(O Estado de S.Paulo)

O ponto central da minirreforma trabalhista no governo Temer (Projeto de Lei n°6.787/2016) está na predominância do acordado sobre o legislado. Nesse sentido, a jurisprudência vem sendo criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se antecipou, começando na dar concretude a esse importante tópico da reforma. Decisões do STF, ao apreciar dois recursos extraordinários – RE 590.415 e RE 895.759 -, são paradigmáticas na construção dessa tese e na interpretação do ordenamento jurídico existente.

A questão ganha importância diante do atual quadro da economia brasileira, em que uma grave crise econômica produziu uma massa de 12 milhões de desempregados e o ingresso recorde de 3 milhões de novas ações na Justiça do Trabalho, representando um aumento de 13% em relação a 2015 e mantendo aquecida e “engrenada” a máquina da cultura da litigância, num Judiciário já moroso e saturado. Pior: essa Justiça especializada tem a pecha de ser paternalista, protecionista e de “corrigir injustiças” nas relações trabalhistas.

Por isso acredito que essa “minirreforma do trabalho” possa ser um importante divisor de águas para empresários e trabalhadores e, também, um fator de mudança para a Justiça do Trabalho, quebrando uma cultura arraigada e uma resistência a ser vencida de que os acordos coletivos não podem suprimir direitos.

Estamos, sem dúvida alguma, em busca de uma flexibilização da legislação trabalhista, num sistema de pesos e contra-pesos que permita a criação de postos de trabalho e propicie uma saída concreta para os desempregados brasileiros. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), um em cada cinco novos desempregados no mundo é do Brasil. Portanto, retomar o crescimento econômico e a empregabilidade são prioridades na agenda dos brasileiros.

Nesse aspecto, dois recentes votos dos ministros do STF auxiliam a sedimentar essa necessária mudança da prevalência do negociado sobre o legislado. No RE 590.415, o ministro Luís Roberto Barroso validou cláusula de quitação geral do Plano de Dispensa Incentivada (PDI) de um banco, firmada em acordo coletivo com o sindicato dos empregados, assegurando, assim, que o funcionário que aderisse ao plano receberia indenização, mas não poderia pleitear diferenças decorrentes da relação de emprego na Justiça do Trabalho. No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) deu provimento a recurso de reclamante, entendendo ser nula a cláusula de quitação e permitindo aos empregados recorrer em juízo.

Na relatoria, o ministro Barroso fez o enfrentamento da matéria e argumentou que a negociação coletiva permite que empregador e empregado tenham o mesmo peso econômico e político, autorizando que a proteção ao trabalhador seja atenuada, com vista a obter outros benefícios: “Não socorre a causa dos trabalhadores, constante do acórdão do TST que uniformizou o entendimento sobre a matéria, de „que o empregado merece proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganancia‟. Não se pode tratar como absolutamente incapaz e inimputável para a vida civil toda uma categoria profissional”.

Salientou, ainda, o ministro Barroso a tendência da auto-composição prevista na Carta Magna e na OIT, verbis: “A Constituição de 1988, em seu artigo 7°, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n°98/1949 e na Convenção n°154/1981 da Organização Internacional do Trabalho”.

Com o entendimento semelhante, o então ministro Teori Zavascki (RE 895.759) reformou decisão do TST ao analisar o recurso extraordinário de empresa recorrente, que firmou acordo coletivo de trabalho com sindicato para supressão do pagamento de horas in itinere, em contrapartida a outras vantagens, como fornecimento de cesta básica na entressafra, seguro de vida sem custo, etc.

De acordo com o voto do ministro Teori Zavascki, o acórdão do TST não se encontrava em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, na qual o Supremo deu relevância ao basilar princípio da autonomia da vontade na esfera do direito coletivo e do trabalho, uma vez que, muito embora o acordo coletivo de trabalho tenha subtraído diretos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), condescendeu - em contrapartida – em expressivas vantagens compensatórias.

Aliás, o ministro Teori apontou que a Constituição Federal, observando se os limites da razoabilidade, admite que normas coletivas de trabalho tratem de questão salarial e de jornada trabalhista, até mesmo reduzindo temporariamente a remuneração do trabalhado e estabelecendo jornadas diferentes das constitucionalmente estabelecidas.

O somatório da minirreforma trabalhista em curso e o peso dos julgamentos dos dois recursos extraordinários no Supremo Tribunal certamente terão o condão de colocar um ponto final na invalidação dos acordos coletivos de trabalho que se traduzem por um diálogo autônomo e necessário entre capital e trabalho e se trata de matéria extremamente relevante do ponto de vista social e econômico.

O argumento de que um momento de crise econômica não é o melhor para a implementação de mudanças, porque a classe trabalhadora estaria “fragilizada”, não se sustenta. É justamente durante as crises que podemos e devemos buscar a motivação para realizarmos mudanças que vêm sendo demandadas por empregados e empregadores. O Supremo Tribunal Federal tem entendido essa questão e tido destemor e firmeza ao avançar no sentido de construir novas e modernas relações de trabalho no Brasil.

Ousar e “navegar” é preciso!