Fonte: Publicado na Revista Brasileira de Direito Financeiro - Dez/2019                                                                                        

         A abordagem do Direito Financeiro em tópico que se pode considerar como introdutório, entende-se, deve partir de um conceito, passar pela compreensão de suas características e elementos de identificação, demonstração de sua natureza e autonomia metodológica e pedagógica.

         Há todavia um ponto fundamental a considerar, cujos reflexos são de alta relevância para a adequada compreensão do tema. Este ponto fundamental, que nos pode servir como de partida, consiste entender ofrancisco juca 07 Direito como fenômeno único, elemento categórico do controle social, expresso em linguagem normativa desenvolvida de forma sistêmica.

         Ora bem, quando se o considera como fenômeno único, significa ter claro que o Direito é um só, trata-se de uma ordem normativa estruturada sistematicamente, que procura alcançar a regulação de todo o universo relacional considerado pela sociedade como relevante para a convivência social, capaz de garantir tanto a ordem social estabelecida, como padrões comportamentais obrigatórios destinados a harmonização possível da sociedade, padrões mínimos de atuação social dos indivíduos e grupos e fluidez razoável nas e das relações sociais. Pode-se considera-lo como um grande lençol que ambiciona cobrir a todas as atividades sociais relevantes. Naturalmente, como há uma variadíssima tipologia relacional que apresenta características próprias e peculiaridades profundas, tal lençol há de ter plasticidade suficiente para se amoldar a essas particularidades com ajustamento, portanto, assim, um segmento normativo adequa-se a estes aspectos. A esses desdobramentos amoldados às peculiaridades relacionais, que assimilam parte destas peculiaridades, é que metodologicamente consideramos como “ramos” do direito, convertendo-se não mais do que ferramental metodológico e didático para a compreensão mais profunda do fenômeno do Direito.

         É preciso, entretanto, que sempre se tenha claro tratar-se de “falsas” ou “aparentes” peças do quebra cabeça, porque na verdade são partes ou pedaço do todo, não se constituem em entes autônomos. Na verdade aparentam ser peças, mas são desdobramentos específico do todo, que é o sistema jurídico. Com razão e ênfase, Alfredo Augusto Becker1 observa, sobre o tema autonomia dos ramos:

Pela simples razão de não poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a autonomia (no sentido de independência relativa) de qualquer ramo do Direito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidência de determinado número de regras jurídicas, descobrir concatenação lógica que as reúne num grupo orgânico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.

         O principal efeito desta abordagem é que a compreensão do sistema e de seus desdobramentos significa que ganham especial relevo os pontos de conexão entre os “diversos ramos”, eis que, dado o caráter sistêmico, estes se complementam, se colmatam, e ao fazê-lo se harmonizam, mantendo a unidade sistêmica centrada no que podemos chamar de eixo constitucional, enquanto elemento de harmonização, unificação e ordenação/manutenção do sistema.

                     Naturalmente que a compreensão do Direito Financeiro, objeto desta reflexão, significa necessariamente ter claro sua inserção no subsistema do tradicional Direito Público em permanente interação, direta e indireta, com os demais “ramos”, seja de maneira mais ostensiva e explícita, seja de maneira sutil e quase imperceptível. Mais ou menos como Maurice Duverger coloca nas suas Instituições de Direito Público (infelizmente não há tradução para o português), ou o argentino Rafael Bielsa, nos seus três volumes sobre o tema. Fato inegável porém, é que esta inserção nos leva a conclusão de que os integrantes deste subsistema são incindíveis e indissociáveis, e o isolamento deforma a visão que se pode formar de cada um deles, em reforço ao postulado do sistema que ao início se referiu.

         Na proposição que se faz, além do Direito Constitucional base e fundamento de todo o sistema, porque contém os fundamentos elementares da organização político-social na sua formalização jurídica, o Direito Financeiro precisa ser compreendido em interação com o Direito Administrativo, o Direito Tributário e o Direito Econômico. Os quatro se completa e ganha a possibilidade operacional em conjunto, até porque entende-se que a dissociação compromete a eficiência de todos e de cada qual.

         O Direito Financeiro é o sistema normativo disciplinador da vida financeira do Estado, portanto, como pontua Regis Fernandes de Oliveira2, sendo “o conjunto de princípios e regras que disciplina a arrecadação das receitas não tributárias, as despesas, o orçamento e dívida pública, a gestão financeira e a responsabilidade fiscal”, ou como explana Kiyoshi Harada3:

         Podemos dizer que o Direito Financeiro é o ramo do Direito Público que estuda a atividade financeira do Estado sob o ponto de vista jurídico.

         Seu objeto material é o mesmo da Ciência das Finanças, ou seja, a atividade financeira do Estado que se desdobra em receita, despesa, orçamento e crédito público.

         O Estado, para cumprir o seu papel, finalidades e objetivos, todos politicamente estabelecidos no pacto constitucional, demanda de recursos financeiros e materiais, pessoal, equipamento, organização técnica, enfim, todo um universo de coisas. Basicamente, a disposição deste aparato demanda recursos financeiros, que naturalmente precisam ser arrecadados, geridos e dispendidos, sempre sujeitos à controle, avaliação e fiscalização. Este quadro de ações e atividades se vale da ferramenta essencial no Estado de Direito, que é o Direito. Portanto, tudo se desenrola, obrigatoriamente em conformidade com o Direito, porquanto, entende-se, é assim possível o acompanhamento, fiscalização e controle, bem como o estabelecimento de limitações de exercício de poder em defesa das liberdades e dos demais direitos fundamentais constitucionalmente erigidos.

         Como se demonstra, há toda uma moldura jurídica expressa para a ação estatal e isto se justifica pelo fato de que toda a ação estatal é exercício de poder político, mais ou menos forte, e exatamente porque temos poder em vista, há de ter mecanismos de limitação e controle de exercício e responsabilidade dos que o exercem, tudo num conjunto de responsividade, que é inerente ao Estado Democrático de Direito. Aqui neste ponto é importante que se destaque a necessidade imperiosa e indeclinável de transparência, tudo preciso ser visto, acompanhado e conhecido, afinal a luz é o depurativo mais eficaz de tudo.

         A implicação de tudo isto com a cidadania é essencial, eis que as finalidades do Estado e suas ações têm como norte o pleno exercício e efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, em ambiente social e econômico saudável, capaz de fornecer os meios de desenvolvimento pleno das potencialidades humanas dos indivíduos. Doutra forma, tem-se que o escopo do Estado é a sociedade e o homem, a serviço dos quais tem a razão de existir e a legitimação substancial de suas ações. O contrário é inverter a equação, colocando o Estado como finalidade e objetivo, e a sociedade e a cidadania a seu serviço, antes como instrumento, do que como partícipe do processo e destinatário de tudo. É a negação do Estado de Direito Democrático, pedra angular da ordem jurídico-constittucional que se tem no Brasil.

         A disponibilidade de recursos para a ação estatal é fundamental para o cumprimento de seu papel e finalidades, assim temos que, tanto a obtenção destes recursos, sua gestão e aplicação racionais e o controle de tudo isto é essencial para a vida social saudável a que antes nos referimos; daí a necessidade de submissão rigorosa à uma ordem jurídica. Tal enfoque ganha complexidade, merecendo, assim, atenção especial e reflexiva, valendo colacionar a observação de Ricardo Lobo Torres4 a respeito:

      O Direito Financeiro deve ser estudado sob duas óticas diferentes, conforme seja entendido como ordenamento e como ciência. Da mesma forma que qualquer outro sistema jurídico (Direito Civil, Penal, Comercial, etc.), o Direito Financeiro se abre para a classificação que distingue entre o sistema objetivo e o científico (ou sistemas interno e externo). O sistema objetivo compreende as normas, a realidade, os conceitos e os institutos jurídicos. Sistema científico é o conhecimento, a ciência, o conjunto de proposições sobre o sistema objetivo, o discurso sobre a própria ciência.

         Mais adiante observa:

        O Direito Financeiro, como sistema objetivo, é o conjunto de normas e princípios que regulam a atividade financeira. Incumbe-lhe disciplinar a constituição e a gestão da Fazendo Pública, estabelecendo as regras e procedimentos para a obtenção da receita pública e a realização dos gastos necessários à consecução dos objetivos do Estado.

         Pode-se associar a visão sistêmica proposta à um ciclo, eis que o Estado demanda recursos e a solidariedade, nos moldes estabelecidos no pacto político, gera a obrigação aos indivíduos de, na medida de suas capacidades, contribuírem com o fornecimento desses recursos, transferindo-os aos Estado que os administra realizando despesas, aplicando-os para a consecução de objetivos e finalidades pré-estabelecidas nas decisões políticas consolidadas em benefício da sociedade e, para tanto, observando normas jurídicas para a gestão, não apenas dos serviços que presta e realiza, mas também da gestão financeira pertinente a tudo isto. Além destes aspectos, é de se considerar que os recursos fornecidos ao Estado pela sociedade vem da economia, das atividades econômicas correntes da sociedade e, portanto, a relação do Estado com a economia sujeita-se a regramento, que entre nós se norteia pela necessária compatibilização entre as dicções constitucionais de dignidade do trabalho e liberdade de iniciativa, balanceando as relações econômicas de sorte a obtenção de equilíbrio razoável capazes de possibilitar a atividade econômica e o bem estar humano.

         Com o quadro que se debuxa é possível identificar a estreita relação entre os ramos (conexos) que formam o que antes chamamos de Sistema de Direito Público. Mais do que isso, tal relação demonstra a interdependência entre eles, uma apoia o outro e o completa, se nutrem e fortalecem, precisam atuar conjunta e harmoniosamente, sob pena de esterilização.  

         Arrecadar, gerir, administrar e controlar recursos, atuar com e junto às relações econômicas, antes favorecendo-as do que as inibindo, tudo se conformando à ordem jurídica são pontos essenciais da formulação que se propõe. A compreensão do quadro obriga a que se faça algumas considerações acerca dos três “ramos” conexos ao Direito Financeiro, quais sejam: Direito Tributário, Direito Administrativo e Direito Econômico, tornando, assim, mais clara a demonstração.

         Comecemos para atividade de arrecadação, rememorando o magistério de Aliomar Baleeiro5, que observa:

       O Direito Financeiro é compreensivo do conjunto de normas sobre todas as instituições financeiras – receitas, despesas, orçamento, crédito e processo fiscal – ao passo que o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente a despeito de qualquer contraindicação etimológica ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precipuamente as relações entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte ou terceiros como sujeito passivo.

