Mestre em Direito Constitucional pela UFPª, Doutor em Direito das Relações Sociais, PUC/SP, Doutor em Direito do Estado, USP, Livre Docente em Direito Fiancneiro, USP. Pós Doutorado pela Universidade de Salamanca. Professor Titular da Faculdade Autonoma de Direito de São Paulo – FADISP, nos Programas de Doutorado e Mestrado. Presquisador da FUNADESP. Juiz do Trabalho da 2ª Região, Titular da 14ª Vara do Trabalho de São Paulo. Da Academia Paulista de Magistrados, e da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Regis Fernandes de Oliveira. Proferssor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Patrono da Sociedade Paulista de Direito Financeiro.
A pobreza como problema jurídico. O direito não costuma tratar temas fora dos conceitos normativos. Entendem todos que a pobreza, por exemplo, não é matéria jurídica. O assunto desbordaria para o nível sociológico, ficando fora da incidência de regras jurídicas.
Ora, o art. 6º da Constituição Federal estabelece como direito social a “assistência aos desamparados”. O art. 1º do mesmo diploma dispõe que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e o art. 3º tem a erradicação da pobreza como um dos objetivos fundamentais do mesmo Estado.
Como se isso não bastasse, o mesmo artigo 3º considera um dos objetivos fundamentais, construir uma sociedade...justa e solidária que busca “reduzir as desigualdades sociais”.
O art. 23 da Lei Maior estabelece que é da competência comum dos três entes federativos “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.
Para cumprir tais disposições constitucionais foi que se criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, através dos arts. 79 a 83 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Originariamente destinado a viger até 2010 foi prorrogado pela Emenda Constitucional n. 67/2010 por tempo indeterminado.
Vê-se, pelos dispositivos invocados (além dos incisos LXXIV do art. 5º que cuida de assistência jurídica e do inciso LXXVI do mesmo artigo que trata da gratuidade de atos registrários, do art. 134 que cuida da Defensoria Pública para defesa dos necessitados e também do art. 203 que trata da assistência social a quem dela necessitar) que o Estado moderno opta por reequilibrar a sociedade, através de políticas retributivas.
Vê-se que o assunto é estritamente jurídico e como tal deve ser tratado.
Desnecessária uma definição de pobreza. Ela é real. Seu contrário é a riqueza. O ordenamento normativo não busca amparar a riqueza, mas contém inúmeros preceitos para assistir à pobreza.
Como disse Rousseau, nas primeiras linhas de seu discurso sobre “a origem da desigualdade entre os homens”, “concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade. Uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma. A outra, que pode ser chamada de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros ou mesmo fazer se obedecer por eles”.
A pobreza criada pelos homens irá necessitar, a partir da instituição do Estado de ações positivas que busquem atenuar, compensar ou extinguir o fosso social que se abre entre ricos e pobres.
Espécies: individual, coletiva e social. Podemos visualizar alguns tipos de pobreza: a) a individual; b) a de coletiva e c) a social. Todos eles merecem a atuação do Estado.
Individual. A pobreza individual deixa claro que deve se caracterizar como involuntária. A saber, há determinadas pessoas que voluntariamente optam por viver na pobreza, seja por votos religiosos prestados ou por convicção pessoal de desprendimento. Com tal tipo de pobreza não se envolve o Estado, porque integra as diversas opções que o indivíduo faz em sua vida. Respeitada deve ser sua privacidade e sua liberdade. Se escolhe um caminho de humildade, de renúncia aos bens da vida, de desapego a bens materiais, o Estado não pode intervir. Exige-se dele uma omissão. Estará cumprindo sua missão constitucional não intervindo na intimidade da pessoa. Mas, tais casos constituem exceção.
O cuidado do Estado começa com a pobreza involuntária individual. Essa exige providências do Estado. De duas uma: ou o indivíduo provoca a atuação estatal ou esta, espontaneamente, vai até ele. Se uma pessoa está abandonada nas ruas da cidade tem o Estado o dever de recolhê-lo, alimentá-lo e dar-lhe abrigo. Se o indivíduo busca órgão municipal, estadual ou federal, esse tem que atendê-lo.
No caso de não ser atendido, busca a gratuidade da defensoria pública para obrigar, através do Judiciário, a ação. Para Aristóteles “potência significa o princípio do movimento ou da mudança existente em alguma coisa distinta da coisa mudada, ou nela enquanto outra”[1] . O filósofo valeu-se dos ensinamentos anteriores de Heráclito e Parmênides. O primeiro dizia que tudo se movimenta; o segundo que nada se movimenta. O “ato significa a presença da coisa, não no sentido em que entendemos potência. Dizemos que uma coisa está presente potencialmente como Hermes está presente na madeira ou a semilinha no todo, porque são indissociáveis, e até o homem que não está estudando chamamos de estudioso desde que seja capaz de estudar”[2] . O exemplo didático é representado pela semente e árvore. O ato é representado pela semente (coisa já existente); a potência é a possibilidade de a semente virar árvore.
