RESUMO: O trabalho humano tem dimensões plurais. A tutela jurídica adequada previsa levar em consideração esta pluralidade dimensional. A tutela adequada impõe a leitura transversal e transdisciplina da ordem jurídica reconhecendo o papel dos princípios e a centralidade da constituição no sistema jurídico. O aumento e fortalecimento do conteúdo ético do sistema normativo é o que vem trazendo a centralidade do ser humano (humanismo). Em decorrência destes princípios o ser humano passa a ser erigido à estatura constitucional, e é em razão deste processo que a normatividade se legitima, impondo então a função social dos meios de produção, e dando o equilíbrio às relações que sustentam a ordem social.
PALAVRAS CHAVES: Humanismo jurídico. Direitos fundamentais. Constitucionalização. Equilíbrio social. Função Social. Tutela jurídica integral. Visão sistêmica e transversal. Articulações e conexões dos subsistemas normativos.
ABSTRACT: This paper has plural dimensions. The proper legal treatment needs to take into consideration that plural dimension. The proper legal treatment requires a transversal and interdisciplinary reading of the legal order, recognizing the roles of both the principles and the centrality of the Constitution in the legal order. The rise in strength of ethicality in the normative system is the one centralizing the human being (humanism). By those standards the human being aquires constitutional stature, and that process is the core reason for which the law gains its legitimacy, imposing the means of production’s social role, giving balance to the relations which supports the Social Order.
KEYWORDS: Legal Humanism. Fundamental Rights. Constitutionalization. Social Balance. Social Role. Full Legal Treatment. Sistemic Vision and transversal. Articulations and conexions to legal subsystems.
O objetivo deste estudo é o de examinar em quadro geral as principais dimensões do trabalho humano e as necessidades daí emergentes de tutela jurídica, buscando identificar a tipologia normativa incidente capaz de viabilizar equilíbrio nas relações sociais e a efetivação dos direito fundamentais.
O trabalho humano, muito além do que se pode chamar de dimensão produtiva, entendida como a capacidade e possibilidade de produzir bens e utilidades, tem outras dimensões igualmente importantes e significativas que estão como campo subjetivo daquele que trabalha, e transubjetivo, que podemos posicionar no contexto do universo social em que está inserido.
Daí ser possível entender que o trabalho humano oferece duas perspectivas principais sob o enfoque que se dá. A primeira delas, mais perceptível e ostensiva, é o meio de sobrevivência, portanto a atividade humana orientada no sentido de possibilitar os meios de sobrevivência do indivíduo. Nas organizações sociais mais complexas, essa atividade implica também na sobrevivência do subgrupo de indivíduos que dele dependem para sobreviver, seja por incapacidade de prover o sustento, seja por divisão intragrupal de trabalho, a qual também não pode ser negligenciada pelas suas repercussões concretas.
A segunda é o significado social do trabalho realizado, que desempenha o papel de elemento qualificador, porque é através deste significado atribuído pelo ethos social que se “qualifica” a inserção social do indivíduo, estabelecendo o seu posicionamento no contexto da sociedade, inclusive fazendo daí decorrer outros papéis sociais, outras dimensões de convivencialidade e elemento fundamental da mobilidade social, tanto horizontal quanto, principalmente, vertical.
Temos, assim, a imbricação dos vetores essenciais, o econômico (em gênero) que se vincula à produção e geração de riqueza e apropriação dela, e o social, pertinente à qualificação posicionadora do indivíduo no concerto social.
Contextualizando desta forma é que se retoma a condição humana através do trabalho. Sem dúvida, a condição de trabalhar qualifica socialmente o indivíduo, lança as bases da sua inserção social e, exatamente em razão disto, dá-se a ligação estreita com a dignidade humana, com a condição humana.
Desta ligação essencial e profunda é que emerge a necessidade e o imperativo de que toda e qualquer tutela jurídica do trabalho tenha a conotação de dignidade humana, de condição humana e de promocionalidade.
Naturalmente que tanto a percepção deste fenômeno, quanto o lidar com ele, produzir e construir a tutela são tarefas complexas, delicadas e difíceis, navengando entre as contradições e vicissitudes inerentes à sociedade humana, tão mais acentuadas quanto mais complexas são as estruturas organizacionais dos agrupamentos humanos.
É o desafio do nosso tempo.
Rever e revisitar as tutelas existentes, considerar suas limitações, suas possibilidades, seus signficados e validades sociais, identificar as mutações dentro da dinâmica democraticamente revolucionária do tempo, o surgimento das novas necessidades reais, com acentuado destaque para a conflitividade própria que cada vez mais se marca pela sutileza, pelo implícito, pelo que fica nas entrelinhas e entre traços, cada vez mais diferenciada do que antes acontecia, cujo cariz era exatamente o oposto, a ostensividade e a confrontação aberta e frontal.
É relevante destacar nestas reflexões a importância da incorporação da tecnologia na vida social e, por extensão, no Mundo do Trabalho e do Trabalhador.
Para os fins deste estudo, privilegiamos a percepção de trabalhador como sendo aquele que não apropria o ciclo produtivo, mas que está inserido em uma etapa ou estágio do processo produtivo por mais que aporte porção substancial de valor agregado ao produto e ao produzido, porque seu papel sempre é subalterno, eis que dependente do conjunto sistêmico. Desta dependência, que é substancial, é que se constrói uma subordinação mais ou menos explícita do indivíduo e mesmo do seu papel social.
Aí estão deitadas as raízes da fragilidade econômica e social destes indivíduos, já que seus papéis e condições sociais, sua capacidade produtiva, sua inserção mesmo no sistema e no processo estão completamente fora de seu domínio, de seu controle, antes, estão em mãos de um terceiro, mais forte e poderoso, que vem a ser diretamente fator real de poder na relação.
A tutela tem o papel precípuo exatamente de compensar o desequilíbrio, de tornar possível alguma estabilidade, de proteger mesmo a debilidade, a inferioridade, de sorte a possibilitar às relações sociais fluxo normal e saudável.
É evidente que esta tutela, necessariamente protetiva, não pode, mesmo que indiretamente, sufocar ou suprimir a individualidade, a liberdade, e, consequentemente, a capacidade de escolha, bem como a responsabilidade pelas escolhas. O necessário balanceamento capaz de mitigar a tuitividade, equilibrando-se entre o não esterelizá-la e o impedi-la de ser sufocante, demanda todo um processo de compreensão da realidade, de interpretação dos dados desta realidade e da busca pela adequação das respostas às demandas, sob pena de se ter apenas símbolos de pouca utilidade social ou elementos reais de dominação.
O primeiro passo é a revisita ao valor real do trabalho.
Não é exatamente apropriado fazer aqui síntese histórica da evolução do trabalho no tempo, desde a escravidão na antiguidade até os estágios da pós-revolução industrial, e do intervencionismo estatal no mundo trabalho. Mas, é preciso acentuar, quando se tem em mente a condição brasileira, a persistente existência de um caldo de cultura de desvalorização do trabalho, seja pela herança da formação cultural, seja pela matriz da organização social e econômica, seja pela supressão tardia da escravidão formal. Entre nós, o insumo trabalho é custo no sentido de despesa inevitável, que deve e precisa ser reduzida ao mínimo possível.
Com efeito, vale a ligeira nota: a massa salarial na composição econômica brasileira tem participação menor. A estipulação de valor para o trabalho sempre é forçada para baixo, a tributação incide diretamente ou indiretamente com mais peso na renda do trabalho, como é exemplo o Imposto sobre a Renda, que entre nós tem deduções insignificantes, exclui os custos básicos sobrevivenciais do assalariado e, ainda, mascarando a realidade de tratar-se de arrecadação mais fácil, mais segura, e com muito menos possibilidade de atenuação. O que dizer da tributação indireta, que também penaliza vigorosamente a renda do trabalho pela horizontalização do elemento consumo, sem a necessária distinção do que é sobrevivencial e do que é supérfluo.