         Com efeito, o primeiro passo, para que se preserve a lógica, é a fixação e estabelecimento dos objetivos e finalidades a serem perseguidas pelo Estado, e num segundo momento, a determinação dos meios necessários para fazê-lo, tendo em referência a capacidade de geração e a disponibilidade destes meios. Todo este conjunto está no universo das decisões políticas, e a sociedade as toma através das estruturas e instâncias de decisão política, como Parlamento e Governo em sentido estrito. O passo seguinte é a busca pela obtenção exatamente destes meios, especificamente dos recursos financeiro. Para tal, com base na solidariedade social consolidada no pacto político, o Estado dirige-se à sociedade para buscar tais recursos na economia privada com a imposição de contribuição compulsória dos cidadãos para a obtenção da massa de recursos necessária.

         Para que tal aconteça se estabelece uma relação jurídica entre o Estado e o cidadão, na qual o Estado é o sujeito ativo, titular do direito à cobrança, e o cidadão o sujeito passivo, titular da obrigação de pagar. Esta relação, porém, e o universo que a circunda é toda imersa na ordem jurídica, preservando direitos, liberdade e limitação de poder estatal. Temos, assim, a essência do Direito Tributário, que Hugo Brito Machado6 conceitua como: “ramo do direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas à imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra o abuso de poder”.

         A atividade de arrecadação dos tributos ganha papel de fundamentalidade inicial, porquanto é principal e precipuamente através dela que são obtidos os recursos financeiros necessários à atividade estatal, pertinindo ilustrar com a observação de Ruy Barbosa Nogueira a respeito do Direito Tributário7:

        Como vimos, para atingir sua finalidade de promover o bem comum, o Estado exerce funções cujo custeio precisa de recursos financeiros e receitas. As receitas do Estado provêm de atividades econômica privadas dos entes públicos, de monopólios, de empréstimos e principalmente da imposição tributária (fiscal, extrafiscal e extrafiscal). O direito de tributar do Estado decorre do seu poder de império pelo qual pode fazer “derivar” para seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas a sua jurisdição e que são chamadas de receitas derivadas” ou tributos, divididos em impostos, taxas e contribuições. Tanto o Estado, ao “exigir”, como a pessoa sob sua jurisdição, ao “contribuir”, devem obedecer a determinadas normas, cujo conjunto constitui o Direito Tributário, também chamado de Direito Fiscal.

         O Direito Tributário cria e disciplina relações jurídicas entre o Estado na sua qualidade de fisco e as pessoas que juridicamente estão a ele sujeitas e se denominam contribuintes ou responsáveis. Se para obter esses meios o fisco efetuasse arrecadações arbitrárias de bens junto as pessoas, escolhidas ao acaso, não se poderia falar em um Direito Tributário. A característica de uma imposição sob os princípios do Estado de Direito está exatamente na disciplina da relação tributária por meio da norma jurídica. A lei outorga ao Estado a pretensão ou direito de exigir de quem está submetido à norma, uma prestação pecuniária que chamamos de tributo, resultante do poder de tributar. O Direito Tributário é assim um direito de levantamento pecuniário entre os jurisdicionados, porém disciplinado sobre a base dos princípios do Estado de Direito. Para maior facilidade didática assim podemos resumir: o Direito Tributário é a disciplina da relação entre o fisco e o contribuinte, resultante da imposição, arrecadação e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições.  

         Aquilo que podemos chamar de etapa inicial do ciclo, como propomos, está na possibilidade material e jurídica de cobrar as contribuições em recursos financeiros dos cidadãos para a formação da Fazendo Pública, de sorte a que ela possa fazer face as despesas pertinentes aos serviços que cabe ao Estado realizar, os quais foram escolhidos ou eleitos como decisões políticas da sociedade. Mas, tanto o dever de contribuir, como o poder de arrecadar estão inseridos em moldura estabelecida pela ordem jurídica, com dois pontos que entendemos relevantes, o primeiro o estabelecimento de limites intransponíveis ao poder de tributar (instituir, lançar e cobrar), sendo que estes limites se remarcam pela legalidade restrita e vinculada, com rígida disciplina formal e substancial para a prática de todos os atos; e o segundo, também inserido neste quadro, o respeito à capacidade contributiva, que se pode entender como uma proporcionalidade razoável entre o poder econômico e financeiro do contribuinte, fruto de sua atividade produtiva, e o quantum exigido à título de tributação, de sorte a atender o que entre nós é mandamento constitucional, de vedar a tributação confiscatória, que vem a ser exatamente aquela que ultrapassa à capacidade contributiva, com resultado de transferir ou fazer derivar para o Erário quantia que empobrece injustamente o contribuinte.

         Neste particular, é de se fazer alusão a que a tributação há de ser de tal forma e volume que seja capaz de gerar os recursos necessários à busca pelo bem geral e comum, sem, contudo, espoliar o contribuinte a ponto de retirar o que podemos chamar de  mínimo  vital, qual seja aquele quantum de recursos necessários à uma vida digna, com atendimento das necessidades básicas, mas também com a preservação de capacidade de poupança (acumulação de recursos ao longo do tempo), que permita a existência de estoque de capital para investimento. Isto se aplica não apenas aos cidadãos, pessoas naturais, mas também às pessoas fictas ou marais, como as empresas. A quebra deste paradigma fatalmente leva a prejuízo à economia em geral, muito grave porque ocasiona a redução da capacidade de investimentos e, em consequência, de crescimento econômico, do que resulta a queda de capacidade arrecadatória pela paralisia ou redução da economia porque, afinal, toda a tributação é ad valorem, incidindo na forma de percentual sobre riquezas.  Assim, reduzindo ou estacionando-as, na mesma proporção o mesmo acontece com a arrecadação. Não raro se constata que nas hipóteses de déficit orçamentário nominal ou real, gerador a seu turno de endividamento público, a causa maior está na queda arrecadatória, sempre decorrente, principalmente, de falta de crescimento econômico, ou mesmo recessão, que vem a ser a redução da economia.

