Saudação preparada para solenidade de posse na Cadeira nº 77 da Academia Paulista de Letras Jurídicas
Samantha Ribeiro Meyer-Pflug

Como recipiendária da Cadeira nº 77, da Academia Paulista de Letras Jurídicas, cabe-me a honrosa atribuição de saudar o patrono da referida Cadeira o saudoso e eminente Professor JOSÉ DE CASTRO BIGI e também do seu sucessor o Professor Marcio Tomaz Bastos.

Gostaria inicialmente de agradecer imensamente ao nosso excelentíssimo senhor Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Professor Ruy Martins Altenfelder Silva — em nome de quem gostaria de externar a todos os acadêmicos e acadêmicas, os cumprimentos e também minha sincera gratidão, pela generosa aceitação desta confreira. Espero sinceramente ter condições para corresponder às expectativas dos eminentes mestres que ensinam e dialogam nesta Confraria.

Não poderia deixar de agradecer em especial ao Professor Ives Gandra da Silva Martins, chanceler da Academia Paulista de Letras Jurídicas e ao Acadêmico Professor Ney Prado, por serem responsáveis pela minha indicação para compor tão renomada Academia, mas também pela confiança, amizade e por todos os ensinamentos que me foram ofertados de maneira tão generosa. Muito obrigada, pois como ensinava Machado de Assis “a ingratidão é um direito do qual não se deve fazer uso”.

Falar sobre José de Castro Bigi não é tarefa das mais fáceis, pois se trata de um homem que teve sua vida dedicada ao Direito e à defesa da classe dos advogados. Um homem corajoso e singular. Foi casado com Leila Monte de Castro Bigi, com quem teve cinco filhas e seis netos. Faleceu aos setenta e nove anos, em 15 de janeiro de 2009.

Era detentor de uma personalidade forte, homem de princípios: um líder nato. No entanto, era considerado por seus amigos “habilidoso" ao lidar com as pessoas. A despeito de sua personalidade forte, era um cavalheiro, amigo leal, dono de um coração generoso, marido e pai atencioso.

A ele se aplicava a frase de Eça de Queiroz “É o coração que faz o caráter.” Apreciador de bons vinhos, da poesia, de óperas, tinha em Puccini, seu compositor favorito. Possuía um gosto refinado para literatura, tendo predileção por Machado de Assis, José Saramago e Eça de Queiroz.

Dizia ter sido atraído para advocacia em virtude da influência que os bacharéis de Direito tiveram na literatura brasileira.

Todavia sua grande paixão era o futebol, o Corinthians, seu clube de coração que frequentou durante quarenta anos. Foi conselheiro vitalício, diretor jurídico e candidato a presidente. Na campanha à presidência, seu maior argumento era o amor que dedicava ao Corinthians: queria ver seu clube mais respeitado e mais poderoso.

Sua paixão pelo Corinthians era tamanha que até mesmo chegou a sofrer um acidente de avião com o time, mas quando questionado, prontamente respondia: “foi só um susto.”

Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1952, na “velha e sempre nova arcadas”.

Sua atuação profissional foi marcada pela dedicação e amor a advocacia. Era um grande defensor da carreira e se tornou Presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, por duas vezes.

Na primeira foi Presidente no biênio de 1981/1983 e teve como seu vice Marcio Thomaz Bastos, que posteriormente o sucedeu na cadeira n. 77 desta dileta Academia, que tenho agora a imensa honra de ocupar.

Nesse período, precisamente a partir de 1983 participava de um almoço todas as sextas feiras no Ca´d´Oro, com seus colegas igualmente renomados: Mário Sérgio Duarte Garcia, Márcio Thomaz Bastos, Michel Temer, Cid Vieira de Souza, e Manuel Alceu para discutirem temas diversos do Direito.

Tornou-se presidente da OAB/SP num momento conturbado da história brasileira, durante o regime militar, período marcado pela violação constante dos direitos individuais.

No entanto, jamais se curvou aos obstáculos, manteve-se fiel aos seus ideais e contribuiu em sua gestão para a construção de uma sociedade civil livre e democrática, preparando-a para o fim do regime de militar. Sua presidência teve como marca essencial o pulso firme e a liderança. Era um homem ativo, avesso a passividade.

