Crédito: Jornal SP Norte

dirceo torrecillas ramos 48

A isonomia, em um Estado, pressupõe o governo de todos pelas mesmas leis, a igualdade perante a lei e é assegurada como princípio constitucional. Assim, a encontramos no preâmbulo, um dos valores supremos; repete o artigo 5º que “todos são iguais perante a lei...” e em seu inciso I diz que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. É verdade, a insuficiência, quando o ser humano tem origens diferenciadas socialmente. Impõe-se uma igualdade de condições.

Raymond Aron em ensaio sobre Tocqueville, destaca que seu conceito de democracia consiste na “igualização das condições”. É democrática a sociedade em que “não subsistem distinções de ordem ou de classes”, o que não quer dizer obrigatória igualdade intelectual ou econômica. Para Aron, Tocqueville quer uma sociedade em que todas as profissões e honrarias “sejam acessíveis a todos”. Para ele, a paixão igualitária americana é pela busca incessante não de uma plena igualdade material, mas de uma igualdade de condições. Na realidade o que vale a igualdade perante a lei, e de oportunidade, sem a de condições para exercê-las na disputa meritocrática?

O artigo 3º, inciso III, coloca como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. No artigo 43, “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Cria-se para esse fim, integrações, planos, incentivos, igualdade tarifária, juros favorecidos, isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais, prioridades contra as secas periódicas e meios para recuperação de terras áridas. Estabelece desigualdades de tratamento em regiões desiguais para diminuir a desigualdade e aproximar a igualdade. Temos desigualdades de fato a exigir as desigualdades de direito para corrigi-las. Significa tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. São assimetrias e, assim, tratar assimetricamente as regiões e estados assimétricos na medida de suas assimetrias.

Por outro lado, temos outras diferenciações, a exemplo do Imposto sobre a renda. Quem recebe mais poderá pagar sobre o valor maior e com alíquota superior, acima do que contribui quem percebe menos. Há uma desigualdade com relação ao volume, mas representa uma igualdade proporcional. Novas considerações podem ser feitas com relação ao trabalho, às qualidades profissionais, ofícios. Exemplificamos com a dificuldade de mulher ser carcereira em presídio masculino, o trabalho feminino insalubre em período de gravidez ou serviço pesado exigente do apoio físico; ofícios que exigem a especialidade técnica, como médicos, advogados, engenheiros, etc. Acrescente-se os policiais civis e militares, bem como os integrantes das Forças Armadas. Enfrentam o crime, a violência, a guerra. Vivem em constantes riscos de vida, com repercussão em suas famílias. Merecem a condição desigual, na medida das necessidades, mas sem exageros.

Verificamos que a regra é a igualdade, a redução das desigualdades, mas estas existem de fato, decorrentes, também, da natureza e das funções humanos a exigir respeito.

Entretanto, a falta de isonomia é provocada pelo setor público nos três poderes. Quem tem ou está próximo do poder, exerce o trabalho mais seguro; é contemplado com o foro privilegiado; a decisão sobre a prisão pela sua própria câmara, a sustação do processo por esta; a perda do mandato da mesma forma; membros do legislativo ocupam cargos no executivo, voltam ao legislativo para favorecer o executivo e retornam ao executivo, o que é vedado em países como a França e Estados Unidos, porque contraria a separação de poderes e a moralidade; a extrapolação do teto remuneratório; vão além do 13º salário; a aposentadoria é total; a disponibilidade como prêmio ao infrator; auxílios das mais variadas formas; carros; passagens aéreas, viagens; conseguem dois meses de férias, recesso no trabalho, mudam feriados, acumulam valores enormes de atrasados; nomeiam excessivamente para cargos de confiança sem concurso; deslocam juízes para tribunais desfalcando a primeira instância; fazem trocas de vantagens no “é dando que se recebe” do jogo de poder; a seca torna-se indústria; a transposição de águas transforma-se em transposição de verbas, etc. Muitos dizem: “está na lei!” Sim! mas nas leis que eles fazem, influenciam, e muitas vezes não cumprem. Inolvidável e devemos destacar que exigem do trabalhador, mas não são rigorosos, quanto à previdência, na cobrança das grandes empresas, bancos, maiores devedores, apesar de lucros e patrimônio enormemente superiores às dívidas.

Enquanto isso, pergunta-se: o setor privado ou dos mais humildes conseguem essas leis dos privilégios? Estes trabalham sem a segurança do setor público; são demitidos e não colocados em disponibilidade; têm riscos de manutenção de escritórios com inúmeros tributos e contribuições sociais; suas aposentadorias são irrisórias e não têm privilégios de foro, de prisão, de sustação de processo, de perda de emprego.

As classes políticas e as privilegiadas transformaram o princípio da igualdade em princípio da desigualdade.