jose renato nalini 28O Brasil precisa de urgente investimento estrangeiro para recuperar o ritmo de desenvolvimento de que o povo está a necessitar. Uma das fórmulas é incrementar o crédito, mediante ampliação de institutos exitosos, dos quais o mais eloquente exemplo é a alienação fiduciária em garantia.

A Lei 9.514, de 20.11.1997 instituiu esse valioso instrumento que veio a merecer extensão, exatamente em virtude da facilidade com que é operacionalizado. Inicialmente destinado a financiar bens móveis, notadamente o veículo automotor, aos poucos veio a servir para garantia fiduciária de imóveis. A partir de 2002, as instituições financeiras adotaram a alienação fiduciária como a principal fórmula asseguradora dos financiamentos imobiliários. Com o advento da Lei 10.931, de 02.08.2004, os mercados financeiro e de capitais se serviram dela para empréstimos, financiamentos e negócios comerciais em geral.

A Lei 13.465/2017 continuou na tentativa de tornar cada vez mais simples a utilização do instituto, contribuindo para consolidar sua vocação de “criar as condições necessárias para revitalização e expansão do crédito imobiliário, partindo do pressuposto de que o bom funcionamento do mercado, com permanente oferta de crédito, depende de mecanismos capazes de imprimir eficácia e rapidez nos processos de recomposição das situações de mora”.

O que tornou mais atraente o uso da alienação para as operações imobiliárias foi a facilidade de consolidação da propriedade fiduciária junto à delegação extrajudicial do registro de imóveis. Isso não é pouco num País inebriado pela judicialização que não é inteiramente previsível, nem trabalha com o tempo exigido pelo mercado.

Só que é mais do que urgente ir além. O advento da alienação fiduciária em garantia tornou a hipoteca um objeto de arqueologia. O mercado não se compadece com formalismos, procedimentalismos e ritualismos ultrapassados. Precisa de agilidade. E a alternativa para injetar-lhe ânimo novo e intensidade reforçada é viabilizar a possibilidade de  garantias simultâneas, tendo por garante o mesmo imóvel, desde que este seja patrimonialmente suficiente a responder pelos vários créditos.

O modelo já estava na hipoteca, suscetível de sucessividade. Mas se vier também para a alienação fiduciária em garantia de imóvel, o resultado será uma robusta injeção de entusiasmo no mercado, com evidente retomada de um desejável incremento.

Há um tesouro inexplorado na propriedade imóvel brasileira. Percentual considerável dela é regular e propiciaria saudável utilização por parte de seu titular dominial. Há uma riqueza creditícia desperdiçada, enquanto o Brasil não encontra saída fácil para a sua interminável policrise.

A equipe econômica do governo já anunciou ser essa a sua intenção. Mas acena com a criação de uma estrutura responsável por aferir o valor do imóvel-garante e de controlar o seu comprometimento, já que várias serão as operações admitidas ao mesmo tempo sobre um único imóvel.

A perspectiva de um projeto de lei submetido ao Parlamento em ano eleitoral, não é das mais promissoras. Enquanto isso, uma hermenêutica inteligente e sensata, viabiliza a adoção da estratégia sem a necessidade de processo legislativo.

Basta uma leitura atenta do teor da legislação vigente e a conclusão será a de desnecessidade de propositura de projeto de lei.

Se o Poder Judiciário adotar essa via, estará a contribuir para a retomada de fôlego que a economia pátria aspira com urgência, o que se torna ainda mais oportuna e sensível, no momento em que não são apenas as bolsas mundiais a refletirem o pânico gerado pelo coronavírus.

A gravidade da situação planetária impõe adoção de alternativas audaciosas e criativas. Ao sistema Justiça também foi confiado o comando constitucional de edificar uma nação em que a miséria seja eliminada, reduzidas as desigualdades e promovidas as condições para propiciar que as pessoas atinjam suas aspirações.

Aparentemente, a República está aturdida. Ideologizada, polarizada, mas perplexa ante a falta de ação concreta. Já passou da hora do Judiciário atuar, por um órgão que tem condições de modificar o quadro atual: o Conselho Nacional de Justiça. Basta que ele tenha coragem e vontade política de permitir que as delegações extrajudiciais aceitem alienações fiduciárias sucessivas, até o limite do valor imobiliário garantidor.

Não seria a primeira vez que o Judiciário contribuiria para resolver questões insolúveis. Isso já aconteceu com a tutela jurisprudencial da companheira, tão menosprezada pelo sistema. Um ato normativo será suficiente para afastar do instituto da alienação fiduciária em garantia de imóveis, um dos entraves que inibem a produção dos benéficos efeitos de que potencialmente já é provida.

Despicienda a criação de qualquer outra nova estrutura, pois a inteligente delegação de atividades estatais para desempenho em caráter privado por titulares concursados e sob o permanente jugo fiscalizatório e correcional do Poder Judiciário, já dispõe de condições para efetivo controle das operações derivadas da nova ordem.

* José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020