Fonte: Jornal SP Norte - Edição 873 - fevereiro 2023
Em consonância com a cláusula pétrea inscrita no artigo 5º, inciso XL da Lei Maior:
“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, Código Penal, artigo 2º: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior, deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de outro modo favorece o agente, aplica-se ao fato não definitivamente julgado e, na parte em que comina pena menos rigorosa, ainda ao fato julgado por sentença condenatória irrecorrível.”Código Penal, artigo 107:
“Extingue-se a punibilidade...
Il- pela anistia, graça ou indulto;
Ill - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato criminoso”.
Os fatos ocorreram no dia 02 de Outubro de 1992, há mais de 30 anos, enquanto o homicídio qualificado passou a ser considerado hediondo em 06 de Setembro de 1994, pela Lei 8.930/1994, posterior aos fatos, que não poderá retroagir.
A legislação constitucional e infraconstitucional, numa interpretação gramatical lógico-sistemática e teleológica esclarece.
A lei penal não retroage para prejudicar o réu, mas apenas beneficiar; refere-se sempre aos momentos dos fatos; fato que a lei posterior deixar de considerar crime, cessando os efeitos penais da sentença condenatória, favorece o agente e aplica-se ao fato pendente de julgamento e ao fato transitado em julgado; extingue a punibilidade pelo indulto e retroatividade da lei que não mais considera o fato criminoso.
Da Irretroatividade da Lei Penal mais gravosa
Sobre o momento a ser considerado para caracterização como hediondo do crime objeto do indulto, argumento apontado como suficiente para a violação do inciso XLIII, art. 5º, transcrevemos a opinião manifestada pela Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça e Segurança Pública que, com fundamento no art. 5º XXXIX e XL da CF, ponderou: “Como a lei penal não deve retroagir (cf. art.5º, XL, CF), não cabe caracterizar como hediondo um crime que à época do fato, não o era, ainda que, em momento posterior, o legislador o preveja como hediondo. O indulto não pode abranger crimes que já eram considerados hediondos no momento da consumação. Não há vedação, porém, para que abranja aqueles que só vieram a ser caracterizados como tal posteriormente”. (INFORMAÇÕES n. 02607/ 2022/CONJUIR-MJSP/CGU/AGU).
O entendimento manifestado acima já foi seguido pelo STF: “..Revelam-se passíveis de indulto (total ou parcial), não obstante a regra inscrita no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, os crimes cujo caráter hediondo lhes tenha sido atribuído por legislação superveniente ao momento em que consumados ou tentados. Precedentes — O sistema constitucional brasileiro impede a aplicação de leis penais supervenientes mais gravosas, como aquelas que afastam a incidência, sobre fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da “lex gravior”, de causas extintivas da punibilidade”.
(97700, Relator(a) CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/ 04/2011, ACORDAO ELETRÔNICO DJe-213 DIVUOG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).
TJRS: “Execução penal. Indulto natalino. Homicídio qualificado. Crime hediondo (Lei nº 8.930/94. O advento de lex nova agravando situação do recluso, conferindo etiqueta de hediondez a fato delituoso pretérito, não produz efeitos retroativos, em se tratando de norma processual penal material, com incidência em todo direito repressivo, afastando-se, no caso concreto o princípio tempus regis actum e concedendo-se o indulto natalino.” (RJTJERGS 175/81). (Júlio Fabrini Mirabete — Código Penal Interpretado, 5º edição 2005, p. 782).
Princípio da Legalidade
Reforça esse entendimento, o princípio da legalidade. Diz o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, também cláusula pétrea: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”
O preceito é repetido pelo artigo 1º, do Código Penal.
Ora, se não há crime e nem pena sem prévia cominação por lei anterior, também não poderá haver o agravamento como hediondo. Seria aplicar um crime ou uma qualificação que não existia no momento dos fatos. O caso presente foi catastrófico, mas imaginem colher todos os indivíduos que cometeram atos que não eram crimes ou não eram hediondos e passaram a ser por lei, retroativamente? Seria um caos com a inversão de valores.
Mais uma vez lembramos a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso Il: “Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”
Montesquieu em meados do século XVIII, advertia:
“É preciso que o poder freie o poder e que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e a não fazer as que a lei permite.”(Espírito das Leis, Livro Décimo Primeiro, capítulo IV).
Diante deste contexto não cabe, com todo respeito, outra interpretação.
Resulta evidente a CONSTITUCIONALIDADE do decreto de Indulto Natalino.