Fonte: Kiyoshi Harada - SP/16-1-19
Sumário:
1) Introdução
2) Fúria legislativa nos estertores da Sessão Legislativa
3) Exame da Lei nº 13.670/18
4) Desnecessidade de Reforma Tributária
1 - Introdução
A insegurança jurídica é, sem dúvida alguma, uma das grandes causas da corrupção que reina no nosso País. Não basta apenas combater a corrupção sem atacar as causas. A corrupção é apenas um dos frutos da complexidade, da falta de clareza, ou de ambiguidade premeditada de nossas leis.
Quando Héctor A. Mairal, autor argentino, examinando a realidade de seu País escreveu o livro Las raíces legales de la corrupción: o de cómo el derecho público formenta la corrupción em lugar de combatiria [1] tem-se a impressão de que o livro foi escrito tendo em vista exatamente a realidade de nossa sociedade, tomada por corrupção desenfreada nos meios públicos e privados, notadamente, no setor de empreiteiras de obras públicas, cujas contratações são regidas por normas de direito público. Apesar da operação Lava Jato os atos corruptivos não cessaram. Por ironia, alguns atos de corrupção são praticados para cobrir os gastos fabulosos com a defesa nos processos criminais resultantes das investigações policiais.
Um dos ramos do direito, aonde reina maior número de diplomas legais dúbios, confusos e contraditórios, que se sucedem com incrível rapidez, e invariavelmente redigidos com inusitado sadismo burocrático, é, sem dúvida alguma, o do direito tributário, tornando-se uma tarefa hercúlea para os contribuintes o cumprimento de todas as obrigações tributárias principais e acessórias a um custo extremamente elevado. Difícil saber o que está em vigor e o que já foi revogado, mesmo após o advento da Lei Complementar nº 95/98 que proibiu a chamada revogação tácita por meio da frase que ficou famosa: “Revogam-se os dispositivos em contrário”. Essa frase foi substituída pela ementa que, em algumas das leis, chega a ocupar uma página inteira, mencionando os números das leis alteradas. Lembro-me de uma medida provisória sobre Refis que, por conta dos jabutis, a ementa da lei de conversão ocupou mais de uma página.
O terror dos capitalistas estrangeiros é exatamente a legislação tributária brasileira, não apenas pelo seu elevado nível de tributação, mas, sobretudo, pela extrema dificuldade de sua operacionalização sem incorrer em riscos de autuações fiscais. Isso tem afugentado a entrada de capital estrangeiro, e também a migração de capital nacional para outros Países, rareando os recursos financeiros necessários à implementação da infraestrutura do País, com vistas ao crescimento econômico. O outro terror, a legislação trabalhista, deixou de existir graças à oportuna reforma levada a efeito no governo Michel Temer que os neotrogloditas querem restabelecer, a todo custo, a antiga legislação que data da era Vargas.
2 - Fúria legislativa nos estertores da Sessão Legislativa
Nos estertores da Sessão Legislativa foram elaboradas e aprovadas dezenas de diplomas legais, entre leis ordinárias, lei complementar e medidas provisórias, inclusive, aqueles que abrem créditos especiais a favor de diversos Ministérios com a utilização de verbas consignadas no orçamento da Seguridade Social, aonde se insere a Previdência Social, palco permanente de discussões para estancar o déficit que vem se acumulando a cada ano que passa. Uma forma de conter os desvios que penalizam os beneficiários da Previdência e seus contribuintes da ativa é a de dotar a Previdência Social com orçamento independente, desligando-se da Seguridade Social, aonde se incluem, também, a saúde e a assistência social. Muito dirão: mas, isso acabaria com a proposta de reforma da Previdência que rende dividendos políticos e recursos para financiar o Tesouro. Respondo: o que há de mal nisso? Por que não se pode tapar o ralo por onde somem os recursos da Previdência? Levou décadas para sepultar o ralo da DRU que subtraia, mensalmente, 20% dos recursos financeiros pertencentes à Previdência Social, enquanto se apregoava a necessidade de reforma para eliminar o déficit. Pode parecer uma piada, mas era um fato verídico!
