É ponto pacífico que nas Democracias Liberais, ao lado do sistema representativo existe o “sufrágio universal e direto”, sintetizado na fórmula “One man, one vote.” Como é evidente, o corolário desta fórmula é o predomínio da maioria aritmética da população na tomada das decisões políticas.
Como tudo o que existe, o “sufrágio universal e direto” possui antecedentes históricos. Eles devem ser buscados na Revolução Burguesa de 1789, ocorrida na França. Ela trouxe para a História e para a Ciência Política o “homem abstrato”, desvinculado de quaisquer circunstâncias históricas e culturais presas à família, à profissão e à nação. A este “homem abstrato” foi atribuída uma “liberdade” absoluta, por igual abstrata, porquanto desvinculada de quaisquer referenciais de tempo e de espaço. E por derradeiro uma “igualdade”, também abstrata e absoluta, veio enfeitar este ente abstrato. Esta “igualdade” passou a contar com o seguinte enunciado: --- “Todos são iguais perante a lei.”
Tanta abstração só poderia surgir na França, país onde o Racionalismo alcançou o seu ápice com Descartes, filósofo que era, também, matemático. Se entretanto Descartes pode ser considerado um pensador sério, outro tanto não pode ser dito dos “enciclopedistas”, homens que se arvoraram em “filósofos”, mas que jamais passaram de panfletários, tendo um papel de destaque no movimento revolucionário.
A Revolução ora comentada representou o início do processo da equiparação que viria entre “habitante” de um país, e “cidadão” desse mesmo país. Esta equiparação contrariou e contraria toda a evolução política do Ocidente: Na “Democracia Ateniense”, num universo de aproximadamente 130.000 habitantes, haveria apenas 30.000 “polites”, cidadãos, dotados de todos os direitos políticos... a mesma coisa iria se repetir em Roma, onde nem todos os habitantes da “Urbs” ostentavam a cidadania. Para ter a cidadania, o “Status Civitatis”, era preciso que concorressem, no indivíduo, o “Status Libertatis” e o “Status Familiae.” A Revolução de 1789, a rigor, conspurcou a palavra “cidadão”, uma vez que o “Civis Romanus”, impregnado do ideal do bem-estar da “Res Publica”, nada tem a ver com o “Citoyen”, o burguês voltado de maneira egoística apenas para os seus interesses, individualista ao ponto de se considerar acima da sociedade, e para o qual a “Res Publica” não passa de um mal necessário...
O fruto mais nefasto da Revolução de 1789 foi entretanto este: O homem concreto, inserido em uma família e participante de uma entidade profissional, foi substituído pelo individuo atomizado, indefeso ante os grandes interesses econômicos e ante o próprio Estado. E o “sufrágio universal e direto” é dado de presente aos indivíduos atomizados... fácil é verificar que a maioria aritmética desses indivíduos não representa a vontade popular. E isto porquanto as maiorias numéricas são acidentais, dependendo de uma influência dominante que, depois da eleição, se desvanece.
Há considerar ainda que os homens talentosos e honestos são a minoria, em confronto com os estúpidos e desonestos. Assim, tende a maioria aritmética a tomar decisões erradas sobre os assuntos a ela submetidos. Um exemplo ajuda a compreender as coisas: Foi a maioria que elegeu Barrabás, o salteador, para ser libertado, e que condenou Jesus Cristo à morte... e creio que a eleição em pauta foi limpa. Não me consta que Poncio Pilatos, Procônsul da Judéia, usasse urnas eletrônicas.
Goffredo da Silva Telles Jr. preconiza que a representação popular falseada do sufrágio universal e direto, seja substituída pela representação orgânica, calcada na manifestação da vontade das categorias profissionais. Com ele nós concordamos, “in totum.”
*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pelo Largo de São Francisco, é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas