(O Estado de S.Paulo, 20/03/2018)

Ruy Altenfelder 6 20b50Até quando a Previdência Social vai pagar a aposentados e pensionistas?

A Constituição brasileira de 1988 dedicou todo o seu Título VIII, em especial o artigo 194, a definir o conceito e os objetivos da seguridade social, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à Previdência e à assistência social.

O poder público tem competência para organizar a seguridade, obedecidos os seguintes princípios e objetivos:

“I - Universalidade de cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - equidade na forma de participação do custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20, de 1998).

A Carta de 88 determinou que a Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e deve atender aos princípios enumerados no artigo 201, incisos I a V. As regras gerais da Previdência Social constam da seção III da Constituição.

O excelente Dicionário Unesp do Português Contemporâneo define no verbete Previdência a instituição que visa assegurar a cada beneficiário meio de subsistência em caso de incapacidade dele próprio ou daquele de que ele depende, ou em caso de aposentadoria.

Joelmir Beting, saudoso e querido amigo, dentre outras frases eternas e famosas, afirmou com a precisão de suas lições que na prática a teoria é outra. E é exata e tristemente o que está acontecendo com a imoral e desumana Previdência Social do Brasil.

Ricardo Bergamini, que tem analisando esse tema com rara competência, mostrou que em 2017 o Regime Geral de Previdência Social (INSS), destinado aos trabalhadores do “andar de baixo” (os das empresas privadas), dentre os quais me incluo, com 101,3 milhões de participantes - 66,8 milhões de contribuintes e 34,5 milhões de beneficiários - sofreu em 2017 um déficit previdenciário de R$ 182,4 bilhões (ou seja, um déficit per capita dos participantes de R$ 1.800,59).

No aludido estudo é apontado que no mesmo ano de 2017 o Regime Próprio da Previdência Social, destinado aos trabalhadores do “andar de cima” (os servidores públicos), com apenas 10,4 milhões de participantes - 6,4 milhões de contribuintes e 4 milhões de beneficiários - produziu um déficit previdenciário de R$ 163,2 bilhões (per capita, R$ 15.692,30).

Ou seja, no ano passado a Previdência Social brasileira acusou um déficit previdenciário total de R$ 345,6 bilhões, coberto com fontes de financiamento como Cofins e CSSL, dentre outras contribuições que atingem todos os brasileiros, incluídos os desempregados e os empregados informais, sem carteira assinada (quase a metade da população brasileira economicamente ativa).

Wagner Balera, autor de um dos melhores livros sobre a Previdência Social - Legislação Previdenciária Anotada -, transcreve o sempre esquecido artigo 3.º da Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991), assinalando que o comando traceja os principais preceitos da Previdência Social: o combate a determinados riscos sociais, por meio de prestações mínimas. Trata-se, como diz com precisão Wagner Balera, do modelo clássico do seguro social, de corte bismarquiano, baseado nas contribuições sociais.

Como demonstram os números, a Previdência brasileira está desequilibrada: as receitas são bem inferiores às despesas, fruto da irresponsabilidade e da incompetência dos nossos governantes e, principalmente, das corporações do serviço público, que a cada dia oneram os cofres previdenciários com privilégios absurdos.

O governo do presidente Michel Temer apresentou ao Congresso Nacional projeto de emenda constitucional (PEC) tentando equilibrar receitas e despesas. O que se viu foram despudoradas ações corporativas, cada uma mordendo a PEC da Previdência segundo os seus interesses (o Brasil que se dane!) e desfigurando-a profundamente. Se não bastasse, a Câmara dos Deputados sinalizou que o quórum necessário para a aprovação da PEC, de 308 votos, não seria atingido. Por derradeiro, a intervenção federal no Rio de Janeiro impediu a sua tramitação, por imposição constitucional.

Com isso a situação da contabilidade previdenciária vai se agravar a cada dia, a ponto de se perguntar: até quando aposentados e pensionistas receberão os seus proventos?

Por isso, a atual Previdência Social brasileira é imoral e desumana!

O jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de 26 de fevereiro sob o título 'Por que as reformas não avançam?' (A3), analisou o momentoso tema apontando os seus desastrosos efeitos nas contas públicas, suas injustiças e sua crescente incompatibilidade com a realidade demográfica. Mais uma vez foi demonstrada que não haverá crescimento sem uma profunda reforma na Previdência. Os obstáculos antipatrióticos que têm impedido o avanço da PEC no Legislativo são apontados: a) pressões e manobras do funcionalismo para que as atuais regras não sejam alteradas; e b) as mazelas do Poder Legislativo, no qual um significativo número de parlamentares manifesta seu descompromisso com o interesse público.

A principal dificuldade, está no fato de que o caminho para sua realização é árduo e exige espírito público. O governo da União perdeu muito mais do que a reforma da Previdência. Precisa procurar com urgência um novo rumo!