É ilustrativo desta concepção de relevar a remuneração pelo trabalho a plano irrelevante, uma política pública recentíssima acontecida no Brasil. Fez-se uma política de desoneração de folha de pagamento que implicou em renúncia fiscal da contribuição previdenciária patronal, que sofreu redução, como tentativa de incentivar a ampliação de empregos e investimentos. Tem sentido, todavia, claramente foi unilateral a opção, eis que privilegiou os custos do empregador esquecendo os custos do empregado, eis que não houve redução da contribuição dos empregados e a carga discal continuou a mesma. Na mesma linha de raciocínio, além da ausência de deduções reais dos custos básicos de sobrevivência, como por exemplo, as despesas de habitação e educação, ainda assim, os valores respectivos são corrigidos com enorme defasagem, sendo quase inexistentes na prática, como, por exemplo, autorizar dedução de gastos de educação com dependentes em apenas cerca de dois mil reais anuais, ficam mal feita, que na verdade gera aumento real da carga tributária e verdadeiro confisco de salário, o que é expressamente vedado constitucionalmente. Porém, tais aspectos são desconsiderados quando se fala em proteção ao trabalho e ao trabalhador.
Nenhum dos setores, nem da economia, nem da sociedade, escapa a esta visão. No setor público, quando se congita das despesas públicas, do custo do estado, o ponto principal é o salário dos servidores, ostensivamente ignorando a impossibilidade material de prestação de serviço sem servidor, sem mão de obra.
A visão pervertida da remuneração pelo trabalho, a distorção patrimonialista ínsita na sociedade considera tudo o que diga respeito a atender demandas dos que vivem do trabalho como despesa insustentável, como algo que precisa ser sempre reduzida ao máximo, como um desperdício a ser combatido.
Esta visão deságua e materializa um ponto fundamental: a desvalorização do trabalho e daquele que trabalha, herança oculta da mentalidade escravagista.
Tal herança vem aos poucos, com avanços e recuos, sendo minimizada ao longo do tempo, especialmente considerando-se a ação do Direito do Trabalho desde seu advento entre nós, quando do impulso fundamental do processo industrial derivado da Revolução de 30 e do Varguismo (nacional-desenvolvimentista). A construção doutrinária e jurídica, a ação governamental, o desenvolvimento e curso dos movimentos sociais, o papel inegável da Igreja Católica, com a sua Doutrina Social, que se contrapondo a luta de classes do marxismo orienta sua ação e posicionamento nos valores cristãos, que, como observa o imortal Amauri Mascaro Nascimento.[1]
“Considerando o Trabalho como algo que participa da dignidade pessoal do homem e merece a mais alta valoração, a doutrina social da Igreja tem forte sentido humanista e prega teses entre as quais o “justo salário” mediante a participação dos trabalhadores nos lucros dos empregadores, direito de associação para que os trabalhadores possam manifestar as suas opiniões e obter melhores contratos de trabalho, direito a uma condição digna da atividade profissional, direito ao emprego. Tudo segundo uma visão transcendental da destinação do ser humano. Para a nova estrutura social em que o trabalho deve ocupar uma posição que não lhe é reconhecida, a Doutrina Social da Igreja Católica sustenta a necessidade de alterações no sistema econômico, porém condena a luta de classes, proscrevendo a violência.”
Enfim, todo este conjunto sistêmico é que vem servindo de pano de fundo e habitat para o processo antes referido, da mitigação da herança com ressaibo escravista de desvalorização e depreciação do trabalho.
Mas, nos parece que a pedra de toque de todo o processo é o fato do reconhecimento, agora inegável, da dimensão política do trabalho contextualizada na constatação da emergência do poder econômico. Ora bem, a existência de um Poder Econômico e a fundamentalidade do Trabalho deram, aos fins do sec.XIX e início do XX, surgimento aos irmãos siameses, como pontua Vidigal,[2] Direito Econômico – Direito do Trabalho, vindo de encontro à formulação de Manuel Gonçalves Ferreira Filho no Direito Constitucional Econômico, que conceitua como sendo o estabelecimento de um “estatuto jurídico para os fatores de produção: capital e trabalho”.
É exatamente o reconhecimento da dimensão política dos fatos da produção e o estabelecimento dela como fator real de poder, que faz surgir a demanda de um estatuto jurídico e, bem mais do que isto, desde a formulação social do começo do séc.XX, a de um estatuto de natrureza constitucional, e com esta condição se insere como cláusula do pacto político e da organização da sociedade, portanto, condição essencial ao estabelecimento de uma ordem com o necessário equilíbrio, capaz de viabilizar a convivência pacífica na, e da, sociedade, indivíduos e grupos.
Sem dúvida que este processo se funda, na prática, na construção de consensos democráticos, que firma pontos de equilíbrio dos interesses concorrentes na sociedade materializados através de concessões recíprocas entre os atores sociais, que, embora não eliminem a concorrência, porque inerente à natureza das coisas e dos homens, ajustam-na em níveis razoáveis, tornando possível o livre curso da vida social.
O processo da construção dos consensos é político. Trata-se de relações reais e efetivas de poder, em graus e formas das mais variadas, e a estruturação política mais estável e experimentada, ainda que em permanente crise e ameaça de fragilização, é o Estado. Ele é o aparelho por excelência de mediação, de ajustamento entre os setores e fragmentos concorrentes da sociedade, e seu mecanismo e ferramenta de ação vêm a ser o direito, exatamente porque, exercente a chamada face interna da soberania como vontade imperativa incontrastável, impõe coercitivamente limites às condutas, condiciona o exercício de vontades e seleciona o legitimado na convivência.
O direito como produto cultural, independentemente da matriz adotada na formulação que dele se faça, claramente tem duas dimensões. Uma pragmatico-concreta, normativa, prescrevendo condutas obrigatórias e limites invencíveis, e outra de natureza ética, que o informa e dá conteúdo, residindo no valor ínsito norteador da normatividade e que sempre está objetivada, direcionada à realização de um valor, que a um só tempo nutre e direciona.
O Estado é o materializador deste processo, explicitador da ordem jurídica e da normatividade, seja editando-a positivamente, seja garantindo a efetividade da fonte normativa extra-estatal, também chamada de privada, decorrente da autonomia da vontade, inclusive porque monopoliza a violência e o exercício dela legitimamente. E o Estado com o qual convivemos hoje, o pós-moderno, busca exercer uma atividade moralizadora, mais fortemente vinculado e ancorado na ética, nos valores, que no dizer Jacques Chevallier[3] a dois vetores de “moralização” pelo direito e pela legitimidade, ambos indissociavelmente ligados.
O primeiro, direcionando as práticas e comportamentos, e o segundo, legitimando-se exatamente pelo direcionamento ético, indo ao encontro da releitura mais humanista do mundo para a cosmovisão mais contemporânea de percepção do outro, na idade dos Direitos Fundamentais, mais além da dicção, declaração e reconhecimento, mas, na busca permanente pela efetivação e concretização, num processo de humanização, sendo de se identificar a centralidade progressiva do homem no processo.