Iniciado o novo governo, tudo indica que a fúria legislativa não terá fim. Até o dia 11 de janeiro de 2019, data em que estamos escrevendo o presente artigo, foram editadas 18 (dezoito) leis ordinárias, 1 (uma) lei complementar, 1 (uma) medida provisória, além da promulgação de 24 (vinte e quatro) decretos. Só resta esperar a melhoria na qualidade das futuras leis, quando entrar em funcionamento o novo Congresso Nacional com a renovação de 2/3 de seus membros.
3 - Exame da Lei nº 13.670/18, protótipo de lei confusa e caótica
Mas, examinemos, em rápidas pinceladas, um desses instrumentos normativos que confundem, desnorteiam e nocauteiam as empresas produtoras, que devem se acercar de contabilistas e advogados especializados, para cumprir as suas obrigações tributárias, assim mesmo, correndo o risco de sofrer pesadas autuações que podem inviabilizar o prosseguimento de suas atividades produtivas, por conta de incontáveis sanções políticas impostas a simples devedores de tributos [2], agora, em vias de criminalização pretoriana.
Refiro-me à Lei nº 13.670/18 que altera as seis leis referidas em sua ementa e faz remissão a inúmeros dispositivos concernentes a treze diplomas legais, entre leis ordinárias, decreto-lei, medida provisória e decreto. Ao final deste artigo transcrevemos a íntegra de seu texto que comprova a crítica tecida a respeito do caos legislativo em que se acha mergulhada a legislação tributária brasileira. Examinemos, de forma sucinta, os seus dispositivos.
As alterações introduzidas à Lei nº 12.546/11 pelo art. 1º da Lei sob exame dizem respeito à possibilidade de as empresas jornalísticas e fabricantes de produtos classificados nos mencionados códigos da Tipi recolher, até 31-12-2020, a contribuição social sobre o valor da receita bruta. São 243 diferentes códigos contendo 14 exceções, a exigir leitura cuidadosa dos contribuintes.
Onde a Constituição determinou a substituição gradual do regime tributário (folha de remuneração) para a receita bruta por “setores da atividade econômica” (art. 195, § 12 da CF), o legislador ordinário o fez por “produtos”, provocando alterações periódicas e intermináveis segundo os interesses do momento. Há exemplo de substituição do regime tributário para a comercialização de peles de animas sem pelo. Únicos animais pelados que eu os conheço são cobras, lagartos, sapos e jacarés e alguns outros animais peçonhentos!
O art. 2º cuida de aumento tributário seletivo, incidindo sobre a Cofins-importação até 31-12-2020, mediante alteração da Lei nº 10865/04 [3]. Os bens importados atingidos pela majoração estão mencionados em 379 códigos da Tipi, com indicação de 17 códigos excepcionados do aumento tributário. Talvez o custo da burocracia para identificar os produtos majorados e não majorados seja mais elevado do que o aumento da alíquota em um ponto percentual. Vejam-se os incisos VII a XVIII, do § 21, do art. 8º da Lei nº 10.865/14, com a nova redação conferida pelo art. 2 da Lei sob comento. É um horror! É preciso um exame cuidadoso desses códigos aí mencionados com o auxílio de uma lupa sofisticada, para a grande alegria de seus fabricantes que contribuem com a absorção parcial de mão de obra ociosa e aumento de riquezas novas a serem tributadas. Especial cuidado requer a identificação de traiçoeiros códigos excepcionados que não são poucos. Com tal lupada ganham o fisco, os fabricantes e parte dos desempregados, mas, inferniza a vida dos contribuintes atingidos pela singular legislação.
O art. 3º versa sobre a possibilidade de compensação das contribuições previdenciárias dos incisos I e II, do art. 22 da Lei nº 8.212/91 que excederem ao que seriam devidas pelo regime da CPRB, com opção para a sua restituição em dinheiro.
O art. 4º eleva, de forma sub-reptícia, as multas a serem aplicadas a contribuintes que utilizam o Sistema Público de Escrituração Digital, mediante alterações introduzidas aos incisos do art. 12 da Lei nº 8.218/91, que dispõe sobre impostos e contribuições federais. O seu parágrafo único prescreve duas hipóteses de redução dessas multas exacerbadas em 50% e 75% para os que cumprirem a obrigação antes de qualquer procedimento de ofício, e aos que cumprirem no prazo da intimação do fisco, respectivamente. Na verdade, essas disposições representam uma gravíssima afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa [4].