         Desde aqui já se pode perceber a importância da visão integrada e sistêmica em razão das influencias recíprocas intersistêmicas das ações de Estado. Desta forma, é imperioso que se considere como fundamental a relação entre a gestão financeira do Estado, objeto do Direito Financeiro no que respeita à regulação jurídica, e a política tributária, capítulo do Direito Tributário. Há que se considerar que precipuamente da receita tributária advém os recursos necessários a atuação do Estado em todos os campos da sua finalística, como a propósito pondera Ricardo Lobo Torres8:

          O Estado Democrático de Direito é essencialmente um Estado de Impostos. O imposto, como categoria principal dos tributos, surge com o liberalismo e o Estado de Direito e lhe é co-extensivo. Distingue Klaus Vogel entre o Estado Financeiro (Finanzstaad) – que é uma tautologia, pois nenhum Estado pode sobreviver sem finanças (=dinheiro) – e o Estado de Impostos e que assim procede a separação entre Estado (Staat) e Economia (Wirtschaft). O que caracteriza fundamentalmente o imposto é que constitui o preço da liberdade, tendo em vista que é pago sem qualquer contraprestação por parte do Estado e afasta o cidadão das obrigações pessoais.

         O exercício do poder de tributação atribuído ao Estado necessariamente deve, portanto, estar vinculado às finalidades estatais constitucionalmente fixadas, guardar estreita e colaborativa afinidade com ela, eis que desempenha papel arrecadatório sim, destinado à obtenção dos recursos necessários ao financiamento da ação estatal, porém deve se articular com o processo econômico, a vida da economia. Não pode seguir a perigosa e distorcida trilha meramente arrecadatória, que alguns chamam de fúria fiscalista, esta sempre leva a relação conflitiva e opressora entre o cidadão e o fisco porque, na prática, coloca sempre o cidadão contribuinte como o “eterno suspeito”, sujeito à opressão fiscal não apenas da carga tributária em si, mas da severidade não raro desnecessária dos agentes do Fisco, o que se evidencia, por exemplo, pelos elementos simbólicos em uso, como a figura do Leão, potente e ameaçador e mesmo dos termos das correspondências e avisos endereçados ao contribuinte, ameaçadoras, autoritárias, como se todos fossem “pecadores irremissíveis”. Este poder, que se incorpora no que chamamos de Poder Financeiro do Estado, há de ser devidamente contido e limitado pela ordem em defesa dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa do contribuinte. Esta dimensão também, em nosso ver, integra o que se pode considerar como política de tributação.

         Mas, além deste aspecto, que é de fundamental importância, também o é o que podemos denominar de conduta de tributação, qual seja a busca pela compatibilização entre a necessidade real e legítima de arrecadar e o os objetivos da ação Estatal, como vimos antes. A respeito, Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva Martins9 pontua:

“Ao elaborar uma política tributária, o Fisco estará analisando as causas e as finalidades da imposição fiscal. Estará respondendo a diversas questões como, por exemplo: Por que determinado tributo deve ser cobrado? Por que deve ser aumentado? Por que deve ser diminuído o extinto? Qual será o impacto na economia? Qual será o produto arrecadado? Qual a finalidade do produto arrecadado? etc.

         Como se demonstra e se defende, a compreensão transversal do subsistema jurídico relativo às Finanças precisa considerar o mecanismo de obtenção de receita, que é instrumentado pela Tributação e que precisa acontecer no contexto de uma Política de Tributação, a qual necessariamente precisa estar vinculada a uma Política Econômica. Noutras palavras, a desvinculação, mesmo metodológica, encerra o grave perigo da desconexão, que a seu turno pode, quando menos, esterilizar toda a ação estatal, reduzindo-lhe os efeitos e, no pior dos mundos, comprometer a organização e funcionamento do processo econômico e social.

         O já citado Rogério Gandra da Silva Martins10, observa a respeito que:

       Outro elemento que deverá ser levado em consideração pelo agente administrativo na elaboração da política tributária é p fator econômico, o qual apresentará o quadro de produção, consumo, emprego e circulação de riqueza na sociedade, mostrando ao poder tributário se em determinada situação convém ou não a imposição fiscal. Será neste campo que o agente da política tributária verificará o impacto da imposição fiscal sobre a inflação, sobre o comércio exterior, sobre os juros, sobre o câmbio e demais componentes macro econômicos.

         A compreensão dos efeitos concretos da tributação no processo econômico e a busca pela articulação entre arrecadação/processo econômico saudável é fundamental para o equilíbrio do sistema no seu todo, do qual resulta a desejada estabilidade social e institucional, vitais para a vida da sociedade. Não basta, entretanto, a sensibilidade para com os dados macroeconômicos. A dimensão relativa ao impacto na sociedade e na vida das pessoas é igualmente de fundamental importância, eis que as duas têm necessidade de caminhar juntas e harmônicas. É interessante a observação do mesmo Rogério Gandra da Silva Martins11, quando assinala:

         Um dos mais importantes elementos a pesar sobre as decisões concernentes à política tributária é a análise do fator social, ou seja, quais os impactos que a política tributária gerará para a sociedade como um todo. Torna-se um dos fatores decisivos para a política tributária o fator social, haja vista a própria essência do Estado, o qual deve servir à sociedade e não o contrário. A sociedade arca com a imposição tributária, pois confere ao Estado o poder de tributar; mas tal poder necessita estar atrelado ao dever de retorno da imposição em serviços à comunidade. Qualquer política tributária que se abstraia deste axioma elementar, desperdiçando recursos retirados da sociedade, reveste-se de natureza injusta, ilegítima, e nas palavras de São Tomás de Aquino, criminosa.