O Estado, através de seus inúmeros órgãos de atuação é mera potência enquanto não acionado ou enquanto não entra em ação. Ao se movimentarem viram atos vivos de transformação da realidade.
O indivíduo é inerte e inerme. Mero ato. Ao se movimentar e buscar a ação (potência) do Estado, também vira potência.
Pode-se estabelecer diferença entre indigência e pobreza? Zanobini afirma que a indigência é uma situação permanente e mais grave; a pobreza é ocasional e superável[3] . Podemos dizer que a indigência é mais duradoura. Tal afirmação não firma critério ponderável nem aceitável de distinção. Ambas são situações conflitivas dentro da sociedade. Ambas envolvem e necessitam da atuação ou da sociedade ou do Estado.
A exceção vem mencionada com notável alusão à figura do muçulmano no campo de concentração, tão bem retratado por Giorgio Agamben em “O que resta de Auschwitz”[4] . O abandono individual significa a perda completa da dignidade. É a negação da vida. Somente o amparo do Estado pode recuperar a dignidade e também a vida.
Pobreza coletiva. O mesmo ocorre quando se cuida da pobreza coletiva: favelas, cortiços, invasões múltiplas de área, “cracolândia”, etc. Agrupamentos abandonados que nascem ao arrepio das ações governamentais e contra essas e se impõem na sociedade.
Aqui o problema já não é cuidar de um indivíduo apenas, mas de um aglomerado que tem o mesmo problema. Subalimentação, falta de atendimento médico, doenças, promiscuidade, perda do sentido do social, tudo caracteriza a pobreza coletiva.
O grupo sente-se em apartheid, fora da incidência do regramento jurídico. Aqui não é apenas o indivíduo, mas uma coletividade mais ou menos grande. De qualquer forma carente. Acha-se fora do alcance dos mecanismos do Estado. Não há trabalho, não há água potável, não há saneamento básico, não há transporte, não há assistência médica. Nada. Abandono completo.
Pobreza social. Por fim, na identificação feita, há a pobreza da sociedade. Não mais indivíduos ou grupos, mas a maioria ou grande parte da sociedade está alijada dos bens da vida. Daí a importância de uma política social no exato dizer de Foucault quando escreve que é “uma política que se estabelece como objetivo de uma relativa repartição do acesso de cada um aos bens de consumo”[5] . Socializa-se o consumo. O governo tem que intervir “nessa sociedade para que os mecanismos concorrenciais, a cada instante e em cada ponto da espessura social, possam ter o papel de reguladores – e é nisso que a sua intervenção vai possibilitar o que é o seu objetivo: a constituição de um regulador de mercado geral da sociedade”.[6]
O que está em jogo aqui é uma política pública do Estado em face a toda uma sociedade. Já não mais a solução pontual de uma situação dada nem a de atendimento a um grupamento, mas a toda a sociedade que está desequilibrada. É o que se pode rotular de pobreza difusa. Está permeada no seio da coletividade como um todo.
Pode-se dizer que a sociedade está em situação de vulnerabilidade, na hipótese em que há muita desigualdade econômica. Amartya Zen em seu “desenvolvimento com liberdade” assinala bem a regra moral aplicável a todos e que a ninguém é dado fugir.
Vistos os três tipos de pobreza, passemos à análise de como deve o Estado agir e o que pode fazer para diminuir os níveis de tensão existentes na sociedade e fazer com que se reduzam os conflitos.
Capacidade contributiva tributária e receptiva financeira. Políticas públicas e destinatários. Um primeiro ponto é o sistema de arrecadação. Este deve levar em conta o que os juristas chamam de capacidade contributiva. É essencial na compreensão do problema. De forma positiva, significa que cada indivíduo que tenha recursos e os aufira no seio da sociedade em que vive tem uma obrigação moral de contribuir para que as desigualdades diminuam.
Há sérios problemas éticos envolvidos. Até que ponto se pode obrigar alguém a contribuir para ajudar terceiros? Há, no interior da sociedade tal obrigação a exigir uma conduta ética neste sentido? Ora, o Estado não é integrado apenas de ricos com exclusão dos pobres ou dos pobres com exclusão dos ricos. Todos estão integrados em uma determinada sociedade. Todos, nesse sentido, são responsáveis por ela. Todos contribuem para a riqueza total do país. Quem pode mais, paga mais; quem pode menos, contribui com menor. Mas, pode-se questionar, esta regra é compatível com a disciplina da sociedade?
Temos que é dever ético de todos que convivem não serem obrigados a sustentar os mais pobres, mas devem colaborar para que a sociedade os ampare. É que usufruem, todos, indistintamente, dos benefícios públicos. Boas estradas, bons divertimentos, bons sistemas de saúde, de educação, etc., beneficiam a todos. Moléstias transmissíveis atingem a todos, sem indagar se são ricos ou pobres ou ricos. Outros males como a dengue, por exemplo, são democráticos. Logo, o viver em comunidade pressupõe responsabilidades divididas.