Esta ”vague” alcança e em cheio o mundo do trabalho, mormente se se considera as mutações próprias e inerentes ao processo econômico e tecnológico que marca os nossos dias, gerando o que Mascaro chama de “transformações no mundo das relações de trabalho”,[4] que assim pontua:
“São grandes as transformações no mundo das relações de trabalho. A conjuntura internacional mostra uma sociedade exposta a sérios problemas que atingiram em escala mundial os sistemas econômicos capitalistas. Os empregos diminuíram, as empresas passaram a produzir mais com pouca mão de obra, a informática e a robótica trouxeram produtividades crescente e trabalho decrescente.”
De certa forma e em grande grau é um “admirável mundo novo” (à semelhança do de Husley), e o primeiro impacto é o da perplexidade. Isto porque toda a construção de até então tem como referência fundante o processo industrial tradicional, na trilha da tradição formadora da tutela jurídica do trabalho como fruto e decorrência da revolução industrial. A realidade produtiva, tecnológica, econômica, social e política mudaram fortemente. O quadro é outro, muitíssimo mais complexo, cheio de diacronias e variações, inçado de nuanças e matizes. A resposta única e genérica é cada vez mais incapaz de efeitos úteis, tando é assim, que com precisão típica dos clássicos, Mascaro identifica o dilema vivido, as paredes entre as quais nos debatemos todos, sentindo a clara dificuldade de encontrar a porta, ainda que estreita, quando observa:
“O direito do trabalho vive atualmente um conflito entre as suas concepções, a protecionista, acusada de hipergarantista, de afetar o desenvolvimento econômico e a livre iniciativa, e a reformista que defende a flexibilização das leis e a reavaliação, no plano téorico, dos seus princípios e funções, pondo-se a flexibilização como uma polemica reação à rigidez da legislação tutelar do trabalho.”[5]
A perplexidade antes referida está em que continuem em uso os paradigmas da idade moderna industrial, enquanto que a época vivida é pós-moderna e pós industrial, na qual advieram novos atores e categorias, como o Mercado, o Consumidor, as Corporações, o Transnacionalismo. Resta clara a insuficiência, quando não a incompatibilidade entre estes dois mundos.
As demandas da sociedade contemporânea equilibram-se entre o ressurgimento do individualismo e a modificação do universo relacional atingido pela tecnologia da sociedade de informação, e as aspirações de inclusão dos indivíduos e grupos no sistema social, inclusive envolvendo participação no processo decisório das ações coletivas e de repercussão transindividual, encerrando acentuado grau de busca de protagonismo, sentimento mais disseminado na sociedade, alargando o universo do que em tempos outros se considerava como elite dirigente, mesmo considerado sob o aspecto de âmbitos variados.
A busca da sociedade contemporânea orientada pela aspiração de inclusão e pertença carrega consigo a demanda pela justiça social, a redução das desigualdades e distâncias sociais, a aspiração pela mobilidade vertical, com razão aponto Reiner Forst
que: “A questão da justiça social diz respeito ao significado e às implicações do princípio de pertença pela indispensável numa sociedade democrática.”.
Não se pode olvidar que as construções das sociedades contemporâneas, exatamente pela demanda de inclusão participativa, estão orientadas no sentido da democracia política, mas não apenas dela, como também econômica e social, consectário do alargamento conceitual da cidadania (participação maior e mais plena na vida da sociedade em todas as suas dimensões), que se erige em princípio, sobre o qual Forst explica:
“O princípio da cidadania igual é simultaneamente formal e material: formal em relação à participação em discursos políticos sobre a distribuição justa de bens, material em relação às condições para a realização desta participação e da participação da vida social em geral.”
A perplexidade que todos estamos diante do quadro apresentado pela realidade do nosso tempo, simultaneamente oprime e desestabiliza, mas também desafia e provoca, mobiliza. É dizer, o contraste entre o quadro que se apresenta e o arsenal disponível, nos recorda, a propósito, duas lições de Gramsci.[6]
A primeira é o conceito de crise. Esta acontece quando o “velho não consegue morrer e o novo não consegue nascer”, diz respeito ao arsenal disponível de conceitos, técnicas e instrumentos, que está envelhecido e ineficiente, quase estéril, mas, não consegue ir-se, morrer; doutra banda, o arsenal novo, compatível com as necessidades postas, não consegue nascer, eclodir, ser elaborado. Isto é fato.
Também é fato que nenhuma sociedade problematiza um quadro ou situação, antes de ter a capacidade de elaborar a resposta. Eis a segunda lição gramsciana.
Ora, a questão está posta e a problematização está em construção, logo, é possível crer que a sociedade já dispõe da capacidade de produzir a resposta.
Noutros termos, identificado o problema e posta a questão, a discussão, o debate fruto de dissenso útil e saudável, estamos nos passos pelo menos iniciais da busca pela “resposta”, que certamente virá a ser um arsenal renovado de instrumentos. O cerne do problema está na superação dos paradigmas empregados. Os que ainda se insiste em usar e recorrer são os da sociedade industrial e, de maneira estreita e pouco racional, se tem buscado conformar fatos e processos novos e diferentes dos conhecidos aos modelos antigos, com os quais estamos acostumados e na zona de conforto.
A desejada e necessária ruptura com a inércia se dá com o reconhecimento das novas realidades e a busca pela fixação de novos paradigmas, a partir dos quais se vai desenvolver o processo.
Concretamente, não mais temos grandes realidades únicas, diversamente, o que se nos apresenta é uma realidade multifária, complexa e mutante, e em rítimo acelerado.
Deixaram de existir os padrões estáticos ou pelo menos muitíssimo estáveis de antes, que possibilitavam uma classificação e uma qualificação quase rígida e permanente. Daí a necessidade premente de que se construam referências suficientemente flexíveis e adaptáveis, sendo assim capazes de acudir às mudanças em tempo útil.
A título ilustrativo, constatamos a superação da concepção de classe que não mais está estática e rígida, da forma como viu George Burdeu no Tratado de Ciência Política. O que temos hoje são feixes de interesses que aglutinam indivíduos e grupos, e ainda, cuja existência não é de longo prazo, ao contrário tem dinâmica própria e acentuada, muda constantemente e redesenha os agrupamentos, criando como que uma pluralidade de identidades sociais mutáveis ou não permanentes.
Com isto, todos os enfoques que se dê prismatizados no conceito tradicional de classe estarão condenados ao desvio ou a ineficiência, simplesmente porque o presuposto – classe – deixou de existir como o entendemos tradicionalmente.
É esta a linha de raciocínio que se defende. Reconstruir os paradigmas a partir da realidade contemporânea e vivida. Sem dúvida que se trata de empreitada formidável, mas, certamente, ao alcance da sociedade contemporânea.
A reconstrução dos paradigmas, tal como se vê necessário demanda compreensão mais clara da realidade contemporânea. É preciso ver, interpretar e ao final buscar compreender a sociedade do nosso tempo tal como se apresenta nas suas variações, diacronias, e, principalmente, perceber com a clareza possível as mutações acontecidas e em curso.
O historiador inglês David Priestland em obra recente “Uma nova história do poder – comerciante, guerreiro, sábio”[7] na Introdução da observa:
“Muita coisa, é claro, mudou nos últimos três séculos: as sociedades, em sua maior parte, são muito mais fluídas; as ocupações se multiplicaram e já
não se espera mais que a pessoas herde da família sua profissão e sua visão do mundo (embora muitas vezes isto aconteça). Em paralelo, alguns grupos ocupacionais aumentaram de importância e outros diminuíram (em algumas partes do mundo a aristocracia e o campesinato praticamente desapareceram)”
Serve esta referência para corroborar o antes referido sobre a superação da concepção de classes que vem, ainda, orientando a reflexão em nossos dias. As mudanças estruturais e conjunturais na organização da sociedade forçaram tais mudanças com o surgimento de novas realidades e consequentes necessidades individuais, coletivas, grupais e setoriais.