         De tudo se infere que a legitimação do poder arrecadatório, com a imposição de tributos e sua arrecadação, está condicionada à observância de normas e princípios bem claros, à compatibilidade com a capacidade de cada um de contribuir em benefício do conjunto social e com o direito subjetivo público de obter da ação estatal serviços, diretos e indiretos, de qualidade e na quantidade adequados, por óbvio dentro dos limites de possibilidades encontrados no próprio conjunto da sociedade, tendo-se em conta a limitação das demandas e aspirações e a finitude dos recursos produzidos.

         Considerando-se que a Ordem Jurídica, onde está inserido o Direito Financeiro, se constrói e se opera na sociedade e na economia desta mesma sociedade, estamos diante de uma relação necessária e incindível, impondo-se a convivência entre ambas, na qual a dissonância em qualquer sentido carrega mais danos do que vantagens. O objetivo, assim, é articular e conjugar os elementos constitutivos do sistema e conseguir que atuem sistemicamente, orientados no sentido da sociedade estável e equilibrada, com suas instituições funcionando útil e adequadamente para que todos vivam em paz e consigam atender aos seus interesses dentro de limitações e condicionamentos aceitáveis e, por isto mesmo, aceitos.

         Desta convivência necessária resulta que o Estado, sua atuação e seu funcionamento não podem ficar imunes e impermeáveis à economia e ao processo econômico. Ao contrário, a interação é imperativa e inelutável, inclusive porque é na economia da sociedade que o Estado vai buscar os recursos destinados ao funcionamento de sua estrutura e a realização dos seus objetivos, eis aí a relação básica e fundante.

         Se isto é fato, é preciso ter claro que não se reduz a isto. Ao exercer o poder de tributação, o Estado deriva da riqueza privada, parte da qual se apropria legitimamente conforme o pacto social. O simples fato de impor e cobrar tributos já é uma intervenção na economia e no processo econômico, sobre os quais, sem dúvida, produz efeitos maiores ou menores. É interessante a leitura feita por Américo Luís Martins da Silva da formulação de Georges Burdeau12, assinalando, fundado no clássico francês, que:

      A ordem econômica e a ordem jurídica sofrem uma constante influência recíproca. Inclusive, às vezes, uma é consequência da outra e vice-versa. Diz ele que a ideia de Direito exprime a ordem social, concretizando-a. Na ordem social se inclui a ordem econômica e o Direito aparece como própria ordem social concreta, em substituição à ideia abstrata daquela mesma ordem social; a ideia de Direito, por sua vez, resulta de sua submissão à finalidade da ordem social. Nessa influencia recíproca de ideias, tais seja a de Direito, a de ordem social e de ordem econômica, se vislumbra as íntimas relações entre Economia Política e o Direito.

         Esta relação estreita e necessária, bem explanada pelo autor e fundada em clássico, nos leva a uma observação. O Estado a um só tempo tem relação direta com a economia e, ao desenvolve-la, nela intervêm de variadas formas. Isto significa que o descolamento entre Estado e Economia não existe porque materialmente impossível. O que se tem é que o Estado de Direito Democrático, fruto do constitucionalismo desde a origem até nossos dias impõe a submissão do Estado aos princípios e normas estabelecidas pelo Direito. A relação entre Estado e Economia, em todas as suas dimensões, está necessariamente submetida ao Direito, como aponta o mesmo Américo Luis Martins da Silva13:

        Normas econômicas de intervenção do Estado na economia sempre existiram; ora mais ora menos, porém sempre existiram. Onde houve concentração econômica, mais cedo ou mais tarde, acabou havendo intervenção do Estado na economia. E ambas são tão antigas como a própria economia e o câmbio.

         A intervenção estatal na economia, pois, buscar acontecer com a maior racionalidade possível, onde estão inseridos objetivos claros e definidos, busca por resultados identificáveis e determinados. Não acontece ao sabor de vontades isoladas (pelo menos assim deve ser), também com limitações, condicionamentos e formas pré-definidas na própria ordem jurídica, para que tudo se desenvolva em conformidade com o Direito. A propósito Modesto Carvalhosa14, em estudo seminal entre nós da disciplina Direito Econômico, observa:

      Dessa forma a Economia desenvolve termos que tornam possível classificar os acontecimentos econômicos. Esses termos ajudam a fixação da política econômica. Essa fixação decorre, no entanto, da conjugação desses termos com valores próprios de outras ciências, notadamente a Política.  Nessa associação entre o Direito enquanto meio necessário à consecução dos fins da política econômica, desejados pelo Estado. Produzem-se, assim, as normas jurídicas necessárias à adequação do meio social aos comportamentos econômicos, racionalmente propostos, Visam principalmente, a conduta dos fatores sociais de produção, em suas inter-relações decorrentes das atividades mercadológicas, e naquelas com o próprio Estado, impondo obrigações, proibindo determinadas práticas e facultando outras.

