Fonte: Jornal SP Norte - 6/9/2024
Conforme Louis Favoreu, Louis et als. Droit Constitucional, 4 eme ed. Pp 615 – 616: “as imunidades têm por fim a proteção do mandato contra perseguições judiciárias abusivas, permitindo total liberdade de pensamento e de ação”, mas não devem conduzir à ipunidade ao tratar da irresponsa-bilidade e da inviolabilidade. Examinando as Constituições brasileiras, verificamos que isso não ocorre.
A Constituição do Império de 25 de março de 1824 é a primeira após a independência, em um Estado Unitário, garante a inviolabilidade, que na realidade é irresponsabilidade, aos membros de cada uma das Câmaras, apenas pelas opiniões manifestadas no exercício das funções. Não se refere ao exercício do mandato, mas sim aos atos, às suas funções, durante o mandato. O “Acto Addicional” de 12 de agosto de 1834 estende a irresponsabi-lidade, nos mesmos termos, aos membros das Assembleias provinciais. Significavam, estas Assembleias, a descentralização, incipiente, do Poder no Estado Unitário.
A Constituição de 1891, com as Emendas de 1926, foi a primeira republicana. Trouxe, consigo o presidencialismo e o federalismo. Acrescentou à irresponsabilidade dos deputados e senadores, “palavras e votos”, e o alcance ao exercício do mandato. Com a mudança substancial, em uma forma de Estado Federal descentralizada acrescentou às opiniões, “palavras e votos” e durante o exercício do poder, do mandato, não restritivo apenas ao exercício de funções deste.
O texto Magno de 16 de julho de 1934, logo após o movimento constitucionalista de 1932, uma Constituição que durou, apenas, três anos, em um contexto político agitado, restringiu a irresponsabilidade ao exercício das funções do mandato. Não é garantida qualquer manifestação durante o exercício do mandato, mas apenas aquelas inerentes às funções do mandato. Há uma diferença, conforme Favoreu, e citada anteriormente.
A Constituição de 1937, da ditadura de Vargas, chamada polaca, apresentou grandes transformações. Os membros do parlamento nacional passam a responder somente perante a sua respectiva Câmara. São irresponsáveis por opiniões e votos. Foi retirada do texto “palavras”. A proteção é no exercício de suas funções e não no exercício do mandato.
O texto traz ressalvas expressas: “não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime”. Constata-se uma limitação, restrição à liberdade parlamentar. Quando o legislador constituinte originário ou derivado quer, aumenta ou restringe as imunidades. Não se trata de lacuna natural, ocasional ou intencional. São modificações conscientes e ao sabor do momento político e ideológico. Trata-se de aumentar ou restringir as liberdades parlamentares, de acordo com os interesses da conjuntura momentânea.
A Lei Maior de 1946, mais democrática, após a queda de Getúlio Vargas, volta a garantir os deputados e senadores no exercício do mandato, com amplitude maior do que apenas nas funções do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, incluindo novamente as palavras. Exclui, também, as ressalvas, afastando a responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, com as Emendas 1 de 1969 e 22 de 1982, é a do governo militar e traz, evidentemente, alterações. Foi um período após renúncia de Jânio Quadros e debates ideológicos. Manteve irresponsabilidade no exercício do mandato dos deputados e senadores, por suas opiniões, palavras e votos. Todavia ressalvou no caso de crime contra a honra. No texto original a ressalva era para injúria, difamação ou calúnia ou nos casos previstos na Lei de Segurança Nacional. De qualquer forma restringiu a imunidade, quanto a irresponsabilidade nos crimes contra a honra.
O Texto original de 5 de outubro de 1988, posterior ao regime militar, pretendeu maior liberdade e exagerou. Simplesmente afirmou a irresponsabilidade dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos, gerando dúvidas. Não fez referências às circunstâncias, locais, funções, mandatos para o exercício de suas imunidades parecendo sem limites. Provocou a Emenda no 35 de 2001, que confirmou e era isso mesmo: “Os deputados e senadores são invioláveis (irresponsáveis) civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Exclui, também, as ressalvas. É vontade do legislador originário da Constituição e do legislador do poder constituinte derivado da Emenda.
Os que outrora pleiteavam mais liberdade, posteriormente ofereciam restrições e os adeptos das restrições passaram a lutar por liberdades. Variam de acordo com estar no poder ou fora dele.