Lutou arduamente pela democratização do Brasil e colocou a OAB/SP na linha de frente das entidades que se opuseram ao regime militar. Para ele: “A ditadura é incompatível com a independência e com a autonomia que devem nortear a função do advogado”.

Era corajoso, e a coragem é uma das mais altas qualidades humanas, pois é a que garante todas as outras.

Não podemos nos esquecer das palavras de Machado de Assis: “A vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal”.

Não conseguia ficar indiferente diante do fato de que havia advogados e intelectuais sendo presos e torturados. Para ele, nesse momento o interesse corporativo da OAB/SP ficava comprometido, porque, em suas palavras “éramos obrigados a encarar a parte política.”

Em sua gestão foi o responsável por inúmeras e relevantes conquistas para a classe dos advogados. Criou as subsecções nas capitais, além da construção e locação de várias Casas do Advogado, no interior do Estado. Deve-se a sua atuação a instalação da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, que desenvolve relevante papel na conquista desses direitos e na garantia da dignidade da pessoa humana. Contudo, quando indagado sobre os feitos de sua gestão, citava como uma das marcas indeléveis a restauração da biblioteca da Ordem.

Acreditava assim como Monteiro Lobato que “um país se faz com homens e livros.” Era um homem de visão e corporativamente era um dos defensores da informatização da Ordem.

Tornou-se presidente da OAB/SP, pela segunda vez em 1990, em substituição a Antonio Cláudio Mariz de Oliveira – de quem era vice –, que havia se licenciado para assumir a Secretaria de Justiça de São Paulo. Acompanhou, enquanto presidente da OAB/SP, os advogados da Folha da Manhã, o também acadêmico Ives Gandra da Silva Martins e Luís Francisco Carvalho Filho, quando agentes da Polícia Federal e da Receita invadiram, no dia 24 de março de 1990, o prédio da empresa Folha a pretexto de comprovar irregularidades na troca de faturas emitidas em cruzados novos por faturas em cruzeiros.

Na ocasião a polícia federal levou a efeito uma truculenta inspeção, que durou quase duas horas e meia, e o diretor-financeiro e vice-diretor-geral- foram levados à Polícia Federal para prestar depoimento. Os agentes levaram também, a título de "testemunha", a secretária da diretoria. Ele estava lá na como presidente da OAB/SP na defesa dos direitos individuais constitucionalmente assegurados e que estavam sendo flagrantemente violados.

José de Castro Bigi também era extremamente respeitado pela qualidade de seu trabalho e pela defesa das prerrogativas dos advogados. Em suas palavras: “A principal bandeira da Ordem deve ser a defesa dos direitos dos advogados. As prerrogativas, enfim. A Ordem é, quer se queira, quer não, uma entidade classista e ponto final. Não pode ter vergonha de dizer isso. Se amanhã acontecer algo que possa perturbar o bom andamento da democracia, ela deverá voltar a atuar novamente nessa frente, com toda a força.”

Ele não tinha receio de expor suas opiniões, era um homem de caráter, e nas palavras de Eça de Queiroz “Por um gesto julgamos um caráter, por um caráter julgamos um povo”. Destarte, sua atuação na OAB/SP não se restringiu ao exercício da Presidência, pois também comandou a Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo a CAASP.

Importante destacar que mesmo não ocupando cargos na Ordem, mantinha com a instituição laços estreitos. Tanto é que quando questionado sobre a OAB, sua resposta era enfática: “Não fico alheio à Ordem."

Basta dizer que o último cargo que ocupou foi o de presidente da Comissão de Direito Internacional, no período de 2001 a 2003. Acreditando no Brasil e na projeção do país no cenário internacional, dizia: “Nas últimas cúpulas internacionais, a posição firme do Brasil ajudou a compor um bloco com nações importantes, que “não fazem parte das oito mais ricas do mundo. Isso, provavelmente, não devemos ao governo, mas ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Como presidente, foi o melhor chanceler que o Brasil já teve.”

Presidiu também a Associação dos Advogados de São Paulo- AASP no biênio de 1972-1973.