Assentada tal premissa, é dever de todos o pagamento de tributos. Pode-se dizer até que é dever bíblico. Ora, viver em determinado Município, Estado-membro ou país significa que a pessoa a eles se acha integrado. Logo, todos devem pagar de acordo com sua capacidade e quando da ocorrência das hipóteses de incidência.
Deve haver uma relação entre o que se arrecada e o produto interno bruto (PIB). Exaurir as forças produtivas da sociedade não é o caminho. O capital busca mais capital e mais lucro. Não vê o problema social. Nem quer saber dele. Quer que o Estado não atrapalhe a empresa. De outro lado, a população afastada do emprego não quer incomodar o capital, mas dele precisa. Nasce relação altamente tensional. Invasões de terra, ocupação de imóveis particulares e públicos, passeatas, confusões, incêndios de pneus em vias públicas, depredação de empresas, etc. Atos de vandalismo que buscam conforto e apoio no descompasso dos níveis sociais de compreensão.
O dono do capital não quer a convivência em tal estado de coisas. Tem que proteger seu capital, sua empresa e sua família. Logo, tem obrigação moral de contribuir mais fartamente para o bolo da receita.
As receitas, como disse, não podem tirar do dono do capital todo seu potencial. Ao contrário, devem existir estímulos quando os empresários tiverem dificuldade, por força do relacionamento internacional ou mesmo em face de dificuldade climáticas, cambiais, etc. Tem, também, que existir relação entre o produto interno bruto e a capacidade contributiva do todo da sociedade.
Como disse Bernardo Giorgio Mattarella, “la povertà è um problema non solo per chi ne è vittima, ma per tutta la società, e non solo in termini morali o estetici, ma anche in termini molto materiali”[7]
Se o problema é de toda a sociedade e o capital deve participar de sua solução, todos devem estar englobados na luta pela diminuição das desigualdades.
Daí a atuação potencial do Estado.
Primeiramente, deve atuar de forma a prevenir que as desigualdades de aprofundem. No combate ao tráfico e consumo de drogas, importante estabelecer política integrada dos entes federativos. A prevenção (combate do tráfico nas fronteiras, por exemplo) é essencial. Depois, busca a cura e a repressão. Mas, anteriormente, é fundamental que medidas preventivas possam diminuir ou impedir a entrada de drogas no Brasil.
O consumo de drogas, por exemplo, é democrático. Atinge com mais força os ricos que têm poder de adquirir qualquer tipo de estupefacientes. Os demais, cingem-se a drogas baratas (crack, por exemplo).
Ressalta-se, com tal dado, a importância de todos estarem dispostos a participar no pagamento dos tributos (evitando-se a evasão, a elisão e todos os mecanismos de redução de seu pagamento).
Amparado o cofre público com recursos correlativos com o produto interno bruto (o Brasil tem excessiva cobrança, o que diminui a perspectiva do crescimento do país) o governo tem que pensar no destino a ser dado aos tributos arrecadados.
Daí é que se deve pensar no efeito distributivo dos recursos arrecadados. Os destinatários, então, é a outra face da moeda, os pobres. Se aos ricos se aplica a regra da capacidade contributiva em relação aos impostos, aos pobres se aplica a regra da capacidade receptiva. Tendo o governo a disponibilidade de caixa, cabe-lhe discutir com a sociedade (rica e pobre) onde, como e quando investir nas denominadas políticas públicas.
Na estrutura orgânica do Estado há uma série de atribuições distribuídas entre os entes públicos. Cada qual tem competência para agir em busca de soluções públicas. Em relação ao tema da distribuição dos recursos públicos e sua aplicação em benefício do indivíduo, das coletividades e da sociedade, surgem as denominadas políticas públicas. Estas outras coisas não são que agir no espaço vazio e necessário. São as ações do Estado em benefício ou em direção às necessidades que foram definidas no ordenamento jurídico.
Evidente que há um ideal (pode-se dizer platônico): pleno emprego, ninguém abandonado, todos com moradia, usufruindo de bom sistema de transporte, saúde, educação, etc. Tal Estado é apenas o ideal. Mas, como se viu, a realidade é mais dura e contundente. As desigualdades estão evidentes e crescem a cada dia. Há um poder de concentração de capital em mãos de poucos. A grande maioria da sociedade vive marginalizada. É o que se vê no dia a dia de nossas cidades, pequenas ou grandes.
Os distanciamentos aumentam. Cada qual quer cuidar de sua própria vida, sem ser perturbado pelos outros. O egoísmo cresce, o cuidado de si mesmo se agiganta e a cura do coletivo é completamente abandonada. A sociedade sente-se absolutamente em confronto com o Estado. Este como é composto por pessoas agem em função de suas pulsões e de seus sentimentos. Nem sempre nobres. Nem sempre controlados. A proximidade do dinheiro público entorpece os sentimentos de solidariedade e de benemerência, fazendo estimular tudo que há de menos elevado.
Não queremos, nem há espaço para estudar os sentimentos que fluem no interior das pessoas. Análise psicanalítica, mas importante para analisar os fatos sociais. É que quem exerce poderes no Estado são pessoas. Plexos de sentimentos conflituosos. De fluência perversa e que busca valer-se dos bens do Estado, na saborosa crítica do Padre Vieira (no sermão do bom ladrão).