         É dado inferir que, em estando estabelecida uma sistemática normativa para a intervenção do Estado na econômica, que em síntese procura a racionalização organizativa fundada no equilíbrio relacional dos atores do processo, bem assim como imprimir à ordem jurídica em concretização  a efetivação dos postulados principiológicos nela estabelecidos, cumprindo assinalar que o sentido que imprima às ações da Política Econômica, entendida como conjunto de ações coordenadas do Estado no sentido de estimular o crescimento da economia e seu desenvolvimento, procurando repercussões sociais dos efeitos destes crescimento e desenvolvimento, através da formulação de políticas públicas tendentes a corrigir distorções, desequilíbrios e harmonização a sociedade e o processo social, norteado pelo sistema de Direitos Fundamentais constitucionalmente estabelecidos e positivados, centrados na dignidade da pessoa, acontece subordinada a um arcabouço jurídico que a disciplina, mantendo-a no emolduramento da juridicidade.

         Neste sentido, Leonardo Vizeu Figueiredo15 entende objetivamente o Direito Econômico “como sendo conjunto normativo que rege as medidas de política econômica concebidas pelo Estado, para disciplinar o uso racional dos fatores de produção, com o fito regular a ordem econômica interna e externa”. E, mais adiante, observa: “Por fim, cumpre mencionar que o Direito Econômico transcende à mera análise econômica do Direito, sendo esta, tão somente, um estudo sobre a influência da Economia nos negócios do Estado e das relações privadas”.

         A análise econômica do Direito é um imperativo dos nossos dias, sendo verdadeiro o que alguns afirmam de que “direitos tem custo” e, por isto mesmo, precisam ter fontes de financiamento e custeio, as quais, como estão na Economia e na sociedade, pressupõem uma pactuação político-jurídica que a um só tempo lhe empreste viabilidade e legitimação, sob pena de quedarem como anseios abstratos inatendidos, que mais colaboram com a conflitividade do que com o equilíbrio social.

         É de se concordar com o citado autor16,  quando observa à respeito do tema:

     “Teologicamente, (a analises econômica do Direito) fundamenta-se na perspectiva de que, para uma compreensão plena do fenômeno jurídico e para que seus supostos critérios de justiça sejam operacionalizáveis, são necessárias não apenas justificativas teóricas para a aferição de adequação abstrata entre meios e fins, mas teorias superiores à mera intuição  que auxiliem em juízos de diagnóstico e prognose, permitindo, em algum grau, a avaliação mais acurada das consequências prováveis de uma decisão jurídica ou de alguma política pública dentro do contexto legal, político, social, econômico e institucional. Assim, a análise Econômica do Direito nada mais é do que a aplicação do instrumental analítico empírico da Economia, em especial da micro economia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e preverás implicações fáticas, bem como a lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico.

         Tentamos aqui demonstrar com a transversalidade da leitura que se vem fazendo, de que a gestão das Finanças Públicas, sua regulação jurídica e mecanismos de controle estão estreitamente ligados aos objetivos estatais constitucionalmente estabelecidos, submetidos aos princípios e postulados positivados, lançando as bases materiais na economia privada e alimentando-se da tributação imposta sobre esta economia.

         De tal relação temos que a organização jurídica da economia há de estar afinada com a teleologia estatal constitucional e a tributação lançada e cobrada há de estar integrada ao sistema, de sorte a que sejam objetivos os recursos necessários ao custeio da ação estatal, das políticas públicas, investimentos públicos e da Política Econômica. Portanto, as Políticas Econômica, Tributária e Financeira necessariamente precisam estar interativas e harmonizadas, uma contribuindo e reforçando a outra, sob o risco de, acontecendo a desconexão, atritarem e esterilizarem seus efeitos reciprocamente. Noutras palavras, a política econômica não pode demandar recursos inexistentes ou indisponíveis; tributação não pode sufocar a formação de poupança e de investimentos; a gestão das finanças não pode escapar da permanente avaliação dos resultados obtidos desde os desembolsos feitos, tudo de forma a que se possam fazer correções de rumo, adaptações e ajustes, para que tudo se afine, convergindo para os mesmos objetivos e finalidades.

         Eis aí o entrelaçamento necessário que ao início se apontou, entre o Direito Financeiro, o Tributário e o Econômico. Mas, há mais. É a inserção do Direito Administrativo no sistema.

         A estrutura através da qual o Estado opera suas funções é a Administração Pública, o aparato utilizando meios, recursos e pessoas necessários ao funcionamento real e concreto do sistema. Preciso é destacar, desde já, uma distinção importante entre Governo e Administração. O primeiro diz respeito a certo grau de decisão política discricionária, nos limites constitucionais de escolhas, para a formulação de políticas públicas e ações com finalidade de atingir objetivos predeterminados. O segundo é o aparato dependente dele, não necessariamente em subordinação rígida, porquanto existem algumas atividades e funções que são de caráter permanente, são estruturais e estruturantes, e que concernem ao Estado, em sentido mais elevado e nobre, em outras, que não menos nobres, não periódicas, mutáveis, variáveis, mais diretas, concernentes a Governo.

         Em ambos os casos temos o gênero Administração Pública, que Marcelo Caetano17 conceitua:

        A Administração Pública é, em sentido material, o conjunto de decisões e operações mediante os quais o Estado e outras entidades públicas procuram, dentro das orientações gerais traçadas pelo Política e diretamente ou mediante estímulo, coordenação e orientação das atividades privadas assegurar a satisfação regular das necessidades coletivas de segurança e bem-estar dos indivíduos, obtendo e empregando racionalmente para esse efeito os recursos adequados.

