando vai para a especificação oposta”, demonstrando a completa alteração da naturalidade que se espera das atitudes, dos fatos, dos resultados, enfim.

Remetendo-nos à simples concepção de algo que se degrade, que se deturpe, que se adultere, no entanto, é por derivação, em sentido figurado, por atos que demonstrem a degradação de hábitos e a adulteração de meios e fins quando ocupados os cargos públicos, mediante abuso de poder para “subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia”, como bem define o dicionarista Antônio Houaiss, onde se encontra o conceito mais aplicado ao termo.

Uma unanimidade entre os doutrinaristas, a definição de corrupção não é tão simples quanto possa parecer, tendo em vista a sua variedade de perspectivas que a possam conceituar. Segundo se depreende da lição do professor de Ciências Sociais da Universidade da Califórnia, o Dr. Mark J. Farrales, ao questionar o que é, enfim, a corrupção, haja vista o intenso despertar pelo tema na virada do milênio, tão simples quanto possa parecer a pergunta, afirma não haver uma resposta clara e fácil.  

Segundo o professor emérito de Ciência Política na Universidade de Bolonha, Gianfranco Pasquino, na obra de Norberto Bobbio, “assim se designa o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensa”.

Ainda segundo Pasquino, distingue-se a corrupção por três grupos, a saber: “a recompensa oculta que mude a favor do corruptor o sentir de um funcionário público; o nepotismo; e o peculato por desvio, apropriação e destinação de fundos públicos ao uso privado”.

Nesta linha também, por exemplo, entre tantos outros doutrinadores em áreas diversas do conhecimento, o Dr. Joshua V. Barr, professor de Direito e Ciência Política da Universidade da Pensilvânia e da Universidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos da América.

Cumpre-nos, afirmar, portanto, ser a corrupção uma maneira em que se exerce domínio, pela qual o agente público influencia para a prática de ações ilícitas e ilegais, a fim de se obter vantagens pessoais.

Ao tomarmos de empréstimo o estudo da corrupção pela visão multidisciplinar, as diversas áreas do conhecimento que por sobre o fenômeno se debruçaram, a exemplo da ciência política, cada qual pôde produzir suas próprias definições do fenômeno por sua própria ótica.

A título de exemplo para a disciplina escolhida por destaque, os cientistas políticos atribuem a corrupção ao abuso de poder estatal, sobretudo quando se revela ausente um mecanismo de controle que seja eficaz.

Por outro lado, cumpre ressaltar que todos, sejam sociólogos, cientistas políticos, juristas, entre outros, concordam que se trate de uma ação eivada de degradação, deturpação, adulteração, assim como dissemos anteriormente, em face do descumprimento das leis no âmbito das esferas do funcionalismo público, adotando-se uma postura ilegal e, sobretudo imoral, para se alcançar vantagens pessoais.

3   Abordagem dos Tratados e Leis Internacionais para o Combate à Corrupção

Entre os diversos instrumentos legais de combate à corrupção, apontamos a Convenção das Nações Unidas de Combate à Corrupção (UNCAC) como o mais preciso entre todos os documentos elaborados. O documento se originou da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNCTOC), esta que foi a primeira convenção das Nações Unidas a enfrentar a corrupção. Compreendida a corrupção como instrumento a serviço do crime organizado, a Assembleia Geral percebeu a necessidade da criação de um instrumento jurídico internacional contra a própria corrupção. Esta conscientização, no entanto, não surgiu de imediato, resultando após uma década de debates internacionais contra a corrupção. Segundo a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODCA), ao se tornar o primeiro instrumento jurídico anticorrupção, obriga os países signatários a criminalizarem os atos de corrupção que abrangem funcionários públicos autóctones e alóctones, assim como os de corporações internacionais públicas.