O fato derivado aí, deste pano de fundo caleidoscópico, é que a capacidade de equacionar e responder à conflitividade inerente à convivência, porque decorrente da competição natural entre os indivíduos e grupos, reduz-se exatamente pela superação dos paradigmas e, em decorrência, do instrumental e das práticas empregadas.
Isto se reflete de maneira muito forte naquilo que chamamos de Mundo do Trabalho porque a articulação dos fatores de produção gizados nos dois grandes campos, do capital e do trabalho humano, é pela sua natureza campo especial de atrito, que tem sua sede e cerne na apropriação qualitativa e quantitativa das vantagens produzidas e gerais direta e indiretamente.
A questão que se põe é a de se, reconhecendo esta intransponível área de atrito – dado inelutável da realidade –, encontrar meios e instrumentos que sejam capazes de tornar seus efeitos suportáveis, ao ponto de preservar o equilíbrio estável das relações na sociedade. O agente político institucionalizado que se vem historicamente utilizando é o Estado, que pretende desempenhar o papel de intermediário e intermediador em algumas dimensões deste campo; e o instrumento de que se vale para exercer este papel que, necessariamente, traz consigo a necessidade de poder coercitivo – imposição incontrastável – é o Direito.
Aqui se faz uma inflexão entendida como necessária. Quando nos referimos ao instumental Direito, o compreendemos sob uma perspectiva diferenciada, não mais apenas aquela, digamos tradicional, do Direito do Trabalho, nos padrões, referências, paradigmas e formulações tradicionais derivadas da construção suprerestrutural da Revolução Industrial, e, mesmo, do pós 2ª Guerra, com a ideia do Estado de Bem Estar. Vai mais além.
Isto é necessário porque se entende a necessidade de percepção mais ampliada do Direito, o que na linguagem tradicional se pode considerar como sendo transversal. Primeiro porque referencialmente se tem o Direito como fenômeno único e sistêmico, pelo que as suas especificações conhecidas como ramos são desdobramentos mais de natureza metodológica, eis que voltados às dimensões e conjuntos de relações marcados por especificidades e características próprias. Na verdade, tal como se compreende este fenômeno único, a interligação e interdependência entre todos seus desdobramentos e especificidades, mais do que conveniente e aperfeiçoador, é indispensável, porquanto a interatividade permanente das relações sociais o impõe.
Nutrindo esta visão temos que uma das características mais marcantes do nosso tempo é a pluralidade de papéis sociais e suas respectivas funções, desempenhados concomitantemente pelos indivíduos. A um só tempo é trabalhador, produtor e consumidor, “chefe de família”, militante, em suma, “é ao mesmo tempo, uma enorme pluralidade de personagens”, ora, a tutela jurídica que passa a demandar com esta configuração é naturalmente plural e variada, de sorte a dar cobertura aos diversos campos convivenciais. Até aqui, tudo tem a aparência da visão tradicional, porém, noutra visão mais acurada, constata-se que os papéis sociais, dos quais acontece verdadeira alteração de status social, têm um elemento essencial de conexão que é o mesmo indivíduo ou grupo. Este é um só, ainda que com pluralidade de repercussões, de implicações, conexões e consequentemente de necessidade de tutelas.
Daí constata-se que a visão da ordem jurídica há de ser transversal, exatamente para que seja possível captar as conexões, as interligações entre as diversas dimensões, papéis e status em que se encontram.
Destarte, qualquer que seja a reflexão que se faça sobre o direito e o mundo do trabalho, precisa levar em conta, sempre e simultaneamente, outros ramos do direito, reconhecendo o envolvimento do conjunto diante das implicações antes referidas.
Há que ser destacado o papel do Estado, neste enfoque. Como intermediador, o Estado se vale da aplicação direta e indireta dos “diversos ramos do direito”. Por exemplo, no que respeita à formulação e execução de políticas públicas relacionadas ao trabalho, o Estado recorre ao arsenal do Direito Financeiro e do Direito Tributário, porque demanda de recursos para elas, e, mais do que isto, a fixação e determinação do volume e fluxo destes recursos, bem como de suas fontes, passa pela normatização respectiva e encontra fundamento nas decisões políticas determinantes das escolhas feitas, o que a seu turno está no cerne do pacto político e de seus critérios fundantes, contido no Direito Constitucional. Mas também neste campo, para pôr em prática, trazer para o mundo concreto estas políticas, vale-se da ação de agentes e de procedimentos, pelo que recorre ao Direito Administrativo.
Desta forma, a compreensão que se entende adequada do fenômeno, obriga a compreender o conjunto normativo no seu todo sistêmico, exatamente porque as conexões entre eles acabam por desempenhar papel determinante. Ilustra-se esta conclusão trazendo-se à colação o que antes se referiu sobre a tributação direta do salário, considerando que a forma e a fórmula tributária refletem diretamente da remuneração real pelo trabalho porque acaba por estabelecer realmente o que fica disponível para aquele que o recebe, considerando-se que o que interessa neste particular é o valor líquido, aquele que vai para a mão do trabalhador, e não o nominal. Apenas para registro, a forma da cobrança, da fiscalização e do controle, passa pelas normas de Direito Tributário, Financeiro e Administrativo, respectivamente, bastando, assim, que uma pequena inflexão em um deles seja suficiente para que se tenha efeito diverso do aparente ou anunciado.
Da mesma forma, a formulação dos recursos públicos para educação e saúde, que tornem realmente viáveis e eficientes tais serviços, pode determinar e, invariavelmente determina, o surgimento de “benefícios” na forma de adicionais, bolsas ou concessões de custeio de educação e assistência saúde, suportados diretamente pelo Mundo do Trabalho, seja na figura patronal ou do empregado, traçando sentido inverso do que seria real assistência e apoio à sociedade. Da mesma forma ocorre quanto aos auxílios para transporte e alimentação, ou mesmo habitação, que são formas de transferir responsabilidades e encargos – aliviando – sutilmente os encargos públicos, para liberar receitas e recursos para outras finalidades, que nem sempre foram explicitadas no pacto político.
A proposta que aqui se faz é, exatamente, a de buscar compreender o fenômeno na sua integral complexidade, atentando preferencialmente para o implícito.
Outro exemplo que nos serve para evidenciar este “biombo”, tão conveniente quanto nefasto, é, por exemplo, o home office, o tele trabalho, que aparentemente proporciona ao trabalhador menos deslocamento e flexibilidade de horário, maior comodidade e menos desgaste para trabalhar. Sim, é verdade por um lado, porém, por outro, fatalmente elastece as horas de trabalho e de disponibilidade, porque estando tudo tão a mão e tão fácil, impossível é não buscar – rotineiramente – um esforço adicional de produtividade, porém, quase sempre extracontratual, um plus claramente em benefício de uma parte e em sacrifício da outra.
O reflexo maior de tudo isto é o aumento tão significativo quanto sutil da dependência daquele que trabalha, acentuado pela redução da compensação remuneratória.
Veja-se, com o demonstrado ilustrativamente, que todo este quadro precisa ser olhado na sua complexidade, nas suas diversas dimensões, o que vai evidenciar um divórcio acentuado entre a realidade e a aparência. Muito do que parece um generoso benefício, na verdade é uma redução de encargos e mesmo de liberdade individual, resultando de uma exagerada tutela, que sufoca mais do que protege, e, em consequência submete mais do que liberta.
O caminho, que vem sendo adotado em muitos países mais recentemente, é o fenomeno do que se convencionou chamar de constitucionalização do direito. Com efeito, vem ganhando estatuto constitucional diversos elementos normativos tradicionalmente remetidos ao infraconstitucional.
Convêm, antes, algumas reflexões a respeito. Indagando o porquê, a resposta quer nos parecer simples: tudo isto vem sendo constitucionalizado porque vem sendo reconhecido o caráter político e a relevância para a organização essencial da sociedade, e a Constituição é o instrumento do pacto político.
O conteúdo de pacto político é que precisa ter encontrado a sua resignificação, seu redesenho, e auxilia a fazer esta percepção se se considera a característica de historicidade do direito em sua formulação. A expressão do direito é historicamente condicionada porque necessariamente é fruto do seu tempo.
A essência da Constituição enquanto pacto político no dizer de Jorge Miranda[8], ao qual se adere, pode ser sintetizado como “a idéia de direito e justiça da sociedade em detemrinada estapa da sua história”. Noutras palavras, nem historia nem profetiza, se produz e atua no tempo presente. Ora bem, a formulação da idéia de justiça, a concepção representativa material de justiça, que é estabelecida e validada pela sociedade num determinado hiato histórico, na verdade acode às vicissitudes do tempo, às circunstâncias materiais e culturais da etapa histórica que lhe é respectiva, inclusive e especialmente porque precisa responder a um conjunto determinado de necessidades e demandas da sociedade. Cabendo rememorar a relação necessária e indissolúvel entre o problematizar e formular resposta, a que antes nos referimos.
Devendo ser considerada a oportuna observação de Bidart Campos [9] quando pontua:
“El valor justicia es absoluto, y tiene uma función pantonoma, abasca todos los repartos habidos y por haber. Pero como humanamente es imposible elcumplimiento de su función pantonoma, los hombre realizamos la justicia de modop fracionado. Las causas del fracionamiento provienen de obstaculos que derivam del porvenir, del pasado y del presente.”
E mais adiante observa:
“Tenemos por um lado que el valor es independiente de los hombres em cuanto el orden de repartos que lo realiza o que lo niega no ataca ni disminuye la valencia del valor. Pero por outro lado, el valor se conecta com los hombre enquanto valor para ellos, y encuanto ellos lo realizam.”
Assim acolhemos a percepção da trasncendência axiológica, com vida e existência próprias, em carater absoluto.
A ideia de justiça como valor absoluto, de percepção intuitiva emocional, tal como sugerido por Johannes Hessen na sua “Filosofia dos Valores”,[10] é presença orientadora e referencial, emprestando o necessário conteúdo ético que consubstancia o comportamento socialmente eleito como necessário pela sociedade, e por isto mesmo compulsoriamente imposto através da coercibilidade do direito, é transposto para o mundo material e concreto da praxis da convivência, estando sujeito à variabilidade histórica, daí porque acontecem as mutações maiores ou menores ao longo do tempo. Daí poder-se afirmar ser o direito coisa viva, em permanente devenir.
Da mesma forma as construções estruturais que o expressam também se modificam. Como comentário a lateri, observa-se que o aspecto fundamental a ser considerado a respeito é a velocidade com que as coisas acontecem.
Assim, nestas mutações, cumpre se faça algumas reflexões a respeito do papel cada vez mais alargado das Constituições nos tempos atuais, dando origem ao fenômeno da constitucionalização do direito, porquanto cada vez mais matérias e assuntos são incorporados às constituições. A respeito desta constatação é preciso destacar a superação das antigas qualificações das “matérias constitucionais materialmente, e das matérias constitucionais formalmente; a primeira pela sua própria natureza, a segunda pela inserção pura e simples no texto constitucional, bem assim como superada está a dicotomia direito público e direito privado, cujas raízes estão lançadas no Direito Romano, fundadas na distinção entre a res pública e a res privata.
A ordem jurídica dos nossos dias tal como estabelecida é bem descrita por Maria Celina Bodin de Moraes,[11] ao assinalar que: “Afastou-se do campo do Direito Civil a defesa da posição do indivíduo frente ao Estado, hoje matéria constitucional.” Daí na visão da autora surge uma “unidade hierarquicamente sistematizada do ordenamento jurídico”, materizalizando a supremacia axiológica da Constituição, que “passa a se constituir como centro de integração normativa do sistema jurídico” identificando como pressuposto que “os valores propugnados pela constituição estão presentes em todos os recantos do tecido normativo, resultando, em consequência, inaceitável a rígida contraposição”.
Esta unidade organizada hierarquicamente sistematizada encerra a substituição da estrutura normativa ao longo do tempo.
Na idade das codificações inaugurada pelo Código Civil Francês, seguido do Alemão (BGB), o papel atribuído ao direito civil era o de definir o que seriam as relações privadas, sua natureza, perfil, limitações e caráter, e, a partir daí, fazer o isolamento distintivo do que pertinia ao âmbito das chamadas relações privadas e o que, por exclusão, estava no campo das coisas públicas, com alguma interpenetração pontual através das normas de ordem pública, pelas quais se impunham limitações e condicionamentos à tutela jurídica das relações privadas.
Com esta distinção vincada se buscava, pela distinção, proteger os indivíduos e suas relações do poder do Estado.
Este papel protetivo transferiu-se na segunda metade do século vinte para as Constituições, reconhecendo-se que a proteção do indivíduo e a preservação de um conjunto de interesses e de direito têm caráter de fundamentalidade e, por isto mesmo, intangíveis em princípio, com o que ganham status de cláusula necessária do pacto político.
Assim a Constituição, entendida como instrumento jurídico-político do pacto de organização da sociedade, amplia seu campo e, em consequencia, seu conteúdo.
Atendendo às necessidades da época, o constitucionalismo centrou-se apenas e tão somente na disciplina jurídica do político, inclusive a denominação clássica da disciplina dedicada ao tema era Direito Político. Voltava-se à organização e estruturação do poder político, seu exercício, limitação e controle. Assim, a organização do poder, a disciplina do governo e a organização integral do poder em síntese, se constituía naquilo que antes referimos como sendo a matéria constitucional por natureza. Quaisquer outras matérias inseridas no texto constitucional eram apenas formalmente constitucionais, porquanto situadas em hierarquia menor e inferior.
A mutação acontecida e o alargamento da constituição, tal como se o entende, decorre exatamente da aquisição de status constitucional por matérias típicamente pertinentes à sociedade porque patenteada dimensão e importância que justificam sua inclusão em cláusula do pacto organizacional, que assim se espraia da organização do estado para alcançar também a organização da sociedade, pelo menos daquelas relações entendidas (opção social e política) como dotadas de tal relevo que merecem ser consideradas como importantes para a organização da sociedade.
A premissa é de que a Constituição é instrumento de organização da sociedade globalmente considerada, alcançando, portanto, Estado e sociedade, Governo e governados, sociedade política e sociedade civil; é daí que resulta a constitucionalização do direito (especialmente o antigo direito privado), onde está ainda que parcialmente o direito do trabalho, que na visão de tertium genus vislumbrado por Cesarino Junior materializa presença forte de preceitos de ordem pública na disciplina de relações privadas, marcadamente pela limitação expressiva da autonomia da vontade através da ampliação da indisponibilidade de direitos como técnica protetiva do economicamente mais fraco.
Com isso, a técnica que surge em nossos dias é a de disciplina constitucionalmente todo o universo de relações pelas normas constitucionalmente insculpidas, bem como através da regência principiológica da hermenêutica, ditada pelos valores e princípios constitucionais progressivamente incorporados a praxis da vida jurídica da sociedade contemporânea, trazendo um elemento novo, o da afirmatividade no exercício da jurisdição da ordem jurídica, entendida como a concretização e efetivação de direitos individuais e coletivos via provimento jurisdicional, o que a seu turno acarreta alteração na coformação da estrutura estatal e da separação de poderes tradicionalmente consagrada.
Isto porque o dizer o direito vai além da subsunção da norma relacionada ao fato concreto posto, indo além, extraindo do mandamento a efetivação da conduta e do fazer preconizado através do provimento jurisdicional mandamental em concreto.
Este fenômeno, já há algum tempo em curso, não escapou à percepção do jurista Italiano Pietro Perlingieri,[12] que a respeito leciona:
“O caráter fundamental se identifica por meio da constitucionalização: os princípios constitucionais, explícitamente expressos ou declarados mediante referências explícitas, são os fundamentos de um sistema concebido hierarquicamente.[13] De forma que, se caráter axiológico e racionalidade constituem as características comuns da Constituição e do ordenamento jurídico, é importante destacar que na Constituição prevalece a componente axiológica, e no ordenamento jurídico, a componente racional normativa. A unidade do ordenamento não permite a sua separação da Constituição, nem mesmo a sua implícita submissão à normatividade. A interpretação lógica, axiológica e sistemática é um dado que diz respeito a todo o ordenamento. A normatividade constitui caráter fundamental da juridicidade e não somente o dever ser, mas também o dever fazer está presente na Constituição, como em todas as regras que compõem o ordenamento.
A introdução, por parte da Constituição, de valores normativos no direito positivo não pode deixar de incidir também no plano do dever fazer, prescindindo da mediação de regras em nível inferior ou de standarts valorativos.”
O resultado que se constata deste processo é que a disciplina, a tutela, seja na forma preceptiva vedatória, seja na forma mandamental de fazer, ganha status constitucional porquanto entendida como fundamento importante para a organização da sociedade e das relações desta com o estado no conjunto de relações interativamente interligadas.
Exatamente por isto, à sombra da Constituição é o pálio sob o qual se vem abrigando a sociedade, e, assim, sob este mesmo pálio, se busca encontrar o espaço para o concernente às relações no Mundo do Trabalho; concordando com a visão de Perlingieri de que os valores constitucionais são reais e destinados a buscar sua concretização no tempo, inobstante o forte conteúdo abstrato da ética que encerram, destacando-se, inclusive e especialmente, que a constituição é norma de produção de normas, o que entendido da forma mais substancial alcança não apenas o como, mas orienta o conteúdo e objetivo destas normas conforme ela criadas.
Tal concepção, a de prevalência de princípios, atua não apenas no estrito campo do normativo e do regulador, mas, também impõe à ação estatal um vetor de atividade voltado à concretização de tais princípios. A ação estatal e a atividade governamental obrigatoriamente precisam estar orientadas integralmente à efetivação do universo dos direitos fundamentais em geral, de todos e de cada um, embora a ênfase neste despretensioso estudo enfoque o Mundo do Trabalho.
Dessarte, partindo da constatação da realidade conflitiva, competitiva, concorrencial, agressiva (quase-predatória), urge mitigar os efeitos e consequências indesejáveis, ou alternativamente compensá-los de maneira a buscar o reequilíbrio. E esta referência é descrita por Dinaura Godinho Pimentel Gomes com interessante clareza:
“O que mais se propala entre os agentes econômicos é a própria dessocialização estatal, objetivando reservar apenas à economia do mercado livre a fixação das regras para a celebração dos contratos para atender com mais rapidez e eficiência os interesses das grandes empresas monopolistas, e, com isso, apregoam a dispensa da tutela e da intervenção do Estado, inclusive nas relações de trabalho.
Inegavelmente, tais exigências colidem com os princípios fundamentais a reger o Estado Democrático de Direito, eis que, sob sua égide, acima dos interesses voltados a aumentar a eficiência produtiva, mantendo-se o alto nível de competitividade, está a dignidade do trabalhador. Assim e bem ao contrário do que propugnam esses ideólogos do neoliberalismo, ao Estado cumpre cada vez mais intervir nas relações jurídicas, para garantir as realizações dos direitos fundamentais de cada cidadão, principalmente através do trabalho, enquanto meio preponderante para assegurar o direito à vida com dignidade.”[14]
A proposição da ação estatal considerada no seu conjunto e globalidade, ação integrada e cooperativa dos poderes, portanto, envolvendo a tudo, é a de proatividade efetiva direcionada à concretização dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa e da valorização humana do trabalho, através da edição e elaboração normativa (Legislativo), da aplicação jurisdicional concreta da ordem jurídica (Judiciário), do conjunto de ações governamentais e da implementação de políticas públicas (Executivo). Mas, bem mais do que isto, não se pode excluir a integração entre a sociedade política (Estado) e sociedade civil (sociedade) e entre governantes e governados. Tais relações progressivamente vão sofrendo modificações profundas, nas quais, gradativamente, vai sendo superada a preeminência estatal, uma quase hierarquia subordinante, por um estágio relacional mais equânime, de aproximação e interação, de ajuste e inserção das posições da sociedade civil, tanto da elaboração da intepretação das demandas dos indivíduos e grupos, quanto na formatação dos consensos democráticos para o estabelecimento de ações com objetivo e finalidade de equacioná-las e atendê-las.
Temos o início da construção, pelo menos como possibilidade concreta, do Mundo Novo. Não por altruísmo idealista e sonhador utópico, mas, por realística necessidade de produzir o necessário equilíbrio estável nas relações sociais indispensável à sobrevivência, tanto da organização e da ordem social, quanto dos indivíduos que a compõem.
Como vimos tentando demonstrar, ao assumir “novos papeis e funções” a constituição tem de alguma forma lançado as bases da tentativa do que podemos conceber como sendo um redesenho da organização social no seu conjunto ou integralidade (englobando a sociedade política e a sociedade civil), buscando construir os necessários ajustes no equilíbrio relacional.
O jurista carioca Luis Roberto Barroso examinando o constitucionalismo dos nossos dias, aponta o que denomina de seus três marcos.
O primeiro o histórico, advindo do pós-segunda guerra, trazido pela Carta de Bonn, do que resulta, entendemos nós, uma “refundação” do Direito Constitucional, exatamente no sentido em que vimos apontando neste estudo, com a consolidação dos valores de democracia e direito, dando uma feição renovada à organização do poder político e do estado; o segundo, filosófico, que significa a superação do positivismo e o redesenho do jus naturalismo, destacando-se a construção desde aí da força normativa atribuída aos princípios e a construção de “uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana”;[15] e o terceiro, o marco teórico, traduzido na força normativa da constituição, na expansão da jurisdição constitucional e na “nova interpretação constitucional”.
Destaca-se particularmente para os fins deste estudo, dois dos marcos antes referidos.
O primeiro, relativo à força normativa, que implica em regulação do poder político pela constituição, superando a barreira a qual o citado autor menciona ao dizer que as proposições constitucionais ficavam condicionadas à discricionariedade do legislador e administrador, cabendo a eles tais proposições a seu critério, não havendo nenhuma vinculação em fazê-lo. Aqui podemos ousar inferir tratar-se de mera sugestão autorizativa, enquanto que os dois outros, expansão da jurisdição constitucional e a nova hermeneutica, é que nos oferecem melhores elementos para a reflexão.
Isto porque é a partir da expansão da jurisdição e da nova interpretação da constituição que podemos assistir a busca pela efetivação; a real concretização das proposições constitucionais. Vemos nós que tais elementos nos levam a constatar ser este o caminho da experiência histórica dos novos tempos da efetivação do direito e prevalência dos valores, uma verdadeira trilha na busca pela prevalência da dignidade humana e do conjunto dos direitos fundamentais.
Entende-se que com tal formulação - força normativa, expansão da jurisdição e interpretação mais teleologizada e axiologicamente orientada - torna possível o que se defende. Exatamente pela percepção integral e sistêmica da ordem jurídica no seu todo, é que se alcança exatamente o viés das intersecções e conexões entre os ramos diversos (especificidades da ordem jurídica), com a sistematização unificante e centralizante nos valores fundamentais estabelecidos no pacto político (fundamento constitucional) pela sociedade.
O que se defende como sendo a questão principal é exatamente a fixação de valores fundamentais, tais como existem em quase todos os sistemas constitucionais ocidentais, e a busca real e permanente em sua concretização, naturalmente, com o referencial dos direitos fundamentais. Isto porque, como tentamos demonstrar, se o mundo explícito que atinge os direitos fundamentais já vem encontrando barreiras significativas; o mundo do implícito, daquilo que se oculta nas intersecções, continua de maneira solerte, ameaçando e negando o exercício destes direitos.
Merece destaque o comentário preciso do jurista Sérgio Pinto Martins, [16]que arrimado, como sempre, em boa doutrina observa que os direitos fundamentais: “São direitos sem os quais a pessoa não se realiza, não convive nem mesmo sobrevive.”, por serem, como arremata: “inerentes à condição humana”, ainda, como vê com percuciência, a proteção deles evidencia a frequência trágica e imperdoável da violação.
Considerar o eixo da constitucionalização e o da primazia dos direitos fundamentais como sendo orientação e fundamento na construção da ordem jurídica, na qual se defende que deva ser a tutela do trabalho, do trabalhador e do mundo do trabalho, cuidando do tema, tanto de forma direta, quanto indiretamente, entendemos ser essencial à construção (permanente) do estado de direito, garantia fundante da humanização do direito e consequente reconstrução da ordem social estável, capaz de seguir o curso normal de evolução.
Por óbvio que tal visão, embora pareça utópica, tem conteúdo forte de realismo, porque, como se verá adiante, busca a estabilização das relações sociais pelo equilíbrio nas posições de seus integrantes, sendo elemento importante para o enfrentamento das crises naturais da vida econômica, que sempre acarretam danos à sociedade e encargos pesados; e a maneira de adequar a forma de suportar tal quadro é a distribuição o quanto possível equânime dos encargos e dos benefícios, e, a seu turno, os ferramental mais útil no sistema, sem dúvida, é o direito. Daí a necessidade inadiável da revisita e reconstrução dos paradigmas.
A guiza de conclusão cabe destacar que a tutela jurídica do trabalho significa a tutela do trabalhador centrada na fundamentalidade da dignidade humana, e considerada, como brevemente demonstrado, sendo plurais e complexas as dimensões do trabalho, igualmente plural, para que seja mais completa, também assim deverá ser a tutela. Isto implica em que se compreenda que, um tanto já algo desgastado pelo uso restritivo, se atribua à expressão flexibilização antes o significado de adaptação ampliada e adequada às pluralidades da realidade, jamais o apenas “ampliar” ou “reduzir” direitos e vantagens, ainda que circunstancialmente, alterar direitos e vantagens conferidas aos trabalhadores.
Isto implica ainda em resignificação para uma expressão também cara ao Direito do Trabalho: norma e condição mais favorável ao trabalhador, porque se torna necessário o aprofundamento da percepção do que seja “favorável”, questionar a favorabilidade direta e explícita, bem como a indireta, implícita, cheia de sutileza, mas nem por isso de se desconsiderá-la, ao contrário, é indispensável constatar e aferi-la mais ajustadamente para sopesar, ponderar e eleger sua aplicabilidade efetiva no mundo real.
Implica na releitura da “primazia da realidade” – as coisas tal como realmente são, independentemente da nominação adotada, mais do que antes é essencial interpretá-la consentaneamente com o conjunto.
Da mesma forma a tuitividade do individual, tão exacerbada entre nós, não pode excluir “ab initio” o coletivo e suas repercussões. É preciso reconhecer a dimensão social ampliada desta tutela, fazendo o balanceamento das prevalências de interesses em competição, acolhendo e preservando sim o individual, porém sem ignorar o coletivo, resolvendo a situação concreta (ainda que injusta) de um ou de uns poucos, comprometendo os interesses vitais do conjunto inteiro – a garantia efetiva do pagamento dos direitos de um indivíduo ou grupo de indivíduos não pode inviabilizar a atividade e mesmo a unidade produtiva, em detrimento de todos os demais, que podem perder os postos de trabalho com a cessação da atividade produtiva, eis que só aqui se tem a supressão do emprego, da produção, do emprego, da renda e da geração de tributos em proveito coletivo.
Esta releitura e revisita conceitual se impõe e precisa passar necessariamente pela incorporação da categoria: função social da empresa, capaz de certa forma de viabilizar a compatibilização relativa em equilíbrio razoável dos interesses, eis que estão, ambos, constitucionalmente lastreados: a dignidade do trabalho e a liberdade de iniciativa.
É possível sim, acomodar sem utopismo pueril, as duas coisas, uma vez que privilegiada a função social da empresa, nela estarão ínsitos a proteção da atividade e consequente proteção do trabalho, do emprego e daquele que trabalha.
A conclusão possível a nosso ver diante do quadro que se apresenta é a de que o privilegiar a função social da empresa tem-se a possibilidade real de compatibilizar os princípios constitucionais da dignidade humana e da liberdade de iniciativa, e assim o fazendo, tornar possível a ponderação entre os dois princípios, tornando possível a convivência em razoável equilíbrio entre os fatores de produção: capital e trabalho, sem que o antagonismo entre eles, que é ínsito a sua natureza se torne em conflito aberto e permanente, sendo de se trazer à baila a observação interessante de André Ramos Tavares:
“Para além da visão positiva e protetora, a função social impõe às empresas, também, responsabilidades e deveres. Isso, pois, em uma interpretação ampla, o bem estar coletivo e o interesse geral (almejados pela função social) não podem ser sobrepujados. Portanto o mero funcionamento da empresa e da correspondente atividade empresarial não é suficiente para garantir que sua função social seja atingida. Em outras palavras, existem limites à liberdade econômica e de busca pelo lucro – o que é salutar diga-se de passagem, mesmo em uma economia de mercado. O que se impõe é que a empresa concilie – no que tem um delicado convício – seus interesses particulares com interesses coletivos ou sociais constitucionalmente avalizados.”[17]
Exatamente é a existência de interesses sociais e coletivos constitucionalmente reconhecidos que embasa o que se pode chamar de responsabilidade social da atividade empresária, e serve de referência conformadora à disciplinarão da vida empresarial.
Tendo-se como referido no início que o Mundo do Trabalho, tanto na dimensão individual (do trabalhador em si como e enquanto indivíduo), quanto na dimensão transindividual (o trabalhador e sua inserção social, e, o grupo no contexto da sociedade) têm múltiplas implicações, de ordem econômica, social, individual, portanto, ao se cogitar de um redesenho normativo, da disciplina do trabalho, há de ser levado em conta esta pluridimensionalidade, decorrendo dai que a tutela jurídica necessária e eficiente, capaz de produzir os efeitos sociais relevantes, alcançando ajustamento e benefícios aos indivíduos e à coletividade, há de ser pluridimensional, acolhendo e incorporando, como vimos antes, as conexões e liames do universo normativo, postar-se no contexto sistêmico da ordem jurídica considerada como um todo, especialmente centrada e voltada ao diálogo permanente entre os segmentos ou especificidades normativas, que chamamos de “ramos do direito”, há de construir-se o centro unificador, que é exatamente o ser humano, e naturalmente, como consequência necessária, os direitos fundamentais.
