FOLHA DE S.PAULO - 19 DE MARÇO DE 2019

Angela Gandra feeafServiço não é uma intromissão na esfera privada

Pela primeira vez no Brasil, o governo disponibiliza um serviço especial concentrado na família, já existente em países como Alemanha, Canadá, Austrália e Coréia do Sul.

O convite recebido pela ministra Damares Alves — que, de certa forma, encarna a alteridade — para ocupar o cargo de secretária da Família no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, fez-me refletir especialmente sobre essa nova vertente pública e acerca de seu profundo papel, pensando no que pode significar esse trabalho em equipe para a conformação de uma ordem social justa, harmônica e realizada, em que o bem individual reflete no bem da pólis e vice-versa.

O projeto apresenta-se fascinante no sentido de ancorar-se na primeira comunidade, na qual o futuro cidadão pode firmar-se e fortalecer sua noção de co-pertença.

Edificar uma sociedade à margem da família seria realmente um condo, a família é o agente educativo de maior impacto social, já que se constitui no berço da ética individual e das relações pessoais, em que o respeito pelo outro se enraiza e a dignidade da pessoa se toma efetivamente normativa.

Muitos podem se perguntar se pensar sobre a família a partir do governo não significaria uma intromissão na esfera privada. Se esta fosse a perspectiva, provavelmente o plano seria contrário à liberdade. Porém, a proposta é diametralmente oposta.

O foco na família significa oferecer as bases para que a família possa se consolidar internamente, sem que políticas públicas orientem suas decisões de forma pragmática e, na maioria das vezes, paternalista e ineficiente.

Por outro lado, visando o florescimento humano e o consequente desenvolvimento social e econômico integral, a Secretaria da Família investirá no núcleo familiar, não de forma utilitarista, mas apostando em sua capacidade de autogestão rumo ao bem comum.

De fato, é ostensiva a relação entre equilíbrio familiar e produtividade. Nesse sentido, é interessante a comparação histórica com o início da implementação da teoria marxista — avessa à família como fundamento da propriedade privada — e seu retomo à instituição, já que a instabilidade afetiva dificultava o rendimento laboral. Dessa forma, a tese, embasada também por Wilhelm Reich, foi revisitada e mitigada. 

Os grandes temas da Secretaria da Família serão, portanto, a projeção social e econômica da família, o equilíbrio trabalho-família e a solidariedade intergeracional.

Para poder encontrar soluções eficazes, contaremos com um observatório de estudos, pesquisas e avaliações para que o levantamento de dados possa sustentar as ações com base em evidências e, assim, capacitamos adequadamente para corresponder às expectativas da família brasileira. Nesse sentido, esse órgão oferecerá ainda informações básicas para que a família possa tomar decisões reflexivas a partir de sua autonomia. 

A Secretaria da Família constitui, de fato, uma estrutura inédita no Brasil, projetada a investir no essencial, já que muitos problemas sociais podem ser evitados com o devido protagonismo da família, desde o preconceito à violência, passando pelos desiquilíbrios afetivo, que, em muitos casos, fundamentam o recurso a drogas e outros subterfúgios.

Dessa forma, a mudança esperada pelos brasileiros, ainda que não imediata, será efetivamente sustentável pela solidez de uma saudável infraestrutura familiar.


 Angela Vidal Gandra da Silva Martins - Secretária Nacional da Família e doutora em filosofia do direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul