(Jornal O Estado de São Paulo)
Reconhecidas como direito de todos e dever do Estado pela Constituição federal, a saúde e a educação estão muito longe de ocupar posições favoráveis nos indicadores de satisfação dos brasileiros. O acúmulo de fragilidades, distorções e descasos transformaram a saúde, pública e privada, em campeã da insatisfação desde 2008. Com 62% de conceito ruim ou péssimo em pesquisa realizada em 2014 pelo Datafolha, supera a soma das cinco preocupações que vêm na sequência: segurança (18%), corrupção (10%), educação (9%), desemprego (4%) e miséria (2%). Mesmo entre os 27% dos brasileiros que pagam planos ou seguro saúde, 70% cravam os dois piores conceitos.
Ainda de acordo com a Constituição (artigo 198), as ações e serviços de saúde devem constituir um sistema único, financiado por toda a sociedade com recursos orçamentários da seguridade social, da União, dos estados e dos municípios, além de outras fontes. A maioria das propostas de solução para questão da saúde aponta como a saída o aumento de verbas públicas. Essa tese é contestada por relatório do Banco Mundial sobre os 20 anos do Sistema Único de Saúde, divulgado no final de 2013, segundo o qual os problemas estão mais relacionados com desorganização e ineficiência do que com falta de dinheiro.
Um exemplo: 65% da rede de hospitais é composta por unidades com menos de 50 leitos (com taxa de ocupação de 45%, incluindo as salas cirúrgicas), quando o ideal seria mais de cem, segundo o consenso internacional, o que elevaria a média de ocupação para a faixa de 70 a 75%. Resultado: adotando-se padrões mundiais, a eficiência do atendimento poderia ser três vezes maior, desafogando os hoje superlotados grandes hospitais. Também um melhor planejamento aliviaria a procura dos setores de emergência nos hospitais, pois a maioria dos casos seriam atendidos em ambulatório. Esses e outros pontos analisados levam os autores do relatório a concluir que, no caso da saúde pública, é possível fazer mais e melhor com o orçamento atual.
Os remédios genéricos e os distribuídos pela rede pública são exemplo de como medidas bem planejadas e implementadas repercutem favoravelmente na opinião pública, já que ajudam a aliviar o bolso do contribuinte ao mesmo tempo, tornam viável, em especial para as faixas menos favorecidas, o tratamento e a prevenção das doenças. Ambos são o quesito mais bem avaliado na pesquisa de satisfação dos brasileiros com o atendimento da saúde. Os medicamentos gratuitos são usados por 53% dos entrevistados ou familiares. Já os genéricos, comprados por 79%, chegam a ser considerados tão ou mais confiáveis do que os originais por 67%.
Nesse ponto, é impossível fugir, mais uma vez, dos efeitos negativos do custo Brasil. Especialistas lembram que taxas e impostos correspondem a um terço do preço final dos remédios. Citam, ainda, distorções como a menor taxação de fármacos para o setor veterinário do que os destinados à saúde humana. A ponto de o tributarista Gilberto Luiz do Amaral citar, em tom de amarga ironia, que “é mais barato entrar na farmácia mugindo do que tossindo”.
Voltando à questão orçamentária, cabe uma ressalva. Enquanto os países ricos desembolsam 6,5% do PIB para saúde, o percentual cai para cerca de 4% no Brasil (dados de 2011). Por norma constitucional, os recursos carimbados deveriam crescer de acordo com a elevação do PIB, o que não vem ocorrendo por parte da União, segundo apontado em seminário da Folha de S.Paulo: enquanto as contribuições dos estados (12%) e dos municípios (15%) se mantêm estáveis, a participação do governo federal caiu de 60% para 45%.
Na educação, o cenário não é menos preocupante. Sem falar nas sempre pífias avaliações nacionais e internacionais, ainda estão presentes na memória da sociedade os espantosos resultados do Enem 2014, com seus 530 mil alunos que zeraram na prova de português, enquanto apenas 250 candidatos atingiram a nota máxima, num universo de 6,2 milhões de participantes. Esse foi apenas um dado a lamentar na avaliação dos resultados, mas o que esperar de um sistema de ensino no qual 40% dos alunos que concluem o ciclo fundamental não sabem interpretar textos e apenas 54% dos jovens concluem o nível médio até os 19 anos?
Como se constata, a educação no País também está longe de cumprir o preceito constitucional (artigo 205), que determina, como seus objetivos, promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. As causas são tão conhecidas que seria cansativo detalhá-las: desvalorização e despreparo dos professores; indisciplina generalizada nas salas de aulas; constantes mudanças nos planos nacionais de educação, quase sempre desvinculados da realidade; ojeriza à meritocracia; indicação política de gestores escolares; viés ideologizante nos conteúdos; proliferação das faculdades; desvalorização das carreiras estratégicas de pedagogia, magistério e licenciatura; transferência à escola de responsabilidades educacionais que pertencem à família; e por aí vai.
A Constituição também determina que a família deve contar com a proteção do Estado (artigo 226). Mas – uma nova pergunta – será possível cumprir esse preceito num país com tão grandes fragilidades nos direitos básicos à educação e à saúde? Mesmo contando a valiosa contribuição de organizações sociais que buscam suprir as deficiências das ações governamentais e da iniciativa privada nas duas áreas – caso do CIEE, que dedica grande esforço na formação dos jovens para o trabalho –, a resposta é negativa. Daí, a insistência na urgência de transformar saúde e educação em objeto de políticas públicas consistentes e eficazes, com duração além dos mandatos de presidentes, governadores ou prefeitos. Só assim esses dois pilares, sem os quais não se sustenta a cidadania, serão colocados realmente a serviço da sociedade e do desenvolvimento nacional.