A literatura estrangeira é farta em estudar as desigualdades sociais. Situações de fome foram retratadas por Zola, Dostoievski, etc. A brasileira não fica atrás, especialmente quando do realismo (Aloísio de Azevedo, Graciliano Ramos). O ciclo da cana de açúcar não fica atrás.
O problema da literatura é denunciar ou descrever fatos agudos da realidade. O do governante é de buscar resolvê-los.
De posso dos recursos, então, e através do orçamento, irá efetuar sua redistribuição, tendo em vista os problemas sociais existentes. O bom governante não pode ignorar sua realidade. Tem que saber dos desníveis em que os grupos (as tribos, no dizer de Michel Maffesoli) se encontram. Daí nasce a decisão política do gasto. É deliberação da mais alta importância. Através dela é que dará destino adequado aos tributos e demais receitas arrecadadas.
A capacidade receptiva decorre de um direito à prestação do Estado e ela se qualifica em face dos diversos dispositivos constitucionais que disciplinam a matéria. Tal direito decorre de se encontrar o credor (ou beneficiário) na situação de risco ou de vulnerabilidade descrita no todo constitucional.
Os destinatários devem se encontrar naquelas situações descritas antes: pobreza individual, coletiva ou social. Desnecessário efetuar um detalhamento nem buscar no ganho individual a identificação do necessitado. A lei, por vezes, cria critérios para identificação do pobre.
O Fundo de erradicação da pobreza. A linha de pobreza. A lei complementar n. 111, de 6 de julho de 2001 disciplinou os arts. 79, 80 e 81 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Estabelece que tem o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros o acesso a ações suplementares de “nutrição, habitação, saúde, educação, reforço de renda familiar” (art. 1º).
A lei complementar utiliza palavras vagas para localizar os destinatários. Fala, por exemplo, em famílias que tenham renda “inferior à linha de pobreza”[8] , ou de populações “que apresentem condições desfavoráveis”.[9]
A linha de pobreza é critério que vem sendo utilizado para identificar situações de risco social absoluto. É o que recebe menos de um dólar (indigência) por mês ou dois dólares (pobreza), de acordo com critério do Banco Mundial.
Vê-se que a redação legal utiliza palavras vagas (não teoréticas) e, pois, ao governante é dada ampla margem de discricionariedade para aplicar o texto normativo. O resultado é o abuso e critérios subjetivos que podem surgir na aplicação da lei.
Pode-se entender que o governo tenha discrição e discernimento na escolha das situações tensionais que enfrenta e a elas destine os recursos necessários para a diminuição ou eliminação das tensões. Políticas habitacionais, alimentares, sanitárias, de transporte, etc. devem estar na mente dos governantes. Doentes, idosos, deficientes, desempregados, todas estas pessoas e situações em que se encontram são reais e não imaginárias.
Diante de tais critérios imprecisos pode-se falar em pobreza relativa e absoluta ou extrema. Quais os critérios de distinção? É linha tênue de raciocínio que nos irá levar a eles. A segunda é o abandono total dos bens da vida. Não há remédio, nem escola, nem hospital, nem transporte, nem moradia. Nada. É o completo exangue. Não tem mais poder de recuperação. Encontra-se totalmente desnorteado, sem possibilidade de reação. É o muçulmano descrito por Agamben. A pobreza relativa pode ser identificada como aquele indivíduo ou agrupamento que ainda é possível encontrar um lugar para dormir num albergue ou uma alimentação frugal em casa de recolhimento.
Ambas são dramáticas. Situações dantescas.
Importante que o Estado, diante delas busque minorar sua brutalidade destinando-lhe recursos.
O diálogo necessário. Essencial, também, é que o Estado dialogue com a sociedade. Não pode buscar soluções imperativas e ditatoriais, sem qualquer conversa com grupos que se ocupam da pobreza, ou seja, organizações não governamentais. A responsabilidade é do Estado, sem dúvida, mas estas coletividades, estas associações estudam tais problemas, buscam intervenção na sociedade, tratam de apresentar soluções alternativas. O Estado não pode delas buscar distância. Ao contrário, o diálogo é sempre importante, ainda que, depois de ouvi-las tome outras decisões. Sempre há uma contribuição a ser dada.
Imperioso que o Estado, quando da deliberação sobre o gasto público ouça a sociedade, por seus diversos segmentos. O Estado não detém o poder da onisciência, nem lhe é cabível ter posição de distanciamento das outras emanações de conhecimento sobre a realidade que governa. Humildade e não prepotência é o sentimento que deve imperar em tais deliberações.
Os governantes devem evitar pesadelos.