Era sócio fundador de um dos mais respeitados escritórios de advocacia: o “José de Castro Bigi advocacia”. Advogado competente era admirado pelo rigorismo de suas peças e pela atuação ética, um verdadeiro ícone da advocacia no país. Nesse particular, cumpre registrar sua generosidade ao fazer consultas gratuitas, muitas vezes pagando do próprio bolso para patrocinar causas, pois como os homens bons, indignava-se diante das injustiças. Como muito bem expressou José Saramago, um dos seus autores preferidos:

“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”

A vida profissional de José de Castro Bigi, não ficou restrita ao exercício da advocacia. Era um Acadêmico, professor de Direito Civil, especializado em Direito de Família. Seu sonho, era atuar na área criminal e fazer júri, mas a vida o levou para a área civil. Lecionou em inúmeras faculdades, entre elas, a Faculdade de Osasco e as Faculdades Metropolitanas Unidas em São Paulo. Foi autor de inúmeros artigos científicos de grande relevo para o Direito, entre eles destacam-se:

“Dano moral em separação e divórcio” publicado na Revista dos Tribunais;

“União estável X relações homossexuais” publicado na obra Aspectos, coordenado pelos Professores Arruda Alvim, Joaquim Portes de Cerqueira César e Roberto Rosas.

Cassação de Direitos Políticos: art. 15 e parágrafos da Constituição Federal de 1988 publicado na obra Constituição federal de 1988: dez anos (1988-1998), coordenada pelo Professor Antônio Carlos Mathias Coltro.

Breves comentários concernentes à Lei n. 8.950, de 13 de dezembro de 1994.

Tinha posições acadêmicas firmes e explanava suas ideias com clareza. Dentre elas defendia a aplicação da conciliação nas causas de direito de família: “Temos que partir para um sistema de tentativa de conciliação, uma espécie de arbitragem. Dentro do Judiciário e não fora dele. Essa tentativa de conciliar pode ser feita com a presença de um psiquiatra, de um psicólogo e, obrigatoriamente, de um advogado. Mas, repito, não fora do Judiciário. Também deve ser dirigida por um juiz. Penso o seguinte: teríamos um quadro de juízes, não muitos, que só tratariam de conciliação.”

No tocante à aplicação da guarda alternada era enfático ao afirmar que não era favorável. Dizia: “Dividir entre o homem e a mulher as obrigações, sim. Mas ter dois lares não é indicado. O guardião tem que ser um só. Estar um pouco na casa de um, um pouco na casa do outro, representa um grande perigo de ordem psíquica para a criança. Um bom procedimento – que já se faz hoje – é alargar bastante a visita, com compreensão. Não se fixa mais o fim de semana. Geralmente, os filhos ficam com a mãe. De qualquer forma, devem estar sob a guarda de um dos dois. De preferência, com o que tiver maior possibilidade de exercer o cargo de guardião, em ordem financeira, de amor e de afeto.”

Além da dedicação à advocacia e ao magistério, José de Castro Bigi, foi juiz Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Embora sua dedicação fosse ao Direito, simplesmente adorava a política. Dizia: "Gosto muito de política, embora não a faça.”

Assumia posições bastante inovadoras no que se refere ao Direito Eleitoral, demonstrando preocupação constante com a consolidação da democracia e o exercício da cidadania. No que se refere ao sistema eleitoral, defendia o voto distrital, como a única solução para combater as mazelas do sistema proporcional e os candidatos “puxadores de voto”. Para ele o voto distrital: “É a única solução que vejo para se resolver isso. Que respaldo pode ter esse deputado federal do Prona em qualquer medida que ele queira tomar no Congresso? É um absurdo. Nem em reunião de clube de futebol as coisas se processam assim.”

Homem de visão e admirador dos avanços tecnológicos era absolutamente a favor da urna eletrônica, porque “evitava a fraude, que era terrível com a votação por cédula.”

Sobre a atuação do Poder Judiciário, como advogado renomado entendia os meandros do Poder, suas mazelas e virtudes. Preocupava-se com a administração da justiça e o excessivo número de processos, Alertava que: “O Judiciário é o último abrigo do cidadão; o último reduto daqueles que precisam buscar Justiça. Só que é preciso mexer na legislação processual, para diminuir o número de recursos e chegar a julgamento mais rápido. No meu modo de ver, a ação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, os JPECS, deve ser ampliada, em relação à natureza das ações.”