          É importante destacar no final da elaboração de Marcelo Caetano as expressões “obtenção e emprego de recursos”, que vêm bem ao encontro da abordagem que se faz porque deixam clara a visão do ciclo que se propôs: obtenção de recursos, gestão deles, objetivos claros, execução concreta, gestão financeira no e do processo, e controle. Claramente um conjunto de entes independentes, com características próprias, identidade, mas que atuam em conexão, convergindo para o mesmo sentido. Todo o ciclo e seu processo hão de acontecer em conformidade com o Direito, em obediência estrita com o que se tem impresso em tudo o elemento de justiça, e, principalmente o meio de contenção, limitação e controle de condutas, combatendo o abuso e o excesso, porque em tudo existe conteúdo de poder.

           Exatamente neste contexto é que entra o Direito Administrativo18, que já tivemos a oportunidade de entender como:

         Podemos elaborar que o direito administrativo é o subsistema integrante do direito público que organiza, disciplina e instrumenta a atividade de gestão desenvolvida pelo Estado, seus agentes, processos de ação, e as relações do Poder Público com os particulares, no exercício do poder de polícia e na prestação dos serviços públicos. Portanto, no contexto do Estado de Direito este subsistema aglutina as normas que organizam a estrutura estatal de prestação de serviços públicos, de execução de políticas públicas, de exercício de poder de polícia, das relações do Estado com seus agentes, servidores e colaboradores externos, como sendo particulares envolvidos na prestação de atividades atribuídas para a consecução dos objetivos e interesses gerais e do bem comum. Nesta ótica contemporânea, já antes referida, mencione-se que o Direito Administrativo também é instrumento de limitação, controle e condicionamento do exercício do poder, sendo, assim, proteção e garantia da cidadania contra o Estado e seus servidores. A abrangência do seu raio de ação será tão larga quanto o determinarem os interesses e necessidades de intervenção, participação e cooperação do Estado em atividades de interesse geral direto ou indireto.

          Temos, no contexto da experiência histórica vivida em nossos dias, que os conceitos e paradigmas tradicionais começam a dar sinais de exaustão. Assim, há que alarga-los, ajustar os perfis de sorte a amoldar-se à realidade, ao que demanda, hoje, de tutela jurídica. Este é o cerne do desafio posto.

         Vimos demonstrando ao longo destas breves reflexões que a adequada compreensão do Direito Financeiro como regime jurídico das Finanças Públicas impõe que se o considere cm inserção no contexto do subsistema do Direito Público, reconhece sua interação, e mais do que isso, as implicações concretas daí decorrentes em relação ao Direito Tributário, ao Direito Econômico, ao Direito Administrativo, porém, não se exclui alguma conexão com o subsistema do Direito Privado, merecendo também atenção especial nesta particular, como elucida a explanação de Garcia de Enterría, no seu clássico Curso de Derecho Administrativo19, quando diz: “Para salvar estas dificuldades se acudió al creterio del servicio publico, afirmandose al efecto que quando la Administración Púbblica gestiona servicios públicos está sin mas sometida al Derecho Administrativo, com independência de que em tal gestión actúe com autoridade o sin ella”.

        Faz esta observação diante das nacionalizações ou estatizações acontecidas na Europa ao termo da 2ª Guerra, quando serviços de telefonia, eletricidade e mesmo parcela significativa do parque industrial passaram ao controle estatal, inclusive como forma de intervenção estatal na economia por escolhas políticas diversas realizadas pelos Países.

         Necessário é, entretanto, reconhecer que, consideradas as particularidades das atividades de natureza privadas, a aplicação do estatuto administrativo enfrenta limitações e, mesmo em muitos casos, oferecendo óbices ao fluxo regular dos negócios, dos quais decorrem resultados nem sempre dentro do pretendido ou esperado com a intervenção econômica realizada, a qual sempre implica na aplicação de volume significativo de recursos públicos, os quais, naturalmente, se destacam das finanças do Estado. Neste particular, não importa a forma da destinação, se por crédito ou quaisquer outro meio, fato sim que se tem desembolso.

          O já citado autor espanhol chama a atenção, então, para mas um aspecto da transversalidade que se defende, quando adverte20:

          “El resultado, complicado, según veremos, em la actualidad, es que parece imposible separar com clardidad grandes bloques de atividades, unas submetidas al Derecho Administrativo y otras al derecho Privado. Ambos os Derechos se entrecruzam inextricablemente em muchos actos y atividades de la Administración Pública, por el que, incluso, dentro de um mmismo acto unos elementos pudem estar sometidos al Derecho Administrativo y otros al Derecho Privado”.

             A proposição que se faz, portanto, nos obriga a considerar a complexidade sistêmica, tanto da ordem jurídica, que demanda de coerência interna, unificação, isto hoje centrado na Constituição, considerando sempre a unicidade da Ordem Jurídica como um todo, como sistema único, o que impõe ao necessário diálogo e complementação recíproca dos subsistemas desta mesma ordem, eliminando lacunas e contradições por incompatíveis com a natureza da ideia de sistema.

                        A propósito, aqui cabe relembrar que a ação estatal de intervenção na economia como imperativo decorrente do papel do Estado, não importando a forma pela qual aconteça a partir da formulação constitucional estabelecida, acontece na forma preconizada pelo Direito Econômico e, sempre e invariavelmente, esta intervenção, seja direta com a aplicação de capital e recursos estatais ou com a opção da extrafiscalidade dos impostos como mecanismos de política econômica, tem implicações diretas e imediatas no binômio receita/despesa, portanto, vinculando-se diretamente ao Orçamento Público. Ademais, a prática de atos de gestão financeira praticados pelo Estado através do Governo e da Administração Pública, são atos administrativos de conteúdo e objetivo financeiro, ainda que decorrentes de escolhas e opções políticas que os motivam e determinam.

