Estadão - 23/09/2024 - Espaço aberto - Opinião
Uma bioeconomia inclusiva pressupõe comércio justo para os que vivem da Floresta Amazônica e buscam sua conservação.
A remuneração justa para os povos da floresta, indígenas e pescadores configura, em linguagem precisa e clara, a base para um novo modelo de desenvolvimento na região amazônica brasileira.
Os ribeirinhos e povos indígenas são personagens centrais do livro Bioeconomia para Quem?
Base para um Desenvolvimento Sustentável na Amazônia, coordenado pelos professores Jacques Marcovitch e Adalberto Luis Val, que reúne trabalhos de estudiosos da Universidade de São Paulo, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Instituto Peabiru de Belém, Universidade Federal do Pará e Universidade Federal do Amazonas.
Trinta pesquisadores reúnem-se para inovar a literatura sobre a Amazônia brasileira e suas urgências. Além de eleger os povos da floresta como agentes e beneficiários principais no comércio de produtos não madeireiros, os autores dos trabalhos ampliam seu escopo na direção de um novo modelo de desenvolvimento para a Região Norte, sem o veneno do mercúrio nos rios e a violência do crime organizado.
O livro traz importantes contribuições de universidades e outras instituições públicas ao tema da bioeconomia, com ênfase na função inclusiva que deve exercer na Amazônia de hoje.
Na abertura do livro, os professores Carlos Américo Pacheco e Márcia Perales Mendes da Silva destacam informações reveladoras da função social da bioeconomia na cadeia de valor do peixe pirarucu, demonstrando que 50% dos ganhos são dos frigoríficos, 35% dos intermediários e apenas 15% dos pescadores. Na castanha-do-pará, 79% dos resultados financeiros vão para a indústria de beneficiamento e apenas 11% para as comunidades da floresta. A lógica é barrar o desflorestamento e valorizar as atividades das comunidades e populações tradicionais compatíveis com a floresta em pé.
A obra mostra uma nova pauta de discussões, estas voltadas, em sua maioria, para questões nem sempre adequadamente aprofundadas. O que se observa, na Amazônia contemporânea, é que o combate ao desmatamento é um problema que, aos trancos e barrancos, vem sendo equacionado e levado à prática. Os índices alarmantes começam a ser revertidos. Agora, além dos produtos da floresta e seu comércio, que apresentam assimetrias, busca-se o restauro florestal, as iniciativas de adaptação climática, a regeneração das terras degradadas e uma extensa pauta reformadora. É uma agenda enorme, mas compatível com a enormidade da própria Amazônia.
Problemas de segurança pública ocasionados pela presença do crime organizado e de perigosa insegurança alimentar causada pela contaminação de vários rios pelo mercúrio do garimpo ilícito devem ser enfrentados com mais arrojo. Até agora os resultados não são compatíveis com os investimentos já feitos.
Uma bioeconomia inclusiva pressupõe comércio justo para os que vivem da floresta e buscam sua conservação.
A pesquisa científica brasileira distingue como legítimos beneficiários da bioeconomia os guardiões da floresta: indígenas, comunidades que vivem dela e pescadores. Eles carecem de um modelo inclusivo de desenvolvimento na Região Norte. Os ribeirinhos são em grande parte excluídos e mal remunerados.
A bioeconomia baseada em conservação, equilíbrio climático e valorização socioeconômica requer transição justa quanto ao uso dos recursos, incluindo a percepção de como, por quem e para que os produtos bio econômicos são produzidos e utilizados.
Promover o desenvolvimento da bioeconomia na Amazônia não está unicamente relacionado ao investimento em crescimento tecnológico ou ao escoamento. A construção da bioeconomia da socio biodiversidade amazônica requer a elaboração de estratégias diversas (jurídicas, regulamentares, socialmente coerentes e cotidianamente aplicáveis) capazes de promover melhoria da qualidade de vida aos atores da cadeia, principalmente aos produtores.
Há um caminho a ser percorrido na elaboração de conceitos, requisitos e critérios para considerar um produto como parte do pacote bio econômico amazônico, já que cerca de 74% das atividades extrativistas nacionais são desempenhadas na Amazônia, com 955 produtos diferentes entre aqueles relacionados à manutenção da floresta em pé.
Nesse trabalho, os autores demonstram que a bioeconomia e os benefícios oriundos de sua lógica de produção sustentável devem se destinar sobretudo a quem mantém áreas florestais, fluxos hídricos, sistemas ecológicos sustentáveis e atuação ao equilíbrio climático.
Bioeconomia para empresas locais, que investem no desenvolvimento sustentável e estimulam a economia circular. Bioeconomia para quem mantém relações de trabalho dignas e atua para a garantia de direitos fundamentais. Bioeconomia para os povos e comunidades tradicionais, para quem mantém repartição de benefícios com detentores dos conhecimentos.
Ruy Martins Altenfelder Silva - Advogado, presidente emérito da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ), é membro do Conselho Superior da Fundação Petér Murányi