Outro instrumento legal significativo, sendo um dos precursores no combate à corrupção é a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), sediada em Paris, tendo em sua agenda o combate à corrupção e à evasão fiscal. Ratificada pelo Brasil em 15 de junho de 2000 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678, de 30 de novembro de 2000, a Convenção determina, segundo o Ministério da Transparência e da Controladoria Geral da União, que em todos os Estados signatários se considere por delito criminal “o oferecimento, a promessa ou a doação de vantagem pecuniária ou de outra natureza a um funcionário público estrangeiro”. Isto, obviamente, por meio de sua ação ou omissão no desemprenho de suas funções oficiais, com fins de facilitação ou recusa em transações de negócios internacionais que tenham sua condução.

Ato contínuo apresentamos a Foreing Corrupt Practices Act (FCPA). A Lei de Práticas Corruptas no Exterior. A FCPA é uma lei federal norte-americana, promulgada em 1977, para coibir práticas empresariais que se serviam de expediências ilegais a fim de alcançarem benefícios em seus negócios.

Neste diapasão, a lei visa impedir pagamentos, ofertas de pagamento em dinheiro ou por quaisquer outros bens a funcionários públicos, entre outras autoridades, que tivessem a intenção de obter vantagens financeiras ilícitas, ou mesmo agir no sentido de coibir o avanço de transações comerciais, mediante poder inerente ao cargo que ocupem. A exigência passa pela transparência das transações, sobretudo no que concerne ao gerenciamento de registros contábeis, sob o rigor das penas nas esferas cíveis e criminais.

Na esfera da Organização dos Estados Americanos (OEA) consta a Convenção Interamericana contra a Corrupção, com os propósitos de promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção, além de promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.

Para tanto, a Convenção elenca não menos que doze medidas preventivas, determinando especificamente cinco atos que compreendem corrupção.

No Brasil, o Decreto-presidencial nº 4.923 de 18 de dezembro de 2003, que dispõe sobre o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, e dá outras providências, integrando a estrutura básica do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, segundo consta da Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, que estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. O conselho é composto, paritariamente, por representantes da sociedade civil organizada e representantes do governo federal.

4   Causas da Corrupção e sua Agressão aos Direitos Humanos

A agressão que a corrupção proporciona aos Direitos Humanos é inegável. Fácil identificar o ato, entretanto, conforme expusemos anteriormente, difícil a definição do fenômeno; contudo passamos à busca das razões que levam à ocorrência da corrupção, suas consequências diretas, expressas especialmente pela agressão aos direitos humanos.

Estão entre algumas das causas da corrupção a ineficiência administrativa, instabilidade política e o subdesenvolvimento da economia. Michael Johnston, professor de Ciência Política da Universidade de Yale aponta pelo menos duas elucidações para justificar o fenômeno. A primeira por um viés personalista, inerente ao caráter da natureza humana, daí a lição de John Locke no sentido da necessidade de uma sociedade civil instituída pela criação de normas que desenvolvam a liberdade humana e o crescimento da sociedade. E, por derradeiro, o cientista político sugere a justificativa institucional, e aqui, cumpre-nos ressaltar, passa pela causa da ineficiência administrativa anteriormente mencionada, dando ensejo à prática da corrupção por seus dirigentes, utilizando-se das lacunas encontradas nas leis.

Não há quem divirja da ideia de que os desvios de recursos públicos venham a impactar os direitos humanos. A esta realidade, em qualquer país, desenvolvido ou não, em qualquer esfera de poder. Em especial nos países em desenvolvimento, a indecorosa atitude por parte de quem detenha o poder faz com que o impacto seja percebido nitidamente quando enormes quantias de dinheiro são má administradas ou mesmo desviadas, jamais chegando às áreas fundamentais a que se destinariam, tais como saúde, educação e segurança. Em países asiáticos, sul-americanos e africanos, a mesma quadratura impede o crescimento saudável da sociedade organizada, proporcionando estados de degradação humana, em total oposição à Declaração dos Direitos Humanos.                 

No aspecto da saúde, porquanto resulte em atendimentos e instalações hospitalares precários, seja pela ausência de leitos, seja falta de treinamento de profissionais, seja pela escassez de material, inclusive, neste aspecto convém ressaltar, o Brasil segue de forma contraditória, na contramão da Política Pública de Humanização da Saúde implantada pelo próprio Governo Federal. Chega-se ao absurdo de tratamentos e exames clínicos em caráter de urgência serem agendados para um ano depois da consulta, esta que não raro sujeita idosos e mulheres com crianças de colo a enfrentarem filas desde a madrugada para conseguirem uma senha de atendimento, não bastassem os inúmeros casos de morte devido ao longuíssimo prazo a que o sistema de saúde brasileiro submete os pacientes. Dito isto, importa dizer também que saúde se faz com fornecimento de água potável e saneamento básico, mas o que se vê é o descaso ocasionado pelos desvios de recursos.

Tal indiferença, igualmente se vê retratada na seara da educação, onde escolas públicas são apresentas de norte a sul do país em péssimo estado de conservação, com refeitórios muitas das vezes oferecendo merenda escolar de baixo teor nutritivo às crianças, comprometendo seu crescimento físico e intelectual. Da mesma forma, mantimentos e materiais escolares acabam por sofrer deterioração devido à ineficiência administrativa de distribuição pela excessiva burocracia, esta, também uma causa que dá ensejo aos atos de corrupção.

Nesse diapasão, não bastassem professores receberem baixos salários, enquanto políticos se locupletam de vantagens das mais absurdas que a máquina administrativa lhes proporciona, e aqui cumpre dizer, por legislação em causa própria, deixam de receber treinamentos, não têm acesso a cursos de aperfeiçoamento, tampouco proporcionando-os a mínima possibilidade de compra de livros para o seu aprimoramento, impossibilitando-os, portanto, de terem uma vida digna, sobretudo valorizada nesta que é a mais nobre das profissões, porquanto formadora de pensadores e profissionais de toda sorte.

Ao falarmos do aspecto da segurança, ainda nos mantendo em terras brasileiras, as consequências seguem nefastas, não apenas porque ao sofrer com os desvios de recursos públicos por parte dos governantes, seja para desviá-los a outros projetos de menor importância, seja para transferir a setores atingidos pela má administração, mas, sobretudo pelo próprio desvio em decorrência da corrupção em subornos e contratos superfaturados, faz com que esta, como em outras áreas de fundamental importância para a população, sobretudo a de baixa renda, vivencie as agruras da parca estrutura, essencial em termos de treinamento psicológico, estratégico e social, causando, não raro, a deterioração moral entre os seus integrantes. O que dirá, então, quando o assunto é o sistema penitenciário, submetido às mais degradantes formas de tratamento humano, resultando na impossibilidade de qualquer reeducação e reintegração ao seio da sociedade. Quem sofre com isso direta e indiretamente, senão a população que se vê refém da violência urbana, não fosse tão somente o impedimento de experimentar as benesses de uma vida civilizada, preconizada pelos valores democráticos que fundamentam a sociedade organizada.

Saindo um pouco do cenário nacional para o mundo, contudo mantendo-nos na mesma linha de reflexão, que se ressalte a opinião da alta comissária dos Direitos Humanos, Navi Pillay, ao apontar que entre 2000 a 2009, US$ 8,44 bilhões foram a soma de “fluxos financeiros ilícitos nos países em desenvolvimento”. Em seu pronunciamento, feito durante o Painel de Alto Nível sobre a Corrupção, Pillay destacou que por volta de 870 milhões de pessoas passam o dia inteiro sem comer absolutamente nada, sendo a maioria, crianças, “cujos direitos à alimentação e à vida são negados” devido ao fenômeno da corrupção. E destacou ainda a alta comissária durante o Painel, que o suborno e o desvio de recursos ocasionam um aumento de até 40% a nível global, aos custos de projetos de fornecimento de água potável e saneamento às populações carentes. No mesmo tom, a agressão que se apresenta quando dos desvios de dinheiro dos cofres públicos, que poderiam ser aplicados na educação, atendendo às necessidades de desenvolvimento, tirando milhares de pessoas da pobreza, proporcionando educação às crianças. Por fim, ressaltou não ter dúvidas de que a corrupção se apresente como um obstáculo importante a ser transposto, sobretudo mediante a aplicação de regras rígidas no combate ao fenômeno, porquanto seja imprescindível sua extirpação para o “desenvolvimento humano e de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.

Correspondente a esse entendimento, também a opinião da Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Dodge, durante a 30ª Reunião do Conselho Nacional de Direitos Humanos, em Brasília, em 2017. Afirmou a Dra. Raquel: “A corrupção é uma ameaça perigosa aos direitos humanos. Quando a combatemos, estamos defendendo os direitos humanos, porque a corrupção tira investimento de áreas como saúde e educação”. No mesmo diapasão, o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres Brito, em entrevista ao jornalista Josias de Souza, falando sobre as causas da corrupção e em especial sobre a Operação Lava Jato, que tem colocado poderosos empresários e políticos brasileiros na cadeia. Afirmou o Ministro Ayres Brito: “Os assaltantes do erário são os meliantes mais prejudiciais à ideia de vida civilizada”. E continua: “O dinheiro que desce pelo ralo da corrupção é o que falta para o Estado desempenhar bem o seu papel no plano da infraestrutura econômica, social, educação de qualidade, saúde etc”.

Não cumprindo com suas obrigações, em especial quando inerentes ao campo dos direitos humanos, o Estado ao praticar ou fechar os olhos aos atos de corrupção, deixando de combatê-los onde quer que se encontrem e por quem quer que seja que os pratique, não respeita e não protege o cidadão, afrontando o seu acesso a direitos inalienáveis, tais quais os mencionados anteriormente, e não raro, permitindo que danos os alcancem de forma irreparável. Não à toa, o Estado viu a necessidade de repactuar com a sociedade a proteção aos direitos humanos, que na história encontra linha divisória delimitada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, logo após a 2ª Grande Guerra. Suas razões acostavam-se inicialmente no direito à paz. Ato continuo pela proteção do homem contra os abusos do Estado, reforçando as liberdades civis e políticas e, por fim, pelas perspectivas de garantia aos direitos econômicos, sociais e culturais.

Perante a linha anteriormente mencionada, as liberdades básicas enumeradas pelo pensamento do filósofo John Rawls, a saber, as liberdades da pessoa, sobretudo a proteção contra a opressão psicológica e a agressão física, a liberdade política e a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, entre outras. No mesmo tom, a menção de Rawls aos bens primários, que na compreensão de sua obra, enuncia-os como “direitos, liberdades e oportunidades, assim como renda, riqueza e bases sociais de auto respeito”.

Por eles, Rawls atribui justiça social e bem-estar. Em especial pelo bem primário de bases sociais de auto respeito, o tem por mais importante, porquanto proporcione ao homem o sentimento de ser respeitado e valorizado, trazendo-lhe a confiança para empreender a vida, tendo voz ativa. Entre os bens primários sociais listados por Rawls, além das próprias liberdades básicas já mencionadas, também a liberdade de emprego, prerrogativas de cargos e responsabilidade, renda e riqueza, e as bases sociais de autoestima. Assim, os bens primários ofertam base para a formação de uma sociedade democrática e bem-ordenada. 

Por definição, a corrupção tem um propósito discriminatório e um efeito discriminatório, que resulta na anulação ou no prejuízo do exercício do direito à vida, à educação e à saúde. A corrupção, por si só, distingue e exclui direitos, obstruindo o homem de vivenciar a essência dos direitos humanos. Ao conceder a alguém um direito diferenciado, anulando a igualdade de tratamento, permanece tão somente nesta esfera, não alcançando outros direitos humanos. No entanto, quando mediante corrupção, se viola o direito humano de educação, de saúde, de alimento, de água, de saneamento básico, agride toda a formação como pessoa humana, dando ao indivíduo a certeza de não valorização, tirando-lhe qualquer perspectiva de autoestima.

Obstruindo o indivíduo ao acesso a uma boa educação, deixa de proporcionar o pleno desenvolvimento de sua personalidade humana, de seu sentido de dignidade, enfraquecendo o seu entendimento e o seu respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Assim também quando mediante atos de corrupção, que se resumem em desvios de recursos públicos, contribuindo, por exemplo, para o sucateamento da infraestrutura médico hospitalar do sistema de saúde, não assegura a criação de condições que proporcionem assistência médica adequada, sobretudo às pessoas mais pobres.

Ao combater a corrupção, portanto, garante-se a observação do cumprimento efetivo dos direitos humanos, ratificando-se assim, a responsabilidade social do Estado. Por este entoar, coíbe-se a discriminação, efetivando-se a igualdade de acesso à saúde de qualidade, à educação que não encontra causa para o mau desempenho escolar, garantindo os princípios fundamentais dos direitos humanos pelos vieses civis, sociais, políticos, econômicos e culturais. Em consonância aos bens primários enumerados por Rawls, tais direitos se encontram garantidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinado pelo Brasil.

 5   Um Estado Desonesto e um Poder Político Capturado pelo Poder Invisível

Os direitos humanos, portanto, como se pôde depreender, acabam por se colocar eles próprios como um ponto a ser considerado no combate à corrupção, enquanto se adote a transparência, a não-discriminação e a efetiva participação do homem na sociedade, parâmetros que vão ao encontro de seus princípios fundamentais. De outra forma, continuar-se-ia a preponderância de um jogo desonesto havido entre grupos e governabilidades que se demonstram ilegítimas, haja vista a distorção de seu real compromisso com a sociedade, resultando, em uma verdadeira tirania. O fenômeno, longe de ser regional, tem seus braços estendidos por todo o globo. Não apenas lhes dá causa a má função do cargo público ocupado, mas também por meio de empresas.

Porque existe a corrupção do Estado e no Estado? Como dissemos nas linhas iniciais do presente artigo, entre algumas das causas da corrupção estão a ineficiência administrativa, a instabilidade política e o subdesenvolvimento da economia. Tais pontos proporcionam terreno fértil para a desonestidade, que por sua vez, se mostra como comparada a uma espécie de tirania, mormente praticada por grupos empresariais, políticos em meio a um sistema de governabilidade que empreendem pelo fenômeno da corrupção o amealhar de recursos públicos em proveito próprio, obtendo assim, não raro, uma maneira de voltar a usar os recursos desviados para a compra de políticos e empresários, valendo-se do poder econômico em tempos de campanha política. Ora pois...

E como não falar de democracia em todo esse contexto? A democracia moderna é uma reinvenção da democracia dos antigos, porquanto naqueles tempos não se falava em direitos como se os têm atualmente reconhecidos. Os Estados Unidos, por exemplo, ao recriar a democracia, teceu rígidos parâmetros para seu exercício. Não à toa, para Thomas Jefferson que governou os Estados Unidos, toda a arte de governar consiste em ser honesto. Em artigo escrito para o jornal Folha de São Paulo, ainda em meados dos anos 90, o megaempresário Antônio Ermírio de Moraes escrevia compreender a democracia como um “processo lento, baseado em longas cadeias de erros e acertos –sendo que a descoberta dos erros é tão importante quanto os resultados dos acertos”. E concluía ele, afirmando que a transparência que despontava entre os brasileiros seria fundamental para o progresso democrático.

Aqui, questionamos: poder-se-ia afirmar que um Estado desonesto detém um poder ilegítimo, porquanto traia seu compromisso de servir à sociedade, obstruindo o acesso a direitos fundamentais tendo em vista a prática da corrupção? Sabe-se bem que, e já o comentamos anteriormente, uma das faces mais cruéis de uma situação como esta é a descrença e o desencantamento que se apoderam do pensamento coletivo. O reflexo de um Estado corrupto é uma atitude social massiva de desvalor que passa imperar no seio da sociedade. Mas, enfim, o Estado desonesto traduz um poder legítimo?

A este contexto, uma análise anterior. Ingresso ao poder mediante eleições democráticas, tem-se um poder legítimo, contudo, ao adotar medidas ao longo de seu curso, que traduzam disparidades para com o que estrutura o Estado de Direito, e aí se tem presente também o fenômeno da corrupção, sabe-se, há mecanismos jurídicos para destituir o governo em curso. Contudo, resta-nos o aspecto ético, sim, pois, mesmo adotando medidas que possam ser ilegais, tais atos podem ser considerados necessários, e vistos pela comunidade como legítimos, assim como o contrário também é verdadeiro, sendo vistas determinadas medidas como injustas e eticamente reprováveis.

 Em face desta realidade, questionamos ainda: Que elemento nos une enquanto nação? Qual o sentimento que ainda nos mantém coesos enquanto um povo? Que crenças e valores, em um contexto de corrupção sistêmica e endêmica, ainda sobrevivem? Estas preocupações têm grande relevância quando se constata que, no regime democrático, o Estado não pode quebrar o vínculo de confiança com a sociedade. Em sentido político, o Estado ao romper com os valores cívicos, éticos e morais degrada a dimensão pública, porquanto se afasta da condição basilar de uma democracia que é a virtude da honestidade. Aqui, ressalto o já mencionado pelo empresário Antônio Ermírio de Moraes, ao referir-se ao presidente americano Thomas Jefferson, constitucionalista que governou os EUA, de 1801 a 1809, afirmando que toda a arte de governar consiste em ser honesto.

Um Estado desonesto, portanto, é, sim, um poder ilegítimo, porquanto trai seu compromisso de servir à sociedade. Na expressão do Prof. José Renato Nalini, “Quando os de cima não dão o exemplo, os de baixo se sentem liberados”, ressaltando ainda a expressão do filósofo espanhol novecentista Jaime Balmes, que afirmou: “Não nos esqueçamos que, quando o Poder dirige sua mira para o bem pessoal de quem o exerce, já degenerou em tirania”.

Aqui, resta-nos a reflexão quanto aos fatos do poder político que fora capturado pelo poder invisível, a saber, o poder que busca o retorno à administração patrimonialista, que visa permanecer pelo viés unilateral e autoritário, em especial por aliar-se a empresas que se apresentam como agentes corruptores, fazendo com que a transparência seja, quando muito, apenas um discurso vazio. Norberto Bobbio aponta as promessas não cumpridas pela democracia, desde seus primórdios oitocentistas. Toda luta contra a opacidade do poder político que permeia o ideário das Revoluções Liberais, ainda está por se concretizar. A almejada transparência, o dever de visibilidade, de cognoscibilidade e de controle soberano do povo ainda não saiu do texto legal.

Atente-se ao papel fundamental do Poder Legislativo na fiscalização das contas do Estado. Ao que nos consta, desde a implantação da República do Brasil, somente com impeachment da ex-Presidente Dilma Roussef é que o TCU e o Congresso apontaram irregularidades nas contas do Poder Executivo. A pergunta que se faz é a seguinte: Que Poder Legislativo é este que deixa de cumprir a sua missão principal que é o da representação da sociedade em uma democracia? O que temos, no ontem e no hoje, e provavelmente no amanhã, pode-se se chamar democracia?

O poder invisível na democracia parlamentar parece ser a tônica no jogo político que leva à perda de sua credibilidade. Uma das estratégias mais utilizadas é a definição de maioria apenas pelas lideranças de bancadas. Ora, nesse contexto, a manipulação dos senhores líderes será sempre no interesse privado e nunca no interesse público. O parlamentar, isoladamente, não possui independência para votar de acordo com o seu representado.

Nessa linha, subornos, desvios de verbas em benefício dos partidos, entre outras artimanhas, determinando coalisões, comprometendo a independência de suas funções, sobretudo em conluio com empresas que vão desde o pequeno ao grande porte, em qualquer esfera de governo, tudo acaba por contribuir para perpetrar uma agressão direta aos direitos humanos, indecorosa e indecente em todos os sentidos, sobretudo por impingir aos mais pobres um estado de penúria cruel e inaceitável.

Outrora já meditávamos na questão em que se mostra clara a versão formal de poder político atual, existindo uma ambivalência da atuação do Estado: um público e o cidadão na porta da frente, e um público de clientes na porta dos fundos.  Em outro sentido, infere-se um comportamento promíscuo do sistema político, no qual pessoas e partidos atuam como sócios, visando interesses nada republicanos. Foi então que levantamos a questão: que legitimação é essa, formada por grupos de pressão em associação com o Estado, sempre parciais, que não representam a totalidade da sociedade? A explicação, respondíamos, nos parece intuitiva quando se avalia a captura do poder por interesses setoriais da sociedade.

Enfim, é comum, portanto, que o Estado seja capturado por interesses econômicos, e a linha entre política e negócios privados se torna tênue, dirigindo interesses empresariais. Também a captura do poder judiciário tem a atenção da dominação econômica empresarial, e este é um ponto em que se ressalta somente a independência para a aplicação das sanções judiciais poderá fazer frente aos desmandos testemunhados em todo o mundo. O fato é que mecanismos de combate à corrupção devem ser independentes. O papel da sociedade civil, assim como a mídia, também exerce papel importante nesse combate, perseguindo e apontando conflitos de interesses em contextos em que funcionários públicos se vejam envolvidos por negócios privados ou mesmo com a política.

As empresas, sabe-se, são os principais agentes corruptores do Estado. Expor-se-á, a seguir, mediante um exemplo concreto, como o mundo corporativo age no sentido de cooptação do poder político visando interesses privados. As corporações empresariais e seus prepostos desconhecem limites e aí reside uma das fontes mais conhecidas de corrupção e desrespeito aos direitos humanos. Na África, milhões perdem suas vidas em guerras causadas pela ganância de empresas que não desejam pagar o preço justo por recursos naturais. Na Europa e na Ásia, milhões adoecem vítimas de níveis de poluição que somente a insensatez do lucro a qualquer custo os explica. Nos EUA, milhões perdem suas casas e seus empregos por conta da especulação financeira de algumas poucas corporações.

Fiquemos apenas no caso africano. O caso do Coltan e a guerra do Congo. O ‘Coltan’ é a combinação de duas palavras que correspondem aos minerais, columbita e tantalita, dos quais se extraem metais mais cobiçados do que o ouro. Pois bem, Ruanda e Uganda ocupam militarmente parte do território congolês. O Coltan é essencial para as novas tecnologias, estações espaciais, naves tripuladas que se lançam no espaço e às armas mais sofisticadas. Segundo dados da ONU a guerra liderada por Ruanda e Uganda já vitimou 5 milhões de seres humanos. Foram identificadas 157 empresas ocidentais envolvidas, e calculou-se que um telefone celular fabricado com matéria-prima daquela região custa a vida de duas crianças. Pasmem: sequer sabemos os nomes destas empresas! Esse é um pequeno exemplo de como o poder invisível destrói seres humanos.