                        Ora bem, no desenvolvimento das atividades que lhe competem, o Estado, numa concepção contemporânea, precisa de eficiência de governança, precisa ter capacidade de produção de resultados concretos e, sobretudo mensuráveis, o que obriga à permanente avaliação das políticas públicas e dos atos a elas inerentes que sejam praticados. Especialmente neste particular, os atos de efeitos financeiros, com a observação do custo/benefício, o direcionamento concreto das atividades em face dos resultados e a contrastação destes resultados, comparando o pretendido ou projetado e o alcançado, impõe-se, assim e sempre, eventual redirecionamento e adequação.

                        É o que podemos considerar como conteúdo de qualidade dos atos e dos gastos, naturalmente indo além do aspecto formal (tradicionalmente adotado), mas obrigando a avaliação e controle de conteúdo, de mérito, de resultados e objetivos, o que pode ser incluído no conteúdo conceitual da responsabilidade fiscal, até mesmo como decorrência do dever de eficiência, constitucionalmente erigido.

                        Não basta, por insuficiente, o controle formal, o acompanhamento do processo da ação ou atividade no que respeita a conformidade com a ordem jurídica, mas é imperativo que os aspectos objetivos e finalísticos sejam igualmente observados, acompanhados e, assim, controlados, até mesmo de sorte a tornar possíveis alterações e redirecionamentos em tempo útil, considerado como alcançar objetivos em tempo que estes objetivos tenham resultados compatíveis com o pretendido ou planejado.

                        A visão contemporânea do Direito Financeiro que se propõe, com o título de introdutória e gerais, busca, exatamente, retomar a visão sistêmica da ordem jurídica, que dá espaço àquilo que a Teoria Egológica do Direito, formulada pelo argentino Carlo Cossio, reconhece como hermética plenitude, e que significa uma ordem jurídica capaz de responder com eficiência a problemática posta pelo tempo, pelas circunstâncias e pelos dados da realidade, mercê do que o direito cumpre o seu real papel, a sua função social.

CONCLUSÃO

                        A gestão das finanças públicas, submetida ao regime jurídico do Direito Financeiro, insere-se no universo da Administração com a atividade de realizar políticas públicas conforme os objetivos politicamente estabelecidos, demandando a intervenção do Estado na economia, precisando, também, levar em conta, as receitas disponíveis através, principal e precipuamente, oriundas da tributação, e esta, a seu turno, precisa estar inserida harmonicamente na Política Econômica, de forma a não servir de óbice ou embaraço, o que se visualiza como o ciclo ao qual nos referimos antes.

                        O reconhecimento da autonomia metodológica, didática e acadêmica do Direito Financeiro não pode promover o afastamento ou mesmo o seu descolamento do sistema, ao contrário, precisa preservar esta inserção, identificar e destacar os elos conectivos, os quais, ao nosso ver, mais fortalecem e valorizam, do que diluem a percepção clara do fenômeno jurídico financeiro.

1 Teoria Geral do Direito Tributário, ed. Noeses, SP., 2007, p.33

2 Curso de Direito Financeiro, RT, SP., 2015, p.201 Teoria Geral do Direito Tributário, ed. Noeses, SP., 2007

3 Direito Financeiro e Tributário, ed. Atlas, SP., 2019, p.17

4 Curso de Direito Financeiro e Tributário, ed. Renovar, RJ, 2008, pp.11/12

5 Direito Tributário Brasileiro, GenForense, RJ, 2013, p.XXII

6 Curso de Direito Tributário, ed. Malheiros, SP., 2015, p.51

7 Curso de Direito Tributário, ed, Saraiva, SP, 1999, p.31.

8 Aspectos Fundamentais e Finalísticos do Tributo, in O Tributo, reflexão finalística sobre a sua natureza, Coord. Ives Gandra da Silva Martins, ed. Forense, RJ, 2007, p.37

9 in A Política Tributária como Instrumento de Defesa do Contribuinte, in op. cit. P.138

10 op.cit.loc.cit.p.154

11 op.cit.loc.cit.p.156

12 Introdução ao Direito Economico, ed. Forense, RJ, 2002, p.61

13 op.cit,p.63

14 Por um lineamento do Direito Econômico, in Direito Econômico, ed. RT, SP., 2013, p.49

15 Lições de Direito Econômico, ed. Forense, RJ, 2011, pp.8-9

16 op.cit.loc.cit

17 Manual de Direito Administrativo, ed. Almedina, Coimbra,2005, p.5

18 Direito Administrativo, Francisco Pedro Juca, in Direito Administrativo, Coord. Sônia Yuriko Tanaka ed. Malheiros, 2008, pp.45-46

19 vol. I, ed. Thomson/Civitas, Madrid, 2006, p.55

20 op.cit.loc.cit.

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Francisco Pedro Jucá: Pós-Doutorado em Direito Público, Universidade de Salamanca, Espanha; Pós-Doutorado em Direito Social, Universidade Nacional de Córdoba, Argentina; Livre Docente em Direito Financeiro, USP. Doutor em Direito do Estado, USP; Doutor em Direito das Relações Sociais, PUC/SP. Professor Titular da Faculdade de São Paulo – FADISP. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Paulista de Magistrados. Sócio Efetivo e Membro do Conselho Superior de Orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Juiz do Trabalho em São Paulo.