Os artigos 5º a 8º cuidam das compensações tributárias já disciplinadas pela Lei nº 9.430/96 e Lei nº 11.457/07.
Neste particular, o legislador, acertadamente, corrigiu a falha da legislação anterior que, mesmo após a fusão das Secretarias da Previdência Social e da Receita Federal, dando origem à Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRFB – vinha mantendo a proibição de compensar os créditos das contribuições previdenciárias com os débitos dos demais tributos administrados pelo novo órgão fazendário. Isso aconteceu mediante a revogação do parágrafo único, do art. 26 da Lei nº 11.457/07 pelo art. 8º da Lei sob exame. Trata-se de um ponto altamente positivo da Lei que removeu um grande obstáculo, principalmente, das empresas que se utilizam de mão de obra cedida por terceiros, que vinham acumulando créditos incompensáveis, a não pelo expediente de criar uma situação de compensação de ofício [5].
Contudo, o art. 6º da Lei conferiu nova redação ao art. 74, § 3º, inciso IX da Lei nº 9.430/96 vedando a compensação de créditos apurados do IR e da CSLL com as parcelas relativas ao recolhimento mensal, por estimativa, desses tributos.
Outrossim, o artigo 8º acrescentou o art. 26-A à referida Lei de nº 11.457/07, prevendo a compensação de todas as contribuições sociais, inclusive, as previdenciárias, porém, apenas pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) para a apuração dessas contribuições sociais, ficando, contudo, vedada essa compensação em relação aos optantes pelo regime do Simples, inclusive, Simples doméstico. Ainda, conforme prescrição do § 1º, do art. 26-A não é permitida a compensação com os créditos apurados relativos a períodos anteriores à utilização do eSocial.
O art. 9º altera a redação do art. 12 do Decreto-lei nº 1.593/77 que modifica a legislação do IPI, impondo restrições à venda e exposição de cigarros destinados à exportação.
O art. 11 fixa o início da vigência da Lei sob comento e o seu art. 12 revoga os dispositivos que menciona.
Esta Lei de nº 13.670/18 abaixo reproduzida na íntegra é apenas um exemplo do caos legislativo em que se acha mergulhado o sistema tributário vigente.
4 - Desnecessidade de Reforma Tributária
Os teóricos do direito repetem “ad nauseam” a necessidade de reforma tributária para simplificar o sistema tributário e aliviar o peso da carga tributária [6], sem a menor preocupação com o exame das causas da complexidade de nossa legislação tributária. É o já tradicional mito da reforma tributária, uma panaceia para curar todos os males que derivam da ação do homem, e não das leis.
O Sistema Tributário Nacional, estruturado e muito bem estruturado no Título VI, Capítulo I da Constituição Federal pelo legislador constituinte original, nada tem de complexo. É de uma clareza lapidar, com enumeração de princípios limitadores do poder de tributar e discriminação de rendas tributárias dentro do princípio federativo, além da enumeração taxativa das matérias sob reserva de lei complementar. Merece tão somente algumas emendas pontuais para evitar interpretações tangenciais em prejuízo dos contribuintes e proibir o uso, tanto da medida provisória, como da adoção de efeitos modulatórios que conflitam abertamente com os princípios da legalidade tributária, da isonomia e da vedação de efeitos confiscatórios [7]. Por fim, é preciso expurgar os dispositivos concernentes ao ICMS que não se revestem de natureza constitucional, além de atribuir à lei complementar a competência privativa para definir o fato gerador de contribuições sociais, a fim de afastar as taxas e os impostos rotulados de contribuições que não oferecem nenhum benefício específico a quem os paga. Como se sabe, o benefício específico é um requisito ínsito nessa espécie tributária.
Não é preciso destruir, nem implodir o Sistema Tributário que vigora desde o advento da Constituição de 1988, com considerável jurisprudência positiva formada em seu torno, à dura pena, após gastar rios de tintas, e substituí-lo pela monstruosa proposta em discussão que mais se assemelha à figura mitológica do Leão Alado ou da Medusa, que mistura espécies tributárias diferentes e de natureza diversa, metendo-os tudo dentro de um mesmo balaio, a inviabilizar o uso do Código Tributário Nacional, um verdadeiro monumento jurídico que perdura por mais de meio século, sem qualquer mácula, e que vem servindo como escudo de proteção do contribuinte [8].