A opinião pública (Habermas) e as paixões (Hirschman). A linguagem em Bakhtin. A pobreza é uma realidade gritante no meio da sociedade, especialmente da brasileira. Há um distanciamento enorme entre os problemas sociais existentes e o centro de deliberação sobre o destino dos gastos públicos. O orçamento participativo pode ajudar, desde que não seja manipulado pelo governo. A praça pública nem sempre é o melhor lugar para se colher a melhor opinião, sem embargo dos profundos estudos de Habermas.
As paixões humanas é que têm que ser dominadas no processo de busca das soluções sociais. É que os sentimentos assaltam os homens, turbando seu raciocínio. Interesses prevalecem sobre os bons sentimentos. O interessante estudo de Hirschman (“interesses e paixões”) sobre os interesses econômicos que devem restringir ou controlar as paixões reflete apenas a versão de um economista liberal.
O que prevalece, a nosso sentir, é a manipulação de recursos para atender a classes mais favorecidas (é incrível, mas assim é), numa inversão total do papel do Estado e também de todos os preceitos constitucionais que mencionamos no início deste trabalho. Os preceitos aludidos e que traçam os objetivos fundamentais do Estado brasileiro e também servem de fundamento político de nossa estrutura federativa têm destino certo: a busca de uma sociedade mais igualitária.
O comportamento dos governantes que até agora os aplicaram atuam em sentido antípoda ao previsto na Constituição.
A pobreza é, pois, uma característica que existiu e sempre existirá na realidade mundial. Cabe a intervenção do Estado no exercício de uma política distributiva com o objetivo de diminuir as diferenças entre pessoas, classes, categorias e que permeia em toda a sociedade.
O bom governante tem que aplicar as normas jurídicas existentes no complexo estrutural do sistema brasileiro. Como tal tem que saber que há uma sociedade desigual e que ele tem o dever ético de buscar alterar a realidade através de atos dirigidos à diminuição da fome no Brasil.
A análise de Bakhtin (‘Marxismo e a filosofia da linguagem”) mostra-se preciosa para o desenvolver do raciocínio. Faz o autor corte brusco na teoria da linguagem para entender que não se pode analisa-la de forma abstrata. O estudo também é pertinente, mas quando se pretende estudar uma linguagem deve-se descer ao nível dialógico. A saber, é à luz da linguagem falada que se pode ter a visão de como ela se mostra como organismo vivo. Não se pode aplicar um “corte” para isolar o objeto de análise. Ao contrário, só podemos estudar uma língua à vista de como ela é falada.
Estuda a palavra fome que tem conotações diversas dependendo da situação em que é pronunciada. “Estou com fome” é uma coisa; “vamos almoça porque estamos famintos” expressão dirigida pelo pai de família em sua casa, tem outro sentido; “o povo está faminto” tem conotação forte. Logo, depende de onde se usa a palavra, quando é utilizada, a situação em que é proferida, tudo muda de sentido.
Superada a fome, o passo seguinte é a diminuição das desigualdades sociais como objetivo fundamental.
As rebeliões. Apenas as rebeliões é que logram atingir o governo em sua inércia. Grupos organizados podem muito bem dinamitar as estruturas sociais através de passeatas, discursos, reuniões, congressos, busca de adesão de intelectuais, esportistas, atores e atrizes, enfim, gente de boa popularidade para que sejam pensadores de tais problemas para acionar o governo.
Enquanto não houver isso, os governantes não se mexem. Fazem-no apenas em campanhas e viram as costas ao depois da eleição para se dedicarem às próximas eleições, à colocação de seus apaniguados e burla da destinação dos recursos públicos.
A corrupção, os desmandos, os desvios de recursos, seu mau emprego, a incompetência, tudo se une para fazer com que a pobreza continue. É marcha incontrolada e contínua das desigualdades sociais. Estas persistem graças à incompetência que gera uma expectativa frustrada de solução dos problemas.
Em suma, não há solução para a pobreza, sem embargo dos caminhos que apontamos para sua diminuição. Isso, enquanto persistirem os sentimentos maldosos que ganham a luta no interior dos humanos.
A Riqueza. O que se pretende enfocar nestas reflexões envolve a ligação entre o fenômeno da riqueza e a vida financeira do Estado, com alguma inflexão para o que se pode chamar de enriquecimento, entendido como as possibilidades de esta relação Estado/cidadania, de certa forma contribuir para o crescimento das riquezas e sua consequente distribuição.
É importante fixar, como norte, que escapa às possibilidades do Direito produzir ou gerar riqueza. Diversamente, sua natureza instrumental possibilita sim que ofereça ferramental contributivo para tanto, dando conformação obrigatória às relações na sociedade e viabilizando estes objetivos, como já observou Pontes de Miranda[10] ao dizer ser o direito expresso em “regra jurídica como norma com que o homem, ao querer subordinar os fatos a certa ordem e a certa previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida”
A aludida subordinação dos fatos a “certa ordem” acima referida precisa contemplar, tanto nos critérios do estabelecimento, quanto na ordem em si, o que se pode considerar como sendo um conteúdo ético preenchido com a concepção de justiça vigente na sociedade na etapa histórica respectiva, o qual, materializando um consenso hegemônico porque prevalecente, desempenha também o papel de estabilizador para a aceitação pactuada na organização da sociedade, bem assim como dos processos nela em curso, retroalimentando o poder político de sustentação e mantendo o sistema em seu curso.
