O sistema Justiça adquiriu protagonismo central nos últimos tempos. O Brasil é um caso emblemático, a ser objeto de pesquisa atemporal. Daqui a duzentos anos, se ainda existir a humanidade, haverá instigantes ensaios sobre o funcionamento dessa estrutura em que predomina o Judiciário.
A função de fazer incidir a vontade concreta da lei sobre as controvérsias sempre foi recatada. O juiz era um funcionário anônimo. Não se entregava ao personalismo, fugia dos holofotes.
Isso desapareceu da vida tupiniquim. O espaço que as mídias dedicam ao Judiciário tem se mantido crescente. Isso parece ocorrer por força do pacto fundante de 1988, que foi aquele que mais acreditou na Justiça e que ampliou – até em demasia – o acesso à tutela jurisdicional.
Uma Constituição panaceia, que se propõe a resolver todos os problemas de um Brasil heterogêneo e complexo, fornece uma cornucópia de opções a qualquer julgador. Diante de textos genéricos, abstratos e fluidos, é o intérprete que vai fazê-los existir na prática. Daí a multifária produção jurisprudencial. Há um cardápio variado, podendo-se escolher à la carte o que parece servir para qualquer ocasião. Um único texto serve para fornecer leituras múltiplas, a depender da ideologia, da opção religiosa, política, econômica, sexual ou qualquer outra, nas infinitas tonalidades de uma Nação em que o único aparente consenso é a falta absoluta de consenso.
O Judiciário nem sempre se recorda ser destinatário da mensagem do constituinte, no sentido de se edificar uma Pátria justa, fraterna e solidária. Parece situar-se numa instância superior, supra-poderes, aqueles outros resultantes do voto, algo polêmico em se cuidando de uma Democracia em construção.
Ocorre que o ano de 2020 é marco indelével. Escancarou a realidade trágica de milhões de invisíveis, de desempregados, de desalentados, de excluídos, de desesperançados e mostrou que a legião dos desprovidos de perspectiva é muito maior do que suporia a mais ambiciosa imaginação.
O panorama reclama um Judiciário mais sensível e mais atento ao clamor da hipossuficiência, sedenta por uma justiça real.
O Brasil destes tempos viu surgir a muralha robusta que separa ideologias antagônicas, ambas prenhes de fanatismo. Não se respeita a diversidade, não se prestigia a imprescindível condição de exteriorizar sua opinião sem arrostar incompreensão que chega à violência verbal e, não raras vezes, acaba em violência física.
O terreno propício ao crescimento das questões submetidas à apreciação do Judiciário sofre a influência desse clima animoso. Cumpre ao magistrado ter presente esse caldo de cultura fomentador das divergências e atuar não apenas como neutro aplicador de normas, porém como verdadeiro pacificador.
O Parlamento vem oferecendo a sua contribuição para a formação de um ambiente de concórdia. As chamadas ADR – Alternative Dispute Resolution mostraram-se eficazes nos Estados Unidos, que nos serve de exemplo para tanto mimetismo. Aqui, a conciliação, a mediação e a arbitragem ainda não produzem o resultado desejável e do qual a transição da fase de ataques verbais e midiáticos para um estágio civilizado não pode prescindir.
O juiz tem de reconhecer que a composição consensual de controvérsias é a solução ideal e a judicialização tem de ser a alternativa. Cumpre inverter a lógica predominante. A maior parte das demandas não precisaria existir. Mostra desconhecimento do direito, intransigência, mesquinharia, até chegar à verdadeira instrumentalização do Judiciário.
Um juiz que tenha consciência de seu papel será um harmonizador. Incentivará a observância espontânea do ordenamento. Proferirá decisões mais concisas e singelas. De maneira a educar a população, fazendo-a assumir seus deveres, responsabilidades e obrigações.
Os atuais concursos de seleção de novos quadros para a Magistratura têm condições de recrutar profissionais providos de consciência tal?
*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022, e ocupa na APLJ, a Cadeira nº 28 que tem como Patrono: José Geraldo Rodrigues de Alckmin