José de Castro Bigi foi um homem ímpar, sua contribuição para o Direito e para o exercício da advocacia representaram importantes conquistas para a classe e ficarão marcadas na história. Oportunas aqui as palavras de Hannah Arendt: “Há uns que nos falam e não ouvimos; há uns que nos tocam e não sentimos; há aqueles que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas... há aqueles que simplesmente vivem e nos marcam por toda vida.” José de Castro Bigi era um desses homens.

MARCIO TOMAZ BASTOS

Cumpre-me agora homenagear o Professor Marcio Tomaz Bastos que sucedeu o Professor José de Castro Bigi na Cadeira 77 desta distinta Academia.

Trata-se do mais influente advogado de uma geração de criminalistas. Símbolo da advocacia brasileira.

Descendente de libaneses nasceu no dia 30 de junho de 1935 na cidade de Cruzeiro, em São Paulo.

Casou-se com Maria Leonor de Castro Bastos, com quem teve uma filha Marcela e dois netos, Rafaela e Diogo.

Faleceu, recentemente, no dia 20 de novembro de 2014. Corajoso defensor da lei, do regime democrático e amante da liberdade. Homem público de qualidades inegáveis.

Era um lorde, extremamente educado e polido, como advertia José Saramago “Ser-se homem não deveria significar nunca impedimento a proceder como cavalheiro.”

Homem raro, de caráter e lealdade ímpar. Dotado de grande serenidade, transmitia calma e segurança aos clientes. A serenidade é uma das qualidades do homem sábio. Norberto Bobbio enfatiza: “A serenidade é uma disposição de espirito que somente resplandece na presença do outro: o sereno é o homem de que outro necessita para vencer o mal dentro de si.”

Amante do futebol, são paulino de coração, o toque do seu celular era o hino do clube. Considerava-se um anti-corinthiano. Também era hipocondríaco e adorava ir à farmácia apenas para saber as novidades do mercado.

Estudou em escolas públicas, bacharelou-se em direito pela Universidade de São Paulo, em 1958 e especializou-se em Processo penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Contudo, dizia que sua verdadeira formação jurídica se deu em sua cidade Cruzeiro, na qual atuou assim que se formou na faculdade. Foi trabalhar com um rabula, pois naquela época existia a figura do provisionado. Era o Dr. Sinésio Passos, farmacêutico com licença para atuar no tribunal, que foi o seu verdadeiro professor.

Contava que decidiu seguir a carreira jurídica aos onze anos, quando levado pelo seu tio assistiu um julgamento de homicídio passional no Tribunal do Júri, no qual o Dr. Sinésio Passos era o advogado de defesa e conseguiu a absolvição do réu alegando legitima defesa da honra.

Dedicou-se ao Direito criminal, participou de seu primeiro júri, em 1957, na condição de solicitador acadêmico o que equivaleria a condição de estagiário.

Ao longo de sua carreira atuou em mais de quinhentos julgamentos, muitos dos quais sem cobrar honorários, mas apenas por amor ao direito de defesa. Tendo em vista sua brilhante atuação em júri era chamado pelos colegas de “menino jesus”. Foi vereador pelo Partido Social Progressista (PSP) em Cruzeiro no período de 1964 a 1969, mas pediu licença de seis meses à Câmara de Vereadores, em 1966, para servir na Secretaria do Interior no governo de Laudo Natel.

Na década de 1970, fixou-se na cidade de São Paulo, na qual abriu seu próprio escritório. Sua brilhante atuação na advocacia lhe conferiu notoriedade. Conhecido pela paixão com a qual defendia suas teses, pela inteligência aguçada e pelo pensamento estratégico. Atribuía seu sucesso ao “feeling” com que pautava suas defesas. Era chamado pelos colegas de “god”.

Era um homem extremamente culto que falava muito bem, não usava uma linguagem rebuscada. Pelo contrário, sua fala era quase jornalística. Em sua cidade natal era conhecido como “bico doce”, em razão de sua oralidade e poder de convencimento. No entanto, sua qualidade maior não era essa, era saber ouvir, atributo cada vez mais raro nas pessoas: sabia ouvir os clientes e sabia ouvir os amigos. Advogado de renome também atuou na acusação do cantor Lindomar Castilho, do Jornalista Pimenta Neves e dos assassinos do Chico Mendes.