Enfim, é preciso reformar a mentalidade dos legisladores e banir a cultura da nebulosidade tributária, fazendo cumprir o que está no § 5º, do art. 150 da Constituição [9]. É preciso, também, colocar um ponto final na nefasta atuação de burocratas incrustados no seio da administração pública que complicam, confundem, atrapalham, embaralham e encarecem os custos, tanto das empresas, como do poder público que remunera esses servidores comissionados a peso de ouro. Esses burocratas têm por objetivo apenas, e tão somente, elaborar, em escala industrial, as normas subalternas com a total inversão da hierarquia vertical das leis, ou, patrocinar a apresentação de anteprojetos legislativos, todos caracterizados por sadismos burocráticos cada vez mais acentuados. Há uma relação direta entre a atuação desses burocratas e a elevação de tributos, fazendo que o Brasil tenha o tributo mais caro do mundo, para sustentar a maior corrupção do planeta [10].
Nada mais é preciso fazer. É tempo de deixar em paz o Sistema Tributário Nacional tão bem esculpido pelo legislador constituinte original de forma cabal e completa, nada deixando à eventual colaboração do legislador infraconstitucional que, entretanto, vem insistindo em deformá-lo de forma direta, às vezes, e, por vias oblíquas, na maioria das vezes.
Para ver o texto integral da Lei nº 13.670, de 30 de Maio de 2018, aperte o Ctrl e clique aqui: LEIA NA ÍNTEGRA
[1] As raízes legais da corrupção: ou como o direito público fomenta a corrupção em vez de combatê-la. Comentário à edição brasileira por Toshio Mukai. São Paulo: ContraCorrente, 2018.
[2] “Devedores” na visão do fisco que dá a interpretação que lhe for mais conveniente, valendo-se da ambiguidade do texto normativo. E as sanções políticas funcionam como obstáculos ao exercício do contraditório e ampla defesa devido à costumeira morosidade do Judiciário, se e quando provocado. O § 1º, do art. 316 do Código Penal que tipificou o crime de excesso de exação fiscal jamais foi aplicado em tempo algum. Os agentes do fisco pairam acima da lei.
[3] Em textos escritos anteriormente já antevíamos a imperiosidade do aumento tributário no novo governo, tendo em vista uma porção de bombas de efeito retardado preparadas pelo Congresso Nacional em final de encerramento de sua sessão legislativa, portanto, sem legitimidade por conta da renovação de 2/3 de seus membros na nova legislatura que se inicia em fevereiro de 2019.
[4] É como colocar um bode à moda dos jabutis das medidas provisórias e acenar com a sua retirada caso os contribuintes, encarcerados pelas malhas da lei, se curvem à vontade do fisco.
[5] Certo ou errado, o art. 31 da Lei nº 8.212/91, na redação dada pela Lei n٥ 11.941/09, prescreve que “a empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviço e recolher em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura...”.
[6] Simplificação do sistema tributário não tem muito a ver com a carga tributária que poderá ser exacerbada até mesmo no sistema de imposto único.
[7] A modulação de efeitos para passar uma esponja no passado (quem pagou, pagou; quem não pagou, não mais precisa pagar) serve de estímulo a maus governantes para instituir tributos manifestamente inconstitucionais, contando com a conhecida morosidade do Judiciário. Representa uma afronta ao princípio da moralidade (art. 37 da CF).
[8] A reforma em discussão, já aprovada açodadamente na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, é mais apropriada para um Estado monárquico. É pior do que o projeto de imposto único do economista Marcos Cintra que vem pregando há mais de três décadas, sem encontrar eco, por razões óbvias. Pessoalmente sou a favor do imposto único, mas com monarquia e com sistema parlamentarista de governo. Isso pouparia bilhões em campanhas presidenciais.
[9] “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”.
[10] A corrupção cresceu de tal forma nos treze anos de desgoverno do PT, com assaltos permanentes e programados aos cofres públicos, e com destruição sistemática do patrimônio (material e moral) da nação que o povo, indignado, alterou, por meio das urnas, o cenário político nacional. Esperemos que dias melhores virão.