6   A crise e o risco da democracia diante dos populismos de esquerda e de direita

Em linha finais, apenas para sinalizar rumos que pretendemos discorrer com mais profundidade futuramente, nos afastemos um pouco da ideia romântica da legitimidade democrática de um poder voltado ao bem-estar social. Por quê? Como pensar e encarar a democracia quando vivenciamos tempos de impacto de populismos de direita e de esquerda? Nesse diapasão, também agridem os direitos humanos, à medida em que adotem linhas de governabilidade que não raro se revestem de discriminação.

De um lado, na versão da democracia liberal ou populismo de direita, o poder se deslegitimou porque capturado por interesses de grupos. Há claramente um predomínio de forças conservadoras agindo neste sentido. Daqui se projetam posições exacerbadas visando reinventar a política apelando para os efeitos da desindustrialização, do desemprego em razão do crash falimentar em cadeia. Os culpados? Imigrantes, terrorismo, causando xenofobia e islamofobia, para dizer o mínimo.

Essa visão conservadora concorda com a paz e os direitos humanos, contudo em uma visão de paz de portas fechadas. Todos insulados, fechados, mediante barreiras. É como se dissessem: “nossos direitos não podem ser tocados”. Vai daí o Brexit, na Inglaterra, e o Trumpismo nos Estados Unidos.

De outro lado, a versão progressista ou populismo de esquerda, que prega uma democracia radical, ou agonista, na trilha dos filósofos da Escola de Frankfurt. Despontam os já mencionados, Chantal Mouffe e Ernest Laclau. Convém salientar que a proposta de Rawls e Habermas, quanto à “razão pública” ou aos “consensos racionais”, não se considera os antagonismos como um dado inerente da vida social. Qualquer consenso é necessariamente parcial e latente. A ideia, portanto, é radicalizar, porque o consenso democrático só é possível com a hegemonia do povo. Que os mecanismos de combate à corrupção possam considerar estes aspectos.

Beck menciona a presença cada vez maior de estados de exceção relacionados com os riscos; e os limites dos seguros e da controle dos riscos. Quanto ao estado de exceção, conceito trabalhado por Giorgio Agaben, Beck afirma que, devido ao impacto dos riscos globais, os Estados, mesmo no ocidente, estão mais autoritários, mas são ineficientes quando se trata de lidar com as diferentes ameaças e perigos globais.

7   Considerações finais

 Os esforços atuais são significativos na direção de se coibir a corrupção, em especial pela aplicação dos instrumentos de combate, políticas públicas e regimes de responsabilidade corporativa por violações dos direitos humanos. No entanto, sabemos, há que se caminhar muito para se garantir que grandes corporações empresariais, fortes agentes que são em união a governantes e funcionários públicos corruptos, alcancem, compreendam e promovam a valorização dos axiomas democráticos, sobretudo na frágil esfera dos países em desenvolvimento. Fortalecendo valores democráticos, imprimindo consciência para com o respeito aos direitos humanos, os instrumentos legais internacionais se mostram esteio importante na prevenção a práticas corruptas, em especial nos países em desenvolvimento, que não raras vezes não possuem garantias mínimas de responsabilidade, protegendo cidadãos e também investidores, proporcionando vida digna aos homens, assim como possibilidades para que empresas responsáveis se firmem como o padrão que leva em consideração negócios fundamentados em qualidade e preço, ao invés de se submeterem a regimes de subornos, reduzindo a corrupção no mundo. A agressividade política, dominada por elites políticas, ainda muito a teremos entre nós, contudo, não se pode em momento algum arrefecer a crença na substituição de seus termos, cruéis que sempre se mostraram, sobretudo com os menos abastados, em que pese causarem consequências nefastas no seio de toda a sociedade. Alianças políticas espúrias devem ser reveladas e combatidas, não apenas por meio dos revelados instrumentos jurídicos, com o apoio forte de um judiciário independente tal qual organizações de controle, mas, especialmente pelo posicionamento do povo, este para quem o Estado e a legitimidade do poder surgem para lhe servir, proporcionando o equilíbrio que se traduz pelo bem-estar social.  

 

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