(Correio Braziliense)

Data venia é expressão respeitosa em latim que introduz uma argumentação contrária à opinião de outra pessoa, significando, literalmente “com a devida licença”. Recentemente, o termo passou a ser usado quase que apenas por advogados, parlamentares, juízes e outros poucos profissionais. E, assim mesmo, com tal parcimônia que está sendo entendida muitas vezes como ironia dada a agressividade da contestação que vem na sequência. Neste artigo, a expressão é utilizada em seu sentido estrito para indicar que, embora possam ferir algumas suscetibilidades, as reflexões têm o intuito único de trazer à luz algumas posturas que geram preocupação, insegurança e indignação.

A primeira data venia vai para a tolerância a pessoas ou grupos que aproveitam os protestos para praticar atos de agressão contra outras pessoas ou cometer atos de vandalismo contra bens públicos e privados. Tolerância essa dispensada por autoridades públicas dos três Poderes, que encaram com leniência o fato de que esses atos constituem crimes capitulados no Código Penal e não encontram abrigo na liberdade constitucional de expressão de manifestação. A segunda data venia vai para os maus profissionais, que desrespeitam o Código de Ética Profissional e protagonizam atos como a busca da celebridade com o custo da credibilidade e o desrespeito às autoridades constituídas.

A terceira data venia vai para a sociedade, que consagra e até cultiva o famoso jeitinho brasileiro, que quase sempre funciona como um corolário da conhecida – embora injusta para a personagem – Lei de Gerson, ou seja, levar vantagem contornando ou prejudicando direitos alheios. Nesse cesto bem amplo cabem os falsos ou incompletos depoimentos prestados às autoridades por acusados de corrupção, por exemplo. Cabe a propina que escorrega para as mãos de servidores públicos e a que é paga pela vista grossa a infrações à lei ou para acelerar ou retardar processos judiciais.

Cabem também – por que não? – as nomeações políticas para cargos públicos, com o intuito de beneficiar determinados grupos, aproveitando ou driblando o emaranhando legal brasileiro que, bem estudado, oferece escapatórias para quase todas as ilegalidades. A quarta data venia é endereçada aos críticos contumazes de deslizes alheios que se recusam a analisar com serenidade e admitir que em todas as áreas de atividade podem ocorrer erros, sem que configurem atos de má-fé ou criminosos.

A Constituição Federal no artigo 103, par. 2º, proíbe a invasão de competência legislativa, ao prever que nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão do Congresso, cabe ao Supremo Tribunal Federal apenas solicitar-lhe que produza a norma. Como advertiu o Professor Ives Gandra da Silva Martins, em recente artigo (“SOU POLITICAMENTE INCORRETO”, ESTADÃO, 28/2/2017, pág.2), “se não pode legislar nessas ações, não o pode também em habeas corpus, mandados de injunção ou quaisquer outros veículos processuais não vocacionados a interferência na função legislativa”. Data venia, a quinta, vai para o Supremo Tribunal Federal quando exerce competência legislativa não autorizada pela Constituição de 1988.

Aos leitores dedico, com antecipação, a sexta data venia por eventuais omissões deste artigo na listagem de posturas inadequadas, arranhões na ética, desrespeito às leis e outras práticas abusivas. A não citação não implica em tolerância. Mas, data venia, as reflexões acima pretendem ser apenas uma modesta contribuição contrária à máxima popular consagrada por séculos de permissividade: aos amigos, os benefícios da lei; aos inimigos, o rigor da lei. Isso porque, no Estado democrático de direito, a lei deve ser sempre igual para todos.