Foi vice de José de Castro Bigi na Presidência da OAB/SP e depois se tornou presidente da Ordem no biênio de 1983 -1985, período no qual se aproximou dos movimentos sociais. Foi atuante no movimento pelas “Diretas Já” e na luta pela democratização do País.

No biênio 1987-1988, foi eleito presidente do Conselho Federal da OAB e atuou nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Sobre a OAB enfatizava que: “Não podemos descuidar do instituto do desagravo, independente de quem fere as prerrogativas profissionais do advogado.

Devemos estar em permanente vigilância, sob pena de perdermos garantias elementares para o exercício da advocacia e, portanto, do direito de defesa do cidadão”. Mesmo após o fim do seu mandato como Presidente da Ordem, sempre manteve intensa relação com a OAB, tendo inclusive tomado posse como presidente de honra da Comissão Especial de Garantia do Direito de Defesa. Enfatizava: “Temos muitas lutas e temas para resgatar a bandeira da advocacia criminal. Não somos advogados de bandidos, não nos contaminamos pela conduta de nossos clientes, somos, isso sim, defensores dos grandes valores constitucionais, da presunção de inocência, da existência do contraditório, da proibição das provas ilícitas”.

Em 1992, foi com Evandro Lins e Silva um dos redatores do pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor (1990-1992). Também fundou o Movimento Ação pela cidadania, junto com Severo Gomes, Jair Meneghelli e Dom Luciano Mendes de Almeida.

Criou o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, em 1996, que é uma organização da sociedade civil que tem por objetivo o fortalecimento do Direito de Defesa e que presta assistência jurídica a pessoas necessitadas. Era um defensor intransigente do sagrado direito de defesa. Para ele a advocacia era o pilar de uma sociedade livre.

Em 2002 assumiu o Ministério da Justiça, permanecendo no cargo até 2007. No exercício do Ministério montou uma equipe jovem, qualificada e competente, que os colegas chamavam de “jardim de infância” do Marcio. Demonstrava assim sua crença nos novos talentos.

Entre suas ações como Ministro, destacam-se: a aprovação Estatuto do Desarmamento; a homologação da terra indígena raposa do sol; a concessão de maior autonomia à polícia federal; a criação da Força Nacional de Segurança; o fortalecimento da Cooperação Jurídica Internacional e o Combate à Lavagem de Dinheiro por meio da criação do Departamento de Recuperação de Ativos e a Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCLA); e a aprovação da Reforma do Poder Judiciário.

Dizia aos amigos que entraria para história como o Ministro que levou a efeito a Reforma do Poder Judiciário e promoveu uma revolução na polícia federal. E a promessa se cumpriu.

Foi responsável pela indicação de vários ministros do Supremo Tribunal Federal e poderia ter sido um excelente Ministro. Todavia era enfático ao dizer que: “Não tenho vocação para juiz. Eu nunca ia ser um bom juiz. Eu sou parcial. Eu escolho lado. Não tenho aquela distancia dos fatos.”

Após deixar o ministério voltou a exercer a advocacia e assumiu a defesa de um dos acusados da ação penal do Mensalão sendo o idealizador da tese de que o Mensalão seria apenas caixa dois de campanha eleitoral. Quando questionado pela sua atuação no caso do mensalão se limitava a dizer: “Eu defendo os meus clientes da culpa legal. Julgamentos morais eu deixo para a majestosa vingança de Deus”, citando o criminalista norte americano Edward Bennet Williams.

Era um homem incansável e trabalhou até o seu último de vida. Perpétuo defensor do Estado Democrático de Direito acreditava que "O advogado hoje funciona como a voz da cidadania, a única voz que temos para denunciar desmandos e atos de irregularidade neste país".

Tratava-se, portanto, de um homem de ideias progressistas e dono de uma serenidade inigualável. Termino aqui minha singela homenagem a esses dois grandes juristas José de Castro Bigi e Marcio Tomaz Bastos com um trecho da obra de José Saramago:

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre.”

Muito obrigada!