A ordem estabelecida pressupõe um grau determinado de flexibilidade que torne possíveis os ajustes necessários à compatibilização com os processos sociais, e processando as inclusões das diversidades e variações próprias da organização social, excluída, assim, a visão da homogeneidade completa, por incompatível com a realidade.
Daí entender-se forçoso compreender que a vida financeira do estado, formatada à moldura da ordem jurídica do Direito Financeiro, mais do que nunca hoje com fortes raízes constitucionais e portanto políticas, como cabeça de Jano, oferece duas faces, duas perspectivas não necessariamente antagônicas, antes complementares, que se pode sintetizar a esta altura como voltada a diminuição da pobreza em todas as dimensões, mas também, ao estímulo e favorecimento à riqueza, até como instrumento alimentar da primeira, ou, noutras palavras, reduzir a pobreza e aumentar a riqueza.
Com efeito, a existência do Estado contemporâneo significa, por si só, o que se pode considerar como sendo interação política/economia/finanças, eis que o Poder Político e seu exercício vão gradativamente alterando perfil e função, acomodando-se às realidades e consequentemente às demandas e necessidades do tempo. Resulta a presença do Estado, direta ou indiretamente, nas relações econômicas da sociedade, seja regulando-as para dirigi-las em algum grau considerando o interesse comum, seja tutelando os direitos fundamentais dos indivíduos, seja com intervenção mais direta atuando na economia com investimento diretos nos instrumentos da produção, ou assumindo a feitura infraestrutural de suporte para facilitar, estimular e mesmo desenvolver as atividades econômicas privadas naquilo que, desde o pós II Guerra, Modesto Carvalhosa antevia: “Pode-se agora falar, em termos genéricos, de um Estado economico com fins sociais”, arrematando, mais adiante: “Firma-se communis opinio de que a solidez do poder, reside, substancialmente, no economico e, relativamente, no político. O Estado guerreiro, o Estado político, passa a ser o Estado economico. A prosperidade material da população é o elemento identificador de todos os governos atuais, independentemente de suas substanciais diferenças de regime político, de sistema economicos e de estágios produtivos. Na condução de um país, podem se alternar os governos autoritarios ou representativos; porém, os fins da prosperidade economica e social permanecem e são, ininterruptamente perseguidos, ou pelo menos declarados pelos sucessivos detentores do poder. O Estado torna-se missionário da prosperidade material do povo.”[11]
O Estado Economico com fins sociais, que é o Estado contemporâneo, precisa remarcar na sua vida financeira a compatibilidade fins/meios de modo a viabilizar que sua ação, suas atividades e objetivos coincidam com os anseios de bem estar da sociedade e dos indivíduos, e neste quadro se insere a necessária preocupação da busca permanente pela redução da distancia riqueza/pobreza e, portanto, norteando a suas ações com a obtenção e destinação de recursos financeiros não apenas voltados à distribuição de riqueza, mas, também e equilibradamente, à produção dela, funcionando de certa forma como agente de favorecimento da multiplicação, aí incluido, obviamente o exercício do poder normativo estatal em todos os níveis e formas, rememorando Washington Peluso Albino de Souza, tratando o conteúdo economico e financeiro do direito impregnado de valores políticos e, acrescemos, éticos referidos à concepção de justiça vigente .[12]
Considerando-se que a instituição da função social hoje presente nas concepções jurídico-políticas perpassa a ordem jurídico-social, e esta compreende os benefícios das coisas e relações diretamente aos sujeitos participantes, mas, também, à sociedade em seu conjunto, fixando a inserção contextual de cada relação no conjunto social. Cabe relembrar, neste ponto, que o direito não regula tudo, apenas volta a atenção àquelas relações e situações que são socialmente relevantes, vinculam-se em algum grau ao interesse geral da sociedade, merecendo, em decorrência a regulação pela ordem jurídica. Ora bem, com a elevação do primado dos direitos fundamentais, este quadro ganha contornos mais acentuados
Considerada esta instituição, entre nós constituicionalmente estabelecida, é-nos possível identificar a segunda face da moeda que se propõe. Assim, de um lado, o Estado na sua função instrumental de busca do bem comum, acolhendo e perseguindo as demandas prevalecentes na sociedade a que serve, e o faz na preocupação de reduzir a pobreza, buscando viabilizar linha razoável de vida à todos, através das políticas públicas inclusivas de prestação de serviços públicos diretos, de ações governamentais promocionais, onde estão incluidas medidas assistenciais e de redistribuição de renda; também precisa ter voltados os olhos ao aumenta da prosperidade, valendo-se de meios de intervenção, regulação e tributação capazer de foomentar o enriquecimento da sociedade.
A visão bilateral atenta ao binomio riqueza-pobreza é imperativa, cabendo aqui assinalar que a prosperidade, o aumento da riqueza, contribui significativamente para reequilibrar as coisas, reduzindo a pobreza. Especificamente estamos considerando a figura da empresa, da unidade produtiva.
Nesta linha de raciocínio, vemos que todo o perfil constitucional da organização economica e social, e, em nosso ver, consequentemente financeira, tem remarcada a função social. O elenco dos direitos fundamentais contido no art. 5º, XXIII, impõe ao direito de propriedade, reconhecendo-o, porém atendendo à função social, o que significa no dizer de Celso Bastos (et Ives Gandra da Silva, Martins, Comentários à Constituição Brasileira, 2º vol. p.120) que a liberdade de uso e fruição transforma-se em dever de uso, fazendo, assim, a compatibilização entre a fruição individual da propriedade e os fins sociais, e estes fins sociais são a produção significativa e a gestão competente, capaz de compensar os proprietários mas, sobretudo, a gestão que façam da riqueza, que trazem benefícios para eles, mas, indiretamente, também, para a sociedade como um todo e mediatamente para todos os que estão relacionados com a atividade. Com efeito, o Estado economico com fins sociais a que ante se referiu se orienta pelo desenvolvimento economico e social, conforme Bastos (op.cit.loc.cit), que vem a ser fundamento organizacional do sistema, o que significa também a partilha equitativa dos bens produzidos; afinal, a produção insuficiente não pode gerar bem estar coletivo. A função social, portanto, é ampliar a produção e a partilha razoável, e, a ação estatal precisa estar focada nesta percepção, porque ao fim e ao cabo, o combate a pobreza pressupõe a ampliação da riqueza, porque só é possivel distribuir o que existe.
Mais além, se entendermos esta função social sob a ótica do imperativo jurídica materializado em norma constitucional, podemos desdobrá-lo com as referências de exploração e aproveitamento dos bens de maneira racional e adequada, com cuidado de sustentabillidade ambiental, cumprimento integral da regulamentação jurídica incidente, e, assim, como acentua Tereza Ancona Lopez (Comentários à Constituição Federal de 1988, p. 146), resta claro que a opção liberal democrática da ordem brasileira protege e respeita a proppriedade, mas deixa claro que no conflito entre o interesse particular e o coletivo, merecerá tutela sempre em favor do social.
A ação estatal no âmbito financeiro, especialmente na sua vida financeira, precisa estar adequada e equilibradamente atuando na obtenção de recursos e na destinação deles, também favorecendo à atividade produtiva, construindo, assim, o que se pode entender como a prosperidade necessária a gerar a riqueza a ser redistribuida.
O ponto fundamental a considerar neste aspecto é o conceito do mínimo vital, ao estabelecer os critérios para a capacidade contribuitiva náo apenas dos cidadãos, mas, também das atividades produtivas, das empresas. Dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar que é inerente ao Estado, tem-se a vedação ao carater confiscatório, e que significa extamente limitar a obrigação de contribuir para que não chegue a tal ordem que esterelize a riqueza, subtraia as vantagens pondo de as anular.
Há que se ter o cuidado de ao impor a contribuição como obrigação cívica indispensável a vida social, preservar o nível razoável de acumulação capaz de tornar possível o aumento de investimento, a formação de reservas, enfim, à construção da tão necessária poupança interna essencial ao financiamento do crescimento da economia, e consequente desenvolvimento dela, e a socialização deste desenvolvimento com o a redistribuição mínima razoável desta riqueza construída. É preciso, assim, que se preserva a construção de riqueza para tornar possível o combate indispensável à pobreza.
Abad, Diaz, Herrero y Mejica (in Notas de Introdución al Derecho Financiero, ed. Tecno Madrid, 1992) observam que a organização política da sociedade contém um projeto de via em comum que estabelece alcançar determinados objetivos, fundados nas necessidade comuns dos indivíduos, cujo atendimento demanda recursos que precisam ser obtidos da própria sociedade, aí está o fundamento da solidariedade social inerente à organização política, e o dispêndio racional e ordenado destes recursos na buscas dos objetivo colimados, convertendo em instância última estes recursos em serviços e meios de atender às necessidades e demandas, já no plano da concretitude da vida. Ganha, aí, destaque o que se pode denominar de qualidade da gestão financeira, o estabelecimento e manutenção de patamar marcado pelos critérios idoneos de governança para esta gestão, servindo de “ferramenta de mudança social. (Marcus Abraham, Curso de Direito Financeiro, Campus, RJ, 2013, p.18), e, a mudança social necessária a manutenção da estabilidade da organização, porque precisa acompanhar o processo da própria sociedade, acolhendo e ajustando-se as mutações, avanços e retrocessos, ambos próprios das vicissitudes da vida prática e da contingência da condição humana.
A preocupação necessária com a prosperidade, com a produção de riqueza a distribuir, está diretamente ligada à mudança social necessária, não é excesso reconhecer que nela se inclui como conteúdo.
A concepção mais atualizada, mais contemporânea do Direito Financeiro, marcada que está pelo conteúdo democrático, que significa a inclusão da sociedade e dos indivíduos no processo decisório, na discussão dos problemas, na confrontação das demandas e aspirações, na busca pela construção de consensos democráticos capazes de acolher as diversidades, a pluralidade formadora do conjunto social. Tal concepção ou mesmo releitura sistêmica deste capítulo fundamental do Direito Público, ao contemplar a diversidade e a disputa das demandas, naturalmente precisa considerar as duas dimensões sobre as quais se reflete e cogita. A pobreza, que precisa ser erradicada, elevados os níveis de vida, minimante compatíveis com a dignidade inerente à condição humana dos indivíduos, mas também a riqueza precisa ser contemplada. Há de se destinar recursos para foomentar o aumento e a consolidação do processo de enriquecimento da sociedade, de crescimento da economia, de forma a completar o sistema, com a geração de produção, emprego e renda, esta última não apenas para o capital, óbvio, mas ao incremento da massa salarial aumentando a participação dela na composição do produto nacional, e, também, realimentando o sistema com a ampliação da capacidade contributiva da sociedade: indivíduos e empresas, de sorte a gerar maior volume de recursos para que o Estado melhor desempenhe suas tarefas e persiga com mais vigor e eficiência suas finalidades e objetivos.
Tem-se claro que não se pode cogitar de governança financeira eficaz sem o horizonte social em sentido amplo, posto que o Estado é economico e com fins sociais como ao norte se referiu.
Estas considerações precisam conter que riqueza e pobreza são faces da mesma moeda, e, como tal, hão de estar em equilíbrio balizado pela concepção de justiça socialmente vigente, o que implica na redução dos extremos, de uma ou de outra, tornando a zona intermédia mais substanciosa, até como elemento fundamental para o equilíbrio das instituições polítcas e sociais, indispensável à coesão do tecido social.
Vê-se aí um aspecto importante. O equilíbrio na produção, acumulação e distribuição de bens e riquezas, do qual a gestão financeira competente é ferramenta essencial, desempenha, ainda, o importante papel de ser campo fértil para a consolidação dos valores éticos entre os indivíduos, realimentando a qualidade do processo evolutivo da mesma sociedade.
A governança financeira precisa, assim, atuar no sentido da inclusão permanente de todos os segmentos da sociedade, buscando superar a netural fragmentação da organização social contemporânea, e este processo necessáriamente está fundado no diálogo permanente e construtivo entre governanetes e governados, na construção de mecanismos e instrumentos no espaço público que tornem possível este diálogo materialmente, como coisa concreta.
É neste diálogo permanente que se torna possível a construção de consensos democráticos acerca, tanto das demandas médias prevalecentes no conjunto social, quanto da escolha e fixação dos meios necessários e compatíveis para atender a estas demandas, bem assim como dimensionar e pactuar adequadamente as formas da obtenção destes recursos, identificando as formas possíveis na conformidade com o estabelecido na ordem jurídica.
É a partir destes consensos que se desenvolve o processo político jurídico da gestão financeira democrática, com a participação em graus e formas diversos e variados da sociedade, desde a formulação até o controle das etapas e atos da gestão inclusiva, passando pela realização concreta das ações estatais para o atendimento destas demandas.
A necessária dose de realismo e pragmaticidade se impõe, ao se considerar que todo o conjunto do que se cogita aquí, procurando o equilíbrio entre as duas faces da moeda, pobreza e riqueza, não acontece sem dificuldades e mesmo conflitividades explícitas e, mesmo implícitas, esta de maior complexidade de percepção e enfrentamento, o que a seu turno demanda condução política, com sensibilidade e sintonia fina com os traços formadores, fundamentos e nunças da composição da sociedade, criando a necessidade permanente de lideranças políticas de graus diversos, com abrangência e alcance variáveis, que se revelam capazes de conduzir o processo e propor as discussões, a identificação das demandas e a problematização delas, a partir das quais se torna possível a formulação das soluções, ou pelo menos, das respostas.
*PUBLICADO EM Direito Economia e Política.1 ed.São
[1] “Metafísica”, ed. Edipro, 2ª. ed., capítulo V, 12, pág. 149
[2] “Metafísica”, ob. cit., capítulo IX, 6, pág. 236
[3] “Corso di diritto amministrativo”, vol. V, Milano, Griuffrè, 1952, pág. 334
[4] ed. Boitempo, homo sacer III, 2010, capítulo 2
[5] “Nascimento da biopolítica”, ed. Martins Fontes, coleção Tópicos, 2008, pág. 194)
[6] ob. cit., pág. 199
[7] “Il problema della povertà nel diritto amministrativo”, in “Rivista trimestrale di diritto pubblico”, Fiuffré editore, 2012, pág. 368
[8] inciso I do art. 3º
[9] inciso II do art. 3º
[10] Tratado de Direito Privado, Tomo I, p.4, Ed. Borsoi, 1954
[11] Modesto Carvalhosa, Direito Economico, Obras Completas, pp.188 e 191, ed. Thomson Reuters/Revista dos Tribunais. SP, 2013
[12] re. Direito Economico, p.80, de. Saraiva, SP., 1980