Não se trata de abstração, ou em termos mais simplistas, de idealismo. Ao contrário, o que se pode considerar como sendo “humanismo jurídico”, que Mascaro Nascimento já identificava ao explicar a construção inicial do direito do trabalho,[18] e este humanismo hoje tem estatuto constitucional como referiu-se ao longo deste estudo, portanto, dotado de imperatividade efetiva, capaz de produzir efeitos no mundo da realidade, o que precisa ser entendido como evolução importante do direito pelo fortalecimento do conteúdo ético que o informa, sendo ilustrativa a observação de Rufino do Vale:[19]
“A presença de normas de direitos fundamentais nos sistemas jurídicos constitucionalizados pode ser entendida como o resultado da transformação da moral crítica em moral legalizada. No marco das relações entre direito e moral, a moral crítica é constituída por aqueles conteúdos morais que ainda não foram incorporados pelo sistema jurídico, mas que o pressionam constantemente para obter reconhecimento.”.
E ainda constata, como o que se concorda integralmente, que:
“os valores morais assumidos historicamente e pela comunidade possuem vocação para serem realizados, ou seja, tendem a ser positivados e, nesse passo, a contar o o respaldo estatal de coação. As normas morais, ao se transformarem em normas jurídicas, recebem um plus de normatividade, a jurídica, em adição à que já possuíam antes, a moral.”
A construção da qual a sociedade contemporânea atualmente demanda, e em cuja direção se empenha, é o de um modelo que Aires Brito chama de pós positivista, explanando; “modelo de ciência do direito que tem nos princípios jurídicos uma força normativa ainda maior que a das regras, de par com o entendimento de que os valores nesses princípios transfundidos são os que mais conferem unidade material à Constituição e promovem a espontânea adaptabilidade dela às mutações do mundo circundantes.[20]
Quando se propõe uma real flexibilização da tutela jurídica do trabalho tem-se como referência e escopo exatamente a capacidade de aumentar, de maneira sistêmica a proteção dele, do que trabalha, principalmente considerando as antes referidas conexões e transversalidades da ordem jurídica. Exatamente em razão disto há de ir-se além da tutela protetiva apenas ao modelo do trabalho-emprego, centrado na subordinação direta conexa ao direito de “direção da atividade com assunção do risco econômico da atividade e a apropriação do resultado”. O eixo que precisa ser resgatado é da dependência, e aí alcançar-se tutela protetiva também, ao trabalho autônomo, cooperativado, em grupos, dos modelos organizacionais naquilo que podemos chamar de contratações indiretas, como é o caso da terceirização.
Serve para ilustrar exatamente este entendimento, o tema “terceirização”, quer nos parecer que a discussão precisa de correção de foco. As contratações de empresas por empresas, para o fornecimento de mão de obra, buscam a redução de custos de produção e aumento de produtividade, o que em sí é desejável porque contribuem para o crescimento da economia donde advém vantagens posteriores ao conjunto da sociedade.
A questão, todavia, não é do que terceirizar, mas como evitar que esta modalidade contratual resulta em precarização de tutela do trabalho, diminuição de proteção trabalhista, tanto ao individuo em si considerado, como ao grupo de trabalhadores. Eis o desafio que se põe, e cujo socorro vem exatamente da consideração dos princípios constitucionais existentes de proteção à dignidade humana e do trabalho.
As coisas, instituições, instrumentos e construção hoje, precisam estar voltadas à função social que lhes é intrínseca. Daí na percepção de que a tutela integral do trabalho, que na prática precisa ocupar toda a ordem jurídica, não mais restrita ao âmbito de uma especificidade ou ramo, como o Direito do Trabalho, prevista voltar-se para fixar a fundação social dos meios de produção da empresa. Esta enquanto atividade humana produtiva também precisa ser protegida, porém, derivada do princípio constitucional da livre iniciativa, que é dimensão da potencialidade humana e tem carater de fundamentalidade, precisando igualmente inserir-se no quadro sistêmico da ordem jurídica.
A relação capital trabalho é fundamental para a conservação da vida. Sem dúvida, e, é exatamente em razão disso que demanda um tratamento jurídico mais cuidados e amplo, com conteúdo ético mais forte ínsito na normatividade, porque temos claro que a legitimação do sistema e das instituições está exatamente na utilidade social real, que implica em benefícios diretos ou indiretos à sociedade como um todo.
Estes benefícios diretos ou indiretos ao conjunto que norteia e materializa a função social. Claro que a maior e melhor fatia dos benefícios diretos toca ao detentor dos meios de produção e organizador da produção, até como recompensa justa e necessaria aos seus méritos, mas não pode se restringir a isto, é preciso que a ética legalizada permeie o sistema, e hajam frutos para todos: emprego digno e remuneração justa, arrecadação tributária para manutenção dos serviços público, sustentabilidade ambiental para a sobrevivência e preservação de recursos naturais, produção de bens e serviços, integração economia-sociedade-indivíduo.
A obrigatoriedade da função social gera a responsabilidade social de todos para com todos, e precisa significar um passo decisivo na ruptura com o individualismo exacerbado do nosso tempo; porque ou sobreviveremos juntos como um todo, ou morremos sozinho. Daí que a função da normatividade tutela integral que se defende, precisa usar de todas as referências, considerar o conjunto geral, superando as especificidades que acabam por gerar isolamento.
Por óbvio isto não extingue as desigualdades, que antes se considera como diferenças, materiais e sociais, que encerram a um só tempo as contradições e a riqueza da espécie humana, mas, as conduz ao necessário equilíbrio estável viabilizador da sobrevivência da espécie.
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*PUBLICADO EM Revista de Direito Constitucional e In
[1] in Curso de Direito do Trabalho, Saraiva, SP., 2011, 26ª ed., pp.60-61
[2] referência Introdução o Direito Econômico, ed. Saraiva, SP, 1991
[3] L’État moralisateur, ed. mare & martin, Colletión Droit & Science Politique, Paris, 2014
[4] in.op.cit.p.69
[5] op.cit.p.68
[6] Quaderni di Carcere, vol3. ed. Instituto Gramsci, Itália, 1993
[7] Cia das Letras, SP, 2012
[8]Curso de Direito Constitucional, vol.II, ed, Almedina Coimbra, 1999
[9] in Filosofia del derecho Constitucional, Sociedad Anonima editora Comercial, Industrial y Financiera, Buenos Aires, 1969
[10] Amernio Amado, Lisboa, 1987
[11] in “A caminho de um Direito Civil Constitucional, Revista de Direito Civil, nº 65, jul-set de 1993
[12] in O Direito Civil na Legalidade Constitucional, ed. Ronovar, RJ, 2008, pp.205-207
[13] a teoria pura do direito de Kelsen
[14] A Constitucionalização do Direito do Trabalho”, in Doutrinas essenciais do Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, vol, I, Coord. Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, ed.RT, SP., 2012, pp.275-299
[15] in Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito”, in Doutrinas Essenciais, op. cit. pp. 357-409
[16] Direitos Fundamentais Trabalhistas, ed.Atlas, SP, 2015
[17] Direito Constitucional Empresarial, ed. Gen-Método, RJ, 2013
[18] Iniciação ao Direito do Trabalho, ed.LTr, SP., 2002
[19] Estrutura das Normas de Direitos Fundamentais, André Rufino do Vale, ed. Saraiva-Instituto Brasiliense de Direito Público (Brasília), 2009
[20] Carlos Ayres Brito, O Humanismo como categoria constitucional, ed. Fórum, Belho